Leia matéria de Ana Lucia Azevedo para O Globo, publicada em 2/5/2019, com depoimentos dos Acadêmicos José Marengo, Carlos Nobre e Paulo Artaxo:

Um dos ditados populares da Amazônia diz que “a floresta faz chover”. E faz, não só na Região Norte, mas muito distante, no Sul do Brasil e até em partes da Argentina e do Uruguai, com impacto sobre a agricultura, a geração de energia e o turismo.

A discussão sobre as consequências do projeto de lei 2.362/2019, dos senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Márcio Bittar (MDB-AC), que revoga a obrigatoriedade de se manter a chamada reserva legal nas propriedades rurais, acabou por destacar a relevância da Floresta Amazônica para o clima do Brasil. É na Amazônia que nascem os rios voadores que distribuem chuvas no país.

A expressão rios voadores foi criada há quase duas décadas pelo meteorologista José Marengo, coordenador geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ela se refere aos jatos de ar carregados de umidade que se originam sobre a floresta e atravessam o Brasil, a cerca de 3 mil metros de altitude.

Um de seus efeitos bem estabelecidos é permitir a existência das florestas do oeste do Paraná, como as das cataratas do Parque Nacional do Iguaçu e as que protegem a Usina de Itaipu.

O climatologista Carlos Nobre, um dos mais respeitados especialistas do mundo em mudanças climáticas, explica que está comprovado que, quando uma seca castiga a Amazônia, chove menos em toda a vasta região que vai do oeste do Paraná, onde estão as florestas de Iguaçu, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, e chega até o centro-leste da Argentina, Uruguai e Paraguai.

Impacto na agricultura

Só existe floresta no Paraná porque chove no inverno por lá, e chove porque os rios voadores levam a umidade da Amazônia.

— Se não fosse a umidade da Amazônia, toda essa região seria uma savana — afirma Nobre.

Chove menos em Foz do Iguaçu, por exemplo, do que em Brasília. Enquanto nesta caem de 1.600 a 1700 milímetros de chuva por ano, em Foz a média é de 1.300 mm. Porém, Brasília tem uma estiagem de meio ano e vegetação de Cerrado. Já em Foz e em toda a área coberta pelos rios voadores, a chuva é distribuída ao longo do ano, graças a eles.

Os rios voadores são canais de umidade que transportam vapor d’água e fazem com que chova durante todo o ano, inclusive no inverno, normalmente seco no Centro-sul. Sem chuva ao longo de todo o ano, não há condições para existir uma floresta, observa Nobre.

As reservas legais protegem 80% das florestas de uma propriedade rural e são essenciais para deter o desmatamento e, assim, preservar a Amazônia e os rios voadores que ela gera. Mas, para Nobre, a maior importância das reservas legais está na proteção da própria Amazônia.

As florestas prestam serviços, como redução da temperatura — são até 3 graus Celsius menos quentes que plantações e pastagens —, produção de água, prevenção de erosão e polinização de culturas comerciais.

— O maior impacto do desmatamento das reservas legais será para a agricultura da região, que já enfrenta um clima hostil e um solo pobre — salienta.

Professor titular do Instituto de Física da USP e reconhecido como o maior especialista do mundo em química da atmosfera da Amazônia, Paulo Artaxo vê ameaça concreta de perdas para os investidores nos setores agrícola e de energia, que dependem da disponibilidade de água e da regularidade climática.

— O desmatamento afeta o fluxo de umidade na atmosfera e traz desequilíbrio. A destruição de reservas legais trará incerteza para o Brasil. Para quem investe, é um fator de risco.