Para debater os desafios da redução das desigualdades, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) escolheu esse tema para a segunda edição dos “Diálogos Pelo Brasil”. Realizado no Teatro SESI do Rio Vermelho, em Salvador (BA), no dia 23 de outubro, o encontro fez parte de uma série de eventos que visa contribuir para a concretização de uma agenda nacional de desenvolvimento, alicerçada na ciência, na tecnologia, na inovação e na educação de qualidade para todos.
Jailson Bittencourt e Helena Nader
A edição de Salvador foi coordenada pelo Acadêmico Jailson Bittencourt de Andrade que destacou, durante a cerimônia de abertura, os objetivos da reunião e sua relação com a Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Também informou que um outro encontro foi realizado em Porto Alegre (RS), no dia 18 de outubro, e que o próximo já está marcado para 12 de novembro, em São Paulo (SP). A programação foi dividida em quatro grandes temas, compostos por palestras e discussões: saúde, ciências, inovação e humanidades.
Primeiro Grande Tema: Saúde
Pedro Vasconcelos, Helena Nader e Manoel Barral Netto
Saneamento básico e doenças crônicas não transmissíveis: problemas para o Brasil

De acordo com ela, o motivo do problema não é a falta de dados, uma vez que a Academia tem produzido diversos estudos sobre a situação, a exemplo das publicações “Águas do Brasil” e “Águas Urbanas no Brasil (Urban Waters in Brazil)”, esta última feita em parceria com a Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas, na sigla em inglês).
As doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, os problemas respiratórios crônicos, a diabetes e o câncer têm números preocupantes no Brasil. 10,4% dos adultos brasileiros são diabéticos, por exemplo. “Todas essas patologias têm vários fatores, mas se retroalimentam do tabagismo, da alimentação não saudável, do uso nocivo do álcool e da atividade física insuficiente”, afirma. O programa contra os cigarros conseguiu reduzir o número de fumantes, mas atualmente há uma reversão porque o jovem está voltando a fumar. “Isso significa que as políticas públicas precisam de atenção constante. Não basta fazer uma vez e esquecer disso”, completa.
Para tentar propor soluções, a produção científica brasileira em ciências da saúde tem crescido nos últimos anos: entre 2013 e 2018 foram publicados 82.406 artigos na área, o maior número se comparado com as demais. Para Helena Nader, esse crescimento é essencial porque “os alunos de hoje serão os cidadãos, líderes, trabalhadores e pais do amanhã. Portanto, uma boa educação é um investimento com benefícios duradouros”.
Iniquidades em saúde: determinantes sociais

O Acadêmico explica a concepção de “saúde digital” e reconhece que ciência, tecnologia e inovação apresentam novas oportunidades e desafios na busca pelos objetivos de desenvolvimento sustentável relacionados à saúde. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), essas tecnologias facilitam o diagnóstico, tratamento, prevenção, mapeamento e monitoramento de propagação de doenças. “A comunidade científica precisa estar sempre atualizada para não correr o risco de falar coisas que já não estão mais próximas da verdade”, completa.
Ainda de acordo com a OMS, o uso da saúde digital precisa ser centrado nas pessoas, baseado em evidências, efetivo, eficiente, sustentável e inclusivo. Um artigo do jornal The Guardian analisou o impacto da automatização de serviços burocráticos que lidam diretamente com a população. A conclusão é que perde-se o caráter humano e os mais afetados são os mais pobres. Nesse sentido, Barral destaca a importância de garantir a incorporação equânime da saúde digital no Sistema Único de Saúde (SUS). “A gente querer e conhecer essa realidade é só o primeiro passo, mas tem muita coisa a ser feita para que o cidadão seja bem atendido e valorizado”, finaliza.
Arboviroses no Brasil: Impacto em Saúde Pública

O Zika Vírus, por outro lado, era pouco conhecido, só existia na África e é provável que tenha sido introduzido no Brasil durante a Copa das Confederações, em 2013, de onde atingiu outros países da América. Uma das principais preocupações com o vírus se deve à ocorrência de microcefalia e outras malformações do sistema nervoso central, defeitos congênitos, abortos e natimortos relacionados ao Zika.
De acordo com o médico, a Chikungunya representa um sério problema para o mundo, especialmente nos países endêmicos para dengue, devido ao alto nível de infestação pelo mosquito Aedes aegypti. “A doença ainda é pouco conhecida pelos médicos, com aumento da letalidade, inclusive no Brasil, com formas atípicas graves, não vistas na África e Ásia”, alerta o pesquisador.
Além disso, a emergência potencial de outras arboviroses como Mayaro, Oropouche e West Nile torna necessária “uma ação vigorosa e estruturada para controle vetorial, ou seja, dos mosquitos, e ações de vigilância”, reforça Vasconcelos. Por outro lado, o vírus da Febre Amarela já era conhecido e voltou a aparecer, entre 2017 e 2018, em áreas florestais urbanas previamente livres. “O que preocupa é que as epidemias notificadas na América do Sul ocorreram em áreas com baixa cobertura vacinal”, completa.
Para o pesquisador, a globalização e as mudanças ecológicas causadas pelo homem resultaram no surgimento de novos arbovírus e no ressurgimento de outros, que resultaram em epidemias. “Os impactos ambientais como a derrubada de florestas e a urbanização são graves e pouco valorizados ou discutidos”, ressalta.
Segundo Grande Tema: Ciências
Aroldo Misi, Luiz Drude e Sergio Rezende
O papel da ciência no setor mineral

