A quarta sessão do Simpósio Brasil-França sobre Biodiversidade, realizado na Universidade Federal do Amazonas, em Manaus, de 5 a 8 de junho, envolveu pesquisadores do Inpa, Museu Goeldi, Universidade de São Francisco do Quito (Equador), Universidade de Strasbourg e Universidade Pierre e Marie Curie (ambas na França).
Megabiodiversidade: benção e desafio
O pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Jansen Zuanon abordou o tema da sessão pela perspectiva da mais rica fauna de peixes do mundo.
A região amazônica conta com vários tipos de ambientes aquáticos: água negra, água branca, água clara, várzea etc., o que contribui para a megabiodiversidade. “É uma benção e um desafio: temos lacunas de amostragem, impedimentos taxonômicos e ameaças à biodiversidade aquática”, pontuou o palestrante.
Muitas espécies de peixes estão ameaçadas em todo o país, a maior parte por conta de desmatamento e construção de barragens. Outra ameaça, proporcionalmente bem menor, é causada por excesso de pesca.
Os efeitos sobre a biodiversidade incluem perda de espécies, mudanças na composição das espécies e não são apenas locais: podem ser continentais. “Para piorar, a legislação ambiental não é adequadamente focada na conservação”, avaliou Zuanon.
Quando se olha para os efeitos sinergéticos com as mudanças climáticas, a situação piora ainda mais, de acordo com o pesquisador. “Mas, infelizmente, não temos séries históricas para medir com precisão estes efeitos”, disse Zuanon.
Amazônia em transição
A bióloga Ima Vieira, pesquisadora titular do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), em Belém do Pará, participa de inúmeras redes temáticas de pesquisa que envolvem estudos ecológicos sobre a Amazônia de inúmeras comissões científicas e de políticas públicas para a região.
Em sua palestra no evento, Ima apontou que o desmatamento e a degradação da floresta são atualmente muito intensas. “O leste da Amazônia não tem mais floresta contínua, tornou-se um mosaico, formado pelos distúrbios na paisagem”, ressaltou.
Suas pesquisas mostram que não há consenso sobre os impactos do uso da terara amazônica. Alguns estudos indicam uma perda marcante de espécies, mas outros não fazem diferença entre as espécies primárias e as secundárias, que crescem depois da devastação. “Mas é claro que a perda de 30% da floresta primária no Pará é devida à manufatura de óleo de palma”, disse Ima.
O Código Florestal vigente, segundo a pesquisadora, não está conservando a biodiversidade na mesma porcentagem da cobertura florestal preservada. Ima alerta para a previsão para 2050: “Mais de 3 milhões de km2 de floresta terão sido perdidos. Teremos meia Amazônia, nesse ritmo.”
Para mudar este cenário, seriam necessárias diversas ações políticas. “A intensificação de atividades rurais deveria ser rigidamente controlada e as medidas políticas deveriam reduzir tanto a perda de habitats quanto a degradação ambiental”, concluiu a cientista.
Pensamento globalizado em relação aos recursos naturais
O ecólogo Kelly Swing é professor titular na Universidad San Francisco de Quito (USFQ), no Equador. Seus interesses de pesquisa envolvem a conservação da biodiversidade e a educação científica voltada para este fim. Atuou como consultor em muitos documentários transmitidos pela BBC Nature, Animal Planet, National Geographic Channel, entre outros.
Na visão de Swing, a ocupação humana no planeta criou um ciclo vicioso. “Usamos os recursos naturais, a população cresce, então precisamos de mais recursos naturais e a população cresce mais ainda, e assim por diante”, observou. Este moto contínuo ameaça a vida na Terra. “A evolução não tem como prever o futuro”, alertou o cientista.
Há grande diferença entre obter o que é necessário para viver e obter aquilo que se deseja. E os humanos que podem se dar ao luxo de desejar não pensam nos outros, que estão no nível da sobrevivência. “A humanidade precisa evoluir deste estágio de exclusão competitiva para um nível de convivência colaborativa”, afirmou.
Os pontos chave, para Swing, envolvem a tomada consciente de decisões, baseada em informação de qualidade. “Isto tem que estar associado a campanhas educacionais para funcionar”, observou. Mas não foi muito otimista. “Esta postura mais evoluída diante da vida tem adversários fortes, como a corrupção e os interesses pessoais”, lamentou o cientista.
Oceano: ambiente rico e heterogêneo
O ecofisiologista francês da Universidade de Strasbourg Yvon Le Maho abordou a heterogeneidade dos ambientes oceânicos, em termos de temperatura, biodiversidade, nutrientes, luminosidade e outros aspectos, e a relação das tartarugas marinhas com estas variações.
“Como as tartarugas se movimentam para reproduzir e se alimentarem, diante desta variabilidade ambiental? Isto é uma das coisas que nós pesquisamos”, explicou Le Maho. Assim, eles acompanham os movimentos de tipos diferentes de tartarugas, que se comportam também de maneiras diferentes. “As tartarugas da Guiana Francesa e do Brasil, por exemplo, passam muito tempo em outros lugares”, observou o pesquisador, destacando que as temperaturas são cruciais para isso.
Seu grupo de pesquisa utiliza novas técnicas que permitem estimativas mais precisas para estes estudos. “Isso é essencial para o planejamento estratégico de conservação das espécies”, pontuou.
Envolvimento das comunidades é básico para conservação
O biólogo Patrik Lavelle é professor emérito da Université Pierre et Marie Curie (Paris 6). Suas principais áreas de pesquisa são a ecologia do solo e restauração de paisagens ecoeficientes em áreas tropicais. Em 2017, ele ganhou o Grande Prêmio da Sociedade Francesa de Ecologia.
O cientista avaliou que já sabemos que o planeta está piorando, em termos de habitabilidade, e que a única coisa que está melhorando é a capacidade dos cientistas de mensurar essas ameaças e seus possíveis resultados. “Mas temos que focar em outra mensagem”, alertou.
Lavelle estuda o que acontece com as áreas de floresta depois do desmatamento. Seu projeto, AMAZ, usa uma abordagem metodológica transdisciplinar que elabora diagnósticos conjuntos de aspectos sociais, econômicos e ambientais. “Para conservar a biodiversidade e garantir a sustentabilidade do sistema é preciso trabalhar em todos estes níveis”, ressaltou.
Ele busca formas diferentes de atingir e envolver as comunidades amazônicas, usando a música e palestras interativas para divulgação da causa amazônica.
Muitas espécies são prejudicadas pelas mudanças no uso da terra. “Cada grupo taxonômico reage de forma diferente. Mas o prejuízo é geral, pois mais de 30% da cobertura de floresta já foram afetados”, afirmou Lavelle.