No mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da lei que em 2012 enfraqueceu o Código Florestal, um editorial publicado no periódico Science Advances alertou que a Floresta Amazônica poderá estar reduzida à metade se o desmatamento nessa grande mata tropical não for contido nos próximos anos.
O editorial “Amazon Tipping Point” afirma também que “a umidade da Amazônia é importante para a precipitação e o bem-estar humano porque contribui para a precipitação do inverno em partes da bacia do Prata, especialmente no sul do Paraguai, no sul do Brasil, no Uruguai e no centro-leste da Argentina”.
O alerta da revista, que integra o grupo editorial da Science, da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), foi confiado a dois pesquisadores que são referências internacionais sobre estudos da Amazônia. Um deles é o biólogo Thomas Lovejoy, da Universidade George Mason (Virgínia, EUA), que já atuou em diversas instituições conservacionistas e também no banco Mundial.
O outro autor do editorial é o climatologista Carlos Afonso Nobre, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ex-secretário nacional de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia.
À Agência Fapesp de Notícias, Lovejoy disse que o sistema amazônico está prestes a atingir um ponto de inflexão. De acordo com ele e Carlos Nobre, desde a década de 1970, quando estudos realizados pelo professor Eneas Salati demonstraram que a Amazônia gera aproximadamente metade de suas próprias chuvas, levantou-se a questão de qual seria o nível de desmatamento a partir do qual o ciclo hidrológico amazônico se degradaria ao ponto de não poder apoiar mais a existência dos ecossistemas da floresta tropical.
Os primeiros modelos elaborados para responder a essa questão mostraram que esse ponto de inflexão seria atingido se o desmatamento da floresta amazônica atingisse 40%. Nesse cenário, as regiões Central, Sul e Leste da Amazônia passariam a registrar menos chuvas e ter estação seca mais longa. Além disso, a vegetação das regiões Sul e Leste poderiam se tornar semelhantes à de savanas.
Nas últimas décadas, outros fatores além do desmatamento começaram a impactar o ciclo hidrológico amazônico, como as mudanças climáticas e o uso indiscriminado do fogo por agropecuaristas durante períodos secos – com o objetivo de eliminar árvores derrubadas e limpar áreas para transformá-las em lavouras ou pastagens.
A combinação desses três fatores indica que o novo ponto de inflexão a partir do qual ecossistemas na Amazônia oriental, Sul e Central podem deixar de ser floresta seria atingido se o desmatamento alcançar entre 20% e 25% da floresta original, ressaltam os pesquisadores.
O cálculo é derivado de um estudo realizado pelo Acadêmico Carlos Nobre e outros pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e da Universidade de Brasília (UnB), publicado em 2016 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
“Apesar de não sabermos o ponto de inflexão exato, estimamos que a Amazônia está muito próxima de atingir esse limite irreversível. A Amazônia já tem 20% de área desmatada, equivalente a 1 milhão de quilômetros quadrados, ainda que 15% dessa área [150 mil km2] esteja em recuperação”, ressaltou Carlos Nobre.
Margem de segurança
Segundo os pesquisadores, as megassecas registradas na Amazônia em 2005, 2010 e entre 2015 e 2016, podem ser os primeiros indícios de que esse ponto de inflexão está próximo de ser atingido.
Esses eventos, juntamente com as inundações severas na região em 2009, 2012 e 2014, sugerem que todo o sistema amazônico está oscilando. “A ação humana potencializa essas perturbações que temos observados no ciclo hidrológico da Amazônia”, disse Nobre.
“Se não tivesse atividade humana na Amazônia, uma megasseca causaria a perda de um determinado número de árvores, que voltariam a crescer em um ano que chove muito e, dessa forma, a floresta atingiria o equilíbrio. Mas quando se tem uma megasseca combinada com o uso generalizado do fogo, a capacidade de regeneração da floresta diminui”, explicou o pesquisador.
A fim de evitar que a Amazônia atinja um limite irreversível, os pesquisadores sugerem a necessidade de não apenar controlar o desmatamento da região, mas também construir uma margem de segurança ao reduzir a área desmatada para menos de 20%.
Para isso, na avaliação de Nobre, será preciso zerar o desmatamento na Amazônia e o Brasil cumprir o compromisso assumido no Acordo Climático de Paris, em 2015, de reflorestar 12 milhões de hectares de áreas desmatadas no país, das quais 50 mil km2 são da Amazônia.
“Se for zerado o desmatamento na Amazônia e o Brasil cumprir seu compromisso de reflorestamento, em 2030 as áreas totalmente desmatadas na Amazônia estariam em torno de 16% a 17%”, calculou Nobre.
“Dessa forma, estaríamos no limite, mas ainda seguro, para que o desmatamento, por si só, não faça com que o bioma atinja um ponto irreversível”, disse
Confira a repercussão na mídia
Folha de S. Paulo: Abismo climático na Amazônia se aproxima, dizem cientistas
O Globo: Floresta amazônica pode virar savana, alerta estudo
Uol Notícias: Desmatamento na Amazônia está próximo de não ter volta, dizem especialistas
Observatório do Clima: Amazônia é vítima de tempestade perfeita
Estadão: Plenário do STF retoma nesta quinta julgamento sobre novo Código Florestal