Um dia antes de receber GALILEU em seu laboratório na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a pesquisadora Helena Nader foi a Brasília participar de um encontro de cientistas com o presidente interino Michel Temer. “Falei para ele que, enquanto o Brasil continuar acreditando que recursos destinados a ciência e tecnologia são gastos, e não investimentos, vamos só andar para trás”, conta Nader, que ocupa o cargo de presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) desde 2011.
A entidade foi criada há quase 70 anos para incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Com frequência, seus representantes precisam correr atrás de políticos para buscar investimentos para o setor – uma missão quase impossível em tempos de crise: “O orçamento do MCTI [Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação] era de R$ 9,4 bilhões em 2013, e agora é de R$ 3,5 bilhões. E querem cortar mais. É trágico”, diz Nader.
Ela chegou a entregar o cargo durante a reunião anual da SBPC no início de julho de 2016 depois de se ver no centro de uma polêmica política. A confusão começou quando o professor de química da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Antonio Carlos Pavão, pegou o microfone e reclamou da postura da pesquisadora: “Fora Temer e seu bando! Estou ouvindo coisas que eu não gostaria de ouvir da SBPC. A SBPC está em cima do muro. Negociou com golpistas, fez reunião com golpistas”.
Em seguida, alguém que assistia ao discurso da plateia gritou “pelega”. “Foi pior do que se me chamassem de vagabunda. Meu marido foi preso durante a ditadura, foi torturado, teve de sair do país. As pessoas não conhecem minha história, não podem ser levianas”, diz ela, ainda irritada quase um mês após o episódio.
No final, Nader resolveu permanecer no posto a pedido do conselho da entidade. Mas a polêmica não parou por aí: o jornal Folha de S.Paulo publicou que ela só se dediciu a continuar depois de receber uma ligação de Michel Temer. Nader ficou furiosa: “Escrevi para lá imediatamente dizendo que era calúnia, que não houve ligação nenhuma”. O jornal se justificou dizendo que a informação fora dada pela assessoria do próprio Palácio do Planalto e que, depois de passar a nota, Temer desistiu de fazer a ligação.
Pergunto se o assunto foi mencionado durante a reunião em Brasília. Ela sorri: “Não, a reunião era sobre coisas muito maiores e mais importantes do que uma fofoca”. Coisas mais importantes como a fusão do MCTI com o Ministério das Comunicações e os cortes nos programas da pasta, temas abordados na entrevista a seguir.

Entre a presidência e a vice-presidência, a senhora está à frente da SBPC há quase dez anos. Este é o momento mais difícil para a ciência brasileira nesse período?
Com certeza. Esse último ano foi muito difícil. É até deprimente, sabe? Eu não queria de jeito nenhum esse terceiro mandato. Trabalhei muito e deixei a SBPC ativa no Congresso Nacional, lutei por leis e até conseguimos várias vitórias. O meu papel é defender a educação, a ciência, a tecnologia e a inovação porque, sem isso, não tem futuro. Inclusive, na reunião que tivemos com o presidente Michel Temer, eu disse exatamente isso: enquanto o Brasil continuar acreditando que recursos em educação e ciência são gastos, e não investimentos, vamos andar para trás. O orçamento do MCTI era de R$ 9,4 bilhões em 2013, e agora é de R$ 3,5 bilhões. E querem cortar mais. É trágico.
Como é esse trabalho no Congresso?
Muito interessante. A gente tem uma visão meio folclórica do Congresso, mas