Leia a crônica enviada às Notícias da ABC pelo Acadêmico Sérgio Mascarenhas de Oliveira, físico fundador da Embrapa Instrumentação e Agronegócio, em São Carlos e coordenador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), também em São Carlos:

“O mecanismo do processo inovativo tem uma estrutura que está ligada à dinâmica do funcionamento da própria inovação. É o que procuraremos discutir nesta crônica.

Em primeiro lugar, chamamos atenção para a conceituação que todos os sistemas, por mais complexos que sejam, terão sempre duas grandes sub-estruturas: sua anatomia e sua fisiologia. Usando o conceito de que todos os processos podem sempre ser bio-modelados, essa divisão é óbvia.

Chegando a essa rota conceitual, é obrigatória a introdução da evolução como um processo vinculado necessariamente ao modelo epistemológico a ser introduzido para discussão da inovação até aqui. O cenário nos parece bem construído, mas surgem de imediato as questões mais duras e difíceis: como fazer essa análise tanto da anatomia como da fisiologia da inovação? Minha proposta: a própria anatomia requer e induz a uma fisiologia! Parece uma resposta tautológica? Mostrarei que não, de uma maneira muito simples: usando uma metáfora linguística. A estrutura compõe-se de 4 letras iguais, conotando ao mesmo tempo a anatomia e a fisiologia. Tomo quatro letras I maiúsculas, indicativas dos seguintes processos: I de invenção; I de imitação; I de interdisciplinaridade e I de imperfeição.

Essa estrutura (anatomia) contem interações que são a própria fisiologia subjacente ao processo global da inovação! E contém também, forçosamente, a natureza evolutiva da inovação. Invenção é o primeiro salto para o universo inovativo. Pensem num feto humano, por exemplo. Constituído o embrião, ele se reinventa continuamente, apesar de altamente vinculado pela sua genômica; esta, também através de interações com o ambiente externo, recebe continuamente estresses evolutivos e, assim, cria-se um sinergismo evolutivo.

Imitação é fundamental como uma fonte de conhecimentos e informações muito econômicas, sob o ponto de vista de gasto energético, isto é, da termodinâmica do processo de aprendizagem e aquisição de conhecimentos que o alimentam. Todos nós sabemos da sociologia a tremenda importância da imitação no processo evolutivo. Mas as várias fontes disponíveis de informação e conhecimentos exigem que a diversidade dessas mesmas fontes ocasionem vantagens comparativas entre os processos evolutivos: quanto mais ricas as disciplinas, áreas, fontes de conhecimento, sua interdisciplinaridade, maior será tanto a taxa como a quantidade e, mesmo, a qualidade da inovação!

Chegamos agora ao que considero o componente mais importante dos Is: o que está ligado à imperfeição. É esse fundamental elemento que introduz a complexidade nos sistemas inovativos! Suas bifurcações conduzem a processos de enorme não-linearidade, através das incertezas inerentes à sua própria natureza intrínseca; isso leva à complexidade, conceito fundamental que afeta tanto a anatomia como a fisiologia, obrigando-as a varrer o espaço das fases das suas configurações em um riquíssimo processo espaço-temporal. As inovações funcionam como atratores caóticos, das quais o próprio sistema pode gerar novas inovações!

A perfeição é estagnante, mas a imperfeição gera novas trajetórias continuamente. O mundo das incertezas é o mais rico e inovativo dos disponíveis para qualquer sistema, seja um grupo social, uma estrutura econômico-financeira ou qualquer outro sistema material. Faço então uma paráfrase à Descartes: ERRO, logo, existo!”