Acadêmico Marcello Barcinski em debate com membros afiliados após sua palestra

Um tema pertinente para a reunião oficial dos jovens cientistas da ABC – o 3º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que aconteceu de 27 a 29 de julho na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte – foi o da segunda sessão, que abordou, justamente, a independência e autonomia dos pesquisadores em início de carreira. Coordenada pelo médico da Unversidade Federal de Santa Catarina André Báfica e tendo como relatora a farmacologista da Universidade Federal do pará (UFPA) Raquel Montenegro, a sessão contou com três provocadores, que falaram sobre as dificuldades de fazer ciência no Brasil, qualidade e ética na atividade científica e o apoio institucional/governamental a esses jovens.

O biólogo Dario Zamboni (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP), que está no seu último ano como membro afiliado, mostrou os maiores desafios para se fazer ciência no país. Ele afirmou que o início da carreira docente é uma dificuldade, que envolve obter um espaço próprio, recrutar estudantes e conseguir os auxílios. “Geramos descobertas, publicamos artigos, que são usados para conseguir financiamento e esse ciclo se mantém.”

Avaliação que atrapalha a produção

Zamboni apontou que grandes estudantes são influenciados pelas descobertas, e os auxílios advêm, principalmente, da Capes, CNPq e fundações de amparo à pesquisa. São essas agências, portanto, que determinam as regras, ranqueiam e redistribuem as bolsas e auxílios, o que acaba influenciando no trabalho dos pesquisadores. O provocador afirmou que existe a pressão para publicação, externa ou interna, e que ela é proporcional à qualidade da ciência feita em laboratório.

“Se a pressão for grande e focada em uma análise numerológica, vamos ter que produzir muito e a qualidade vai ser afetada”, afirmou Zamboni. Ele mostrou que nosso impacto de publicação é 0,6 desde 1980, sem melhoras. “Então aumentamos o número, mas não melhoramos o impacto.” Por isso mesmo, uma reportagem da revista Nature afirmou que o gasto brasileiro com ciência é muito pouco eficiente, por meio de um ranking em que o Brasil ficou em 50º lugar – o Chile ficou em 9º e a Argentina, em 13º.

“A imprensa daqui noticia isso de forma pejorativa. Os leitores, lendo matérias e artigos assim, ficam horrorizados vendo que estamos gastando tanto dinheiro para fazer o que estamos fazendo, interpretado por alguns como se estivéssemos produzindo mais lixo acadêmico do que conhecimento”, criticou o membro afiliado.

O que dita a qualidade da ciência feita no Brasil é verba/infraestrutura, tempo de bolsa, dificuldade de importação, que leva muitos grupos a repetirem processos na pesquisa, tempo do docente (muito consumido na universidade) e a cobrança das agências de fomento. Esses são pontos frequentemente citados como motivos de por que os cientistas não focam em uma pesquisa de qualidade.

Diante desse quadro, Zamboni fez algumas propostas. Entre elas, avaliação da qualidade da produção dos docentes baseada não em número de papers, mas identificando se o artigo fez diferença na área. Além disso, evitar qualquer direcionamento e regras que possam prejudicar a construção de trabalhos sólidos e completos, como a exigência de ter dois artigos publicados para defender a dissertação de mestrado. “Assim, o pesquisador é forçado a fragmentar.”

Assistindo à apresentação, o presidente da ABC, Luiz Davidovich comentou que é importante criar um mecanismo de remoção de docentes que não produzem, mas que, pela estabilidade e dificuldade de exoneração nesses casos, permanecem na universidade.

Veja a apresentação.

Ética na ciência: mais complexo do que parece

O biólogo João Batista Calixto (Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC), vice-presidente da ABC para a Região Sul, foi o provocador convidado para abordar o subtema “Ciência com qualidade e ética”. Ele iniciou sua fala afirmando que é preciso diferenciar um cientista de vocação de um cientista carreirista. “Talvez apenas 5% ou 10% tenham a característica de fazer ciência porque é o prazer de sua vida. Não são muitos e acho que, quando a ABC seleciona seus membros, de certa maneira ela está dizendo isso para as pessoas.”

Para Calixto, a principal característica da ciência é a verdade. “Isso é o processo de formação. O que define o cientista é o caráter, pois o que não tem caráter foge da verdade; diz que não dá para trabalhar porque não tem recursos, porque é difícil. Procuram um atalho, mas não há atalho.” Ele afirmou que o jovem pesquisador está sendo prejudicado pela influência do carreirismo, destacando que o cientista que quer fazer um trabalho consistente, que pode fazer a diferença, é cada vez mais raro.