De acordo com o pesquisador, a indústria extrativa mineral foi responsável por 1,4% do PIB em 2018 e sempre tem apresentado saldo comercial positivo. Além disso, as exportações de bens minerais representam 13% de todos os produtos exportados pelo Brasil, contribuindo com 30% do saldo comercial superavitário. Contudo, o índice de investimentos em mineração está em queda desde 2016 e o país é um exportador de commodities, que ficam sujeitas às variações do mercado internacional. “O Brasil precisa passar a ser exportador de produtos minerais industrializados, não apenas de commodities”, alerta o Acadêmico.
Ele defende que para melhorar esse cenário, é preciso adaptar e usar tecnologias avançadas, além da criação de novas, que permitam a integração e análise interpretativa de dados geológicos, geoquímicos e geofísicos, em espaço tridimensional, em diversas escalas. Também aponta a importância da criação de editais para financiamento de projetos de pesquisa em temas estratégicos, investimentos para manutenção dos laboratórios especializados já existentes e a criação de outros.
Para o professor, o desenvolvimento de projetos no setor mineral requer a aplicação de modelos construídos em bases científicas sólidas e tecnologias inovadoras em todas as suas etapas, desde a exploração. “O Brasil precisa desenvolver o seu potencial mineral a fim de promover o desenvolvimento econômico e social, criar novos postos de trabalho e contribuir para acabar com o grande problema da desigualdade social que estamos vivendo”, completa.
Ciência e tecnologia no Brasil: avanços históricos e ameaças atuais

De acordo com o pesquisador, a ciência brasileira teve um início tardio, com a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ambos em 1951. “A atuação do CNPq e da CAPES nas décadas de 1950 e 1960 foi decisiva para a criação e manutenção dos primeiros grupos de pesquisa no Brasil”, pontua o Acadêmico.
Apesar do início tardio, nas últimas décadas o país construiu um sistema de ciência, tecnologia e inovação extenso e qualificado. Entre 2002 e 2009, o número de sedes de universidades federais passou de 43 para 59. De 1996 a 2014, a quantidade de mestres foi de 10,4 mil para 50,2 mil, e a de doutores aumentou de 2.854 para 16,7 mil. “Nosso grande desafio é ter a política de Estado executada com continuidade nas mudanças de governo”, alerta.
O Acadêmico destaca que nos últimos anos a ciência tem sofrido com muitos cortes de verbas, além da recente crise gerada pela possível fusão do CNPq com a Capes. Para ele, o maior problema é a política econômica voltado para o mercado e para o sistema financeiro, na qual “ciência não interessa e é tratada como se só fosse importante para os países ricos”.
Sergio Rezende acredita que este seja o momento de compartilhar, conversar, usar as redes sociais e participar de discussões sobre o papel de ciência e da tecnologia no país, e sobre as ameaças atuais. Apesar do cenário, ele acredita que a crise será superada e que “é importante reagir, resistir e continuar trabalhando”.
Funcap: redução das desigualdades regionais em C&T no estado do Ceará

Diante de um cenário tão desigual, a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) criou a Bolsa de Produtividade e Interiorização (BPI), um programa específico para estimular a pesquisa no interior do estado. No início, em 2008, havia 63 pesquisadores e em 2018, o número aumentou para 85.
Contudo, a desistência de pesquisadores ao longo do processo e o número de bolsas que sobravam nos grupos de pesquisa, por ausência de bolsistas, eram algumas das dificuldades enfrentadas pelo programa. “Isso acontecia porque nós distribuíamos o recurso e só analisávamos o que aconteceu ao longo do caminho, dois anos depois, quando o edital era encerrado. Então se alguém saísse antes do fim, essa bolsa ficava sobrando”, explica o Acadêmico. Por isso, a Funcap passou a monitorar a trajetória dos recursos mês a mês e a redistribuir os excedentes. “O resultado é que o percentual de doutores no interior aumentou de 11,1% para 18,4% entre 2014 e 2018, e nós queremos que aumente ainda mais”, completa.
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