Leia a seguir o artigo “Boicotando o futuro“, do Acadêmico Isaac Roitman, publicado em 16 de setembro, no Monitor Mercantil:
Os avanços na educação de qualidade, uma política econômica visando uma vida digna de todos, a proteção e conservação do meio ambiente, uma boa assistência à saúde pública, o estímulo à ciência e tecnologia, boa qualidade da vida urbana, o emprego digno e o respeito a cultura e aos direitos humanos são pressupostos para a construção de um futuro virtuoso para o Brasil.
Infelizmente não é isso que testemunhamos no presente. Ao contrário. A desigualdade social se alastra. Nossa educação está ameaçada com ações que provocam retrocessos desde a educação básica até a pós-graduação.
As regras que norteiam nossa economia, continuam a proteger os privilegiados e a elite, aumentando o número de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Nossos recursos naturais e nosso bioma estão em riscos devido a políticas predatórias estimuladas por lucros imediatos. A assistência à saúde é cada vez mais precária.
O desenvolvimento científico e tecnológico, base para uma verdadeira soberania, sofre um trágico retrocesso com os cortes de recursos do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (Capes).
O deslocamento urbano, as moradias e a segurança nas cidades são insatisfatórios. O desemprego pleno causa desespero nas famílias, principalmente nas de menor renda. A corrupção continua escancarada. Os valores civilizatórios em baixa. A cultura cada vez mais desamparada. Os direitos humanos conquistados, em retrocesso, completam esse cenário desolador que ameaça o futuro de nosso país.
Como mudar esse cenário e cultivar a esperança de um cenário virtuoso para as próximas gerações? Penso que devemos aperfeiçoar a nossa democracia e cultivar valores fundamentais. No entanto, as democracias contemporâneas passam por crises por não terem alcançado os seus objetivos éticos de justiça social.
O conceito de democracia não pode ser reducionista e estar simplesmente vinculado ao exercício do direito do sufrágio. Esse direito é garantido. Por outro lado, há uma crescente apatia política entre os cidadãos dos regimes democráticos e a vacina para essa doença é a educação para a cidadania. Através dela os jovens não aceitaram o presente boicote e vão ser protagonistas de seu futuro.
O conceito e as ações de uma educação para a cidadania devem ser aperfeiçoados. Segundo a Unesco, a educação para a cidadania deve capacitar os estudantes de todas as idades com valores, conhecimento e habilidades que, ao mesmo tempo, baseiam-se e incutem o respeito por direitos humanos, justiça social, diversidade, igualdade de gênero e sustentabilidade ambiental, com o objetivo de que os aprendizes se tornem cidadãos globais responsáveis.
Vamos dizer não ao boicote de nosso futuro mudando, mesmo que lentamente, o cenário atual. Vamos fazer uma verdadeira revolução educacional. Vamos nos inspirar nos pensamentos do filósofo Norberto Bobbio, que enfatizou que os direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.
E aos nossos atuais e futuros governantes seria pertinente conhecerem o pensamento de Victor Hugo: “Saber exatamente qual a parte do futuro que pode ser introduzida no presente é o segredo de um bom governo”.
Professor emérito da Universidade de Brasília, membro da Academia Brasileira de Ciências e membro do Movimento 2022 O Brasil que queremos.