“A questão da ética não se resume à fraude porque, nesses casos, demite-se”, explicou o biólogo. “Mas qual é o critério, por exemplo, de escolha dos autores de um trabalho? Virou moeda de troca, o que é muito difícil de corrigir.” Calixto citou o recém-falecido Acadêmico Sergio Ferreira ao dizer que “o dia em que seu currículo for maior que você, pare o que está fazendo, porque o seu número de artigos não representa o que você faz”.

Para o provocador, esse é o caminho para a ciência perder o apoio da sociedade. “O aluno está vendo todo dia essa busca por mais”, afirmou. “O que levou a esse problema foi que os trabalhos de hoje não são reprodutíveis. Há a pressão por publicação, por se tornar permanente na universidade. Essa explosão de revistas novas e de publicações gera uma coisa insustentável no mundo inteiro. O sistema perdeu o controle. A ciência não reproduz não porque foi feita errada, é que alguma coisa não bate.” Calixto criticou, ainda, o fato de não haver revistas para se publicar resultados negativos, o que pouparia erros e gastos desnecessários.

Responsabilidade social dos jovens cientistas

O médico Marcello Barcinski (Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz), também membro titular da ABC, observou que o apoio institucional e governamental aos jovens no estabelecimento da carreira científica devem ser uma forma de dar a esses pesquisadores a chance de manifestar toda a sua competência, criatividade e capacidade em fazer boa ciência. “Os jovens cientistas são uma forma de rejuvenescer a academia. Por isso, são dadas a vocês tarefas para que se integrem e gerem colaborações e multidisciplinaridade.”

Barcinski ressaltou que há dificuldades inerentes no sistema para permitir que os jovens desenvolvam todo o seu potencial, mas há boas iniciativas, como o auxílio Jovens Pesquisadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que oferece um apoio de até quatro anos.

O Acadêmico lembrou, ainda, que os cientistas – tanto os jovens quanto os seniores – têm uma responsabilidade social que é fruto do fato de que sua formação foi quase integralmente patrocinada por dinheiro público, ou seja, a sociedade pagou. “Por isso mesmo, a ciência básica tem que ser preservada. A ciência tem um valor inquestionável e o cientista tem que ser avaliado, apesar da falta de competência na avaliação dos diferentes programas.”

Veja a apresentação.

As principais propostas

Em seguida, reuniram-se grupos de trabalho para discutir cada um dos três temas e estabelecer os principais pontos observados, resumindo as demandas e propostas mais importantes. O objetivo final é produzir um relatório com esses pontos estabelecidos após cada uma das três sessões do Encontro Nacional, a ser entregue para as autoridades e divulgado para a mídia. No caso da sessão 2, as propostas definidas foram:

Dificuldades de fazer ciência no Brasil:
1- Melhorar o sistema de avaliação: dar mais ênfase a qualidade de projetos do que ao pesquisador, aumentar a transparência, premiar bons pareceristas ad hocs, aumentar Comitês de Assessoramento (CAs) do CNPq e outras agências, simplificar projetos e melhorar avaliação de relatórios.
2- Profissionalização do cientista/pesquisador, para melhorar tempo de dedicação à pesquisa: associação do pesquisador docente ao MCTI por meio do MEC.
3- Diminuir a burocracia e melhorar a captação de recursos, especialmente de outras fontes, com flexibilização.
4- Planejamento de contratações e avaliação de docentes, assim como valorização do pesquisador.

Qualidade e ética na ciência:
1- Mudança no sistema para favorecer financiamento de projetos de risco para que haja mudança de patamar das publicações (melhoria de infraestrutura, planejamento de experimentos).
2- Exigir mudanças nos critérios de avaliação de pesquisadores e projetos – usar modelos existentes, para não ter que inventar critérios. Melhorar a qualidade da avaliação ad hoc. Julgar projetos e fazer acompanhamento. Workshops sobre avaliação ad hoc, cursos online com critérios, para melhorar avaliação.
3- Critério de autoria para trabalhos científicos: ética. Implementação de regras: contribuição de cada autor no paper. Criar disciplinas sobre ética na ciência.

Apoio institucional/governamental a jovens pesquisadores em início de carreira:
1- Apoio de editais pelas FAPs para jovens doutores.
2- Infraestrutura administrativa, incluindo prestação de contas de projetos / importação / exportação.
3- Acompanhamento / avaliação / apoio / tutoriado – “professor a demanda”.
4- Acoplar bolsas de iniciação científica para novos professores.
5- Propor um maior envolvimento da ABC para incentivar avaliação dos programas que promovem a inserção dos jovens.