João Fernando Gomes de Oliveira, professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, denuncia o descaso do governo federal com o futuro da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) – projeto considerado por acadêmicos e empresários como modelo para o fomento à inovação e geração de valor na indústria brasileira. “Uso essa palavra de forma muito consciente. Não existe outra, é descaso mesmo”, confirma.

Oliveira foi o primeiro presidente da instituição cujo contrato de gestão foi assinado em 2 de dezembro de 2013. “Foi um parto difícil, mas tínhamos de aprovar o projeto naquele ano para começar a operar em 2014”, lembra. No ano passado, o Ministério da Saúde entrou no grupo financiador, com a promessa de reforçar os cofres e ampliar o escopo dos projetos.

 A Embrapii é responsável pela gestão de R$ 1,5 bilhão, para aplicação em projetos de pesquisa e desenvolvimento entre 2014 e 2019. Mas o dinheiro do governo federal parou de chegar. Até o início de outubro, a entidade não havia recebido um centavo sequer do valor previsto no cronograma anexo ao contrato (R$ 200 milhões) para 2018. O montante para o próximo exercício (R$ 100 milhões) também não foi confirmado. “Estamos muito preocupados. Esperamos que o próximo governo considere a inovação como prioridade”, diz Jorge Almeida Guimarães, atual presidente da instituição.

Ele lista, de cabeça, os avanços: “São 600 projetos desde o início da operação. É algo extraordinário no Brasil. O modelo nos empurra para a fronteira da inovação. Ajuda o país a aplicar na indústria o conhecimento gerado na academia”.

 Oliveira destaca que a Embrapii não é uma jabuticaba. É o resultado de estudos de mercado que tiveram início em 2011. Sua construção contou com o apoio da iniciativa privada, por meio do Movimento Empresarial para a Inovação (MEI), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e da academia brasileira. “Está baseado nas metodologias do instituto alemão Fraunhofer”, explica. A adaptação da sistemática germânica ao ecossistema brasileiro atacou três entraves para a inovação: a aproximação das empresas com os centros de pesquisa, a burocracia na análise de projetos e a tímida participação privada nos valores aportados.

 A autonomia dada às unidades garante uma avaliação assertiva dos projetos. “Especialistas da área analisam as propostas, não um gestor de recursos. O processo reduz os riscos”, esclarece Oliveira. O aceite é acatado pela Embrapii, que libera os recursos em um prazo médio de 60 dias. “Empresários e pesquisadores não se falavam. O modelo resolve isso”, lembra. Mais bem orientadas, as empresas elevam suas apostas. A Embrapii entra com até um terço do valor do projeto, o instituto usa recursos humanos e infraestrutura como moeda para outro terço. O empreendedor completa o orçamento. “Em média, o aporte privado tem sido de 50%”, diz Oliveira. Na prática, para cada real colocado pelo governo federal, em projetos ligados à Embrapii, há investimento de, pelo menos, outros 2 reais.

 A atuação da Embrapii agrega valor também aos centros de pesquisa. Faz a roda girar, criando oportunidades de negócios com a transferência de conhecimento. Zehbour Panossian, diretora-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), afirma que a Embrapii foi um marco na instituição. “A colaboração com as empresas despertou ousadia nos pesquisadores”, diz. Hoje 40% do faturamento do IPT está ligado a projetos de inovação. Antes, lembra Zehbour, o IPT gerava receita, prioritariamente, com análises de falhas. “Trabalhar com pesquisa e desenvolvimento nos moveu para outro patamar”, revela.

  O IPT já tocou 54 projetos em parceria com a Embrapii, movimentando R$ 93,5 milhões. Os acordos envolveram ainda recursos de instituições como o Sebrae (em nove iniciativas) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (em duas). Ricardo Magnani Andrade, assessor técnico de Zehbour, lembra que, no IPT, as empresas chegam até a prototipagem e fabricação piloto da inovação. Depois investem sozinhas no lançamento do produto. Segundo ele, são diferentes escalas de investimento: um projeto que demanda US$ 100 mil na etapa inicial pode exigir US$ 100 milhões na intermediária e mais US$ 1 bilhão para chegar ao mercado. “Atuamos na etapa intermediária, chamada de vale da morte da inovação”, destaca Magnani.

 A sobrevivência da Embrapii é apenas um dos desafios que o novo governo terá para manter o sistema em pé. O primeiro deles será colocar a inovação como prioridade na agenda econômica. “Não há como discutir políticas públicas sem saber a opinião dos governantes sobre o tema”, destaca Glauco Arbix, professor do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Pela relevância do tema, o mínimo a fazer, explica, é manter os projetos que estão dando resultado e revisar os instrumentos de financiamento. Arbix defende a remodelação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC). “Do jeito que está hoje, não funciona”, afirma.

 De acordo com o orçamento publicado pelo ministério, o FNDTC amealha, neste ano, recursos na ordem de R$ 3,4 bilhões, mas R$ 2,3 bilhões estão contingenciados. Além disso, como é a pasta quem define a aplicação do dinheiro, metade dos recursos não retorna aos setores de origem. “São aplicados em ações transversais e ninguém fica satisfeito com o resultado”, comenta Arbix.

 Uma alternativa é criar um fundo com governança própria e supervisão de agentes do governo e da iniciativa privada. “O MCTIC pode fazer parte, mas o fundo precisa de autonomia para ter previsibilidade”, destaca Arbix. Dessa forma, será possível escolher projetos prioritários ao país e garantir os recursos, evitando a desidratação de projetos por atrasos no desembolso. “Inovação não é obra civil, algo que dá para parar e retomar. O dinheiro não pode ser contingenciado.”