Entre os dias 27 e 29 de novembro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) sediou a 22ª Conferência TWAS-Lacrep (The World Academy of Sciences-Latin America and Caribbean Regional Partner) e a 1ª Conferência Regional da TYAN (TWAS Young Affiliates Network). O encontro intitulado “Ciência na América Latina: hoje e amanhã” reuniu jovens cientistas para discutir suas pesquisas, desafios e ações para o desenvolvimento da ciência na América Latina e Caribe.
Participaram da cerimônia de abertura o presidente da ABC, Luiz Davidovich; Manuel de Jesus Limonta Vidal, diretor do Escritório Regional para América Latina e Caribe (ISC-Rolac); e os Acadêmicos Vivaldo Moura Neto e Virgilio Almeida, que representaram a ABC na coordenação do evento, em parceria com a pesquisadora Patricia Zancan (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ), que é membro da TYAN.
Integrante da diretoria da ABC, Virgilio Almeida ressaltou a importância de celebrar a ciência na América Latina e Caribe, em um “momento particular em que a ciência, o conhecimento e a cultura têm sido atacados em várias partes do planeta”. Para ele, os jovens cientistas simbolizam a possibilidade dessas regiões construírem um futuro de igualdade e estabilidade juntas.
Vivaldo Moura Neto, Virgilio Almeida, Luiz Davidovich e Manuel de Jesus Limonta Vidal. Foto: Pedro Armando
Pensar localmente, agir globalmente
Dando início às sessões de palestras, o Acadêmico Cesar Victora falou sobre como uma pesquisa que fez sobre a relação entre aleitamento materno exclusivo e prevenção da mortalidade infantil, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no estado do Rio Grande do Sul, ajudou a moldar a política de saúde infantil global.
Publicada em 1987, pela revista científica The Lancet, a pesquisa concluiu que os bebês alimentados com leite materno e fórmula/leite de vaca e os bebês alimentados apenas com fórmula/leite de vaca tinham, respectivamente, 3.6 e 14.2 vezes o risco de morte por diarreia do que aqueles que recebiam amamentação exclusiva. Essa descoberta levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) a elaborarem políticas globais para a recomendação da amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida.
Dez anos depois, a OMS criou o Estudo Multicêntrico de Referência sobre Crescimento (MGRS, na sigla em inglês), que gerou novas curvas de crescimento para avaliar o crescimento e desenvolvimento de bebês e crianças em todo o mundo. Victora participou do grupo de estudos como membro de seus Comitês Executivo, de Direção e como investigador.
O Acadêmico iniciou, ainda em 1982, um estudo de coorte em Pelotas que se estendeu para um consórcio internacional de pesquisa, incluindo outros cinco coortes em países de renda baixa e média. A pesquisa analisou a importância da nutrição nos primeiros mil dias de vida e evidenciou a relação entre amamentação e capital humano.
Na coorte de 1982 em Pelotas, 3.493 indivíduos foram acompanhados por 30 anos. Alguns resultados obtidos informam que, quanto maior a duração do período de amamentação, maior o Quociente de Inteligência (QI), os anos de escolaridade e a renda mensal.
O Acadêmico Cesar Victora durante sua conferência. Foto: Pedro Armando
Desde 2003, Victora atua no Countdown – Women’s, Children’s & Adolescents’ Health. O Countdown to 2030 contribui para fornecer uma base de evidências para formulação e financiamento de políticas inteligentes, compilando, publicando e relatando dados críticos que indicam o progresso do país – ou falta de progresso – no fornecimento de cobertura equitativa de intervenções eficazes de saúde para mulheres, crianças e adolescentes.
Médico, especialista em saúde comunitária e doutor em epidemiologia, Cesar Victora realizou extensas pesquisas em diversos estados brasileiros, e atuou como pesquisador e consultor em mais de 40 países, assessorando a OMS e a Unicef nas áreas de saúde e nutrição materno-infantil, amamentação, coortes de nascimento, desigualdades sociais e avaliação de serviços de saúde. Suas contribuições científicas promoveram a documentação da importância do aleitamento materno exclusivo para prevenir a mortalidade infantil e a construção de curvas de crescimento infantil atualmente adotadas em mais de 140 países.
Seu trabalho, que começou em uma cidade localizada no Sul do país, teve alcance mundial. Aos jovens cientistas, incentivou que não apenas “pensem globalmente e ajam localmente”, como também façam o contrário, e pensem nos problemas de suas comunidades.
“É preciso da evidência científica para encontrar quem está sendo deixado para trás e assim fomentar políticas públicas que tenham esse grupo como alvo”, defendeu o Acadêmico.
Envelhecimento e doenças não transmissíveis
O primeiro ciclo de palestras dos jovens cientistas teve como tema o “Envelhecimento e doenças não transmissíveis”. A sessão teve como coordenador Alexander de Luna (México), que tratou sobre “Mecanismos genômicos de envelhecimento e longevidade em leveduras”, e contou com as palestras sobre “Estudo do impacto da sinalização de IL-17 / IL17R na progressão do tumor”, de Eva Acosta Rodriguez (Argentina); “Características semelhantes à doença de Alzheimer desencadeadas pela infecção oral da Porphyromonas gingivalis depende do sorotipo bacteriano”, de Andrea Paula-Lima (Chile); e “Agregação da proteína priônica modulada por ácidos nucleicos: separação de fase líquido-líquido é a resposta?”, de Yraima Cordeiro (Brasil).
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