Longe da vida agitada das grandes cidades, a infância da pesquisadora Gislaine Zilli Réus, uma das ganhadoras do prêmio ABC-LOréal-Unesco para Mulheres na Ciência 2012, foi tranquila e divertida. Nascida em Jaguaruna, em Santa Catarina, ela morou em Arroio da Cruz, no interior do estado, até os 12 anos de idade com os pais e o irmão sete anos mais velho. As brincadeiras típicas não envolviam games, computadores, nem eletrônicos, mas sim finais de semana repletos de diversão em grupo. “Adorava brincar embaixo de árvores, comendo frutas do pé – hábito que cultivo até hoje -, de pega-pega, vôlei, escolinha, entre muitas outras coisas”, recorda.

Os pais trabalhavam na agricultura e sempre a incentivaram a estudar, em especial a mãe, que a ensinou a ler. Gislaine costumava chegar do colégio e fazer os deveres da escola antes mesmo de almoçar. “Minha mãe até brigava comigo, o que era engraçado, porque na maioria das famílias os pais brigam para os filhos estudarem”, compara. Ela cresceu dando valor aos estudos e conta que da 1ª à 4ª série frequentava uma escola muito simples, onde uma única professora ensinava as quatro séries e ainda atuava como merendeira e faxineira. “Penso nisso e acho incrível. Sempre estudei em escola pública até entrar na universidade, onde recebi bolsa como aluna de iniciação científica. Desde os 16 anos já conciliava estudo com trabalho, como o de babá, secretária e, posteriormente, o de bolsista”.

Suas disciplinas favoritas eram a biologia e as artes, mas ao final do ensino médio tinha certeza que queria seguir na biologia. Segundo ela, todas as pessoas que tinham uma carreira a inspiravam para que pudesse lutar por seu objetivo. “O meu interesse envolvia a natureza, o corpo humano e a vontade de descobrir algo importante que ajudasse de alguma forma a humanidade”. Decidiu cursar Ciências Biológicas pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc). Na época, Gislaine ainda não tinha muita noção do que poderia fazer; pensava em descobrir algum princípio ativo de uma planta importante. “Quando entrei, procurei um laboratório ao qual eu pudesse me vincular e fui avisada de uma vaga no setor de neurociência. Achei tudo tão incrível que comecei a trabalhar ajudando nos experimentos de alunos de mestrado e doutorado”.

A iniciação científica em neurociência foi seguida por outra, realizada no Laboratório de Resíduos Sólidos. Mas a jovem já tinha se apaixonado pela área com que se envolveu de início, onde permanece até hoje. “Todos os meus professores me incentivaram muito. Mas o maior deles, para mim, foi o Professor João Luciano de Quevedo, quem me orientou durante a iniciação e no doutorado”, relata. Quevedo, de acordo com ela, sempre a apoiou, dando liberdade para que investigasse algo novo, escrevesse projetos e artigos e praticasse desenhos experimentais. “Além disso, ele deposita em seus alunos uma confiança que faz com que todos cresçam enormemente como pesquisadores”.

Atualmente, Gislaine é bolsista de Pós-Doutorado na Unesc, atuando na área de neurociência, com ênfase em neuropsicofarmacologia, comportamento e modelos animais de depressão e de diabetes. Nas palavras de Gislaine, depressão e ansiedade são transtornos psiquiátricos que afetam de 10 a 15% da população mundial. Como consequência, apresentam alta taxa de morbidade, mortalidade e repercussões econômicas significativas, além de estarem associadas a outras doenças, como as cardiovasculares e diabetes. “No entanto, ainda não se sabe quais as causas exatas de como essas doenças ocorrem. Pensando nisso, procuro entender melhor a neurobiologia desses transtornos, a fim de encontrar tratamentos mais eficazes”.

A seu ver, a possibilidade de descobrir o novo é o que mais a motiva dentro da área. A neurociência, especialmente, reforça essa visão, pois, afinal, o cérebro ainda é um mistério. “Muitas vezes o que se procura não é encontrado e, por isso, um pesquisador deve ser extremamente persistente, desenvolver a noção que virão mais erros do que acertos”, expõe.

Gislaine avalia que o início da profissão é um momento de muitos experimentos, onde a vida de estudo e intensa pesquisa requer a capacidade de doar-se ao trabalho. “Já precisei ir ao laboratório nos finais de semana, escrever projetos e artigos durante a noite. Ainda assim, é possível conciliar a ciência com a vida familiar, social e ainda ter tempo para cuidar da saúde”.

Para ela, a premiação conquistada tem um valor especial por incentivar a participação das mulheres no meio científico. “Hoje em dia, observamos cada vez mais a figura feminina em congressos e laboratórios, eventualmente ultrapassando o número de homens”, constata. A pesquisadora pretende utilizar os recursos em seus projetos de pesquisa, de forma a dar continuidade ao sonho de firmar sua brilhante trajetória profissional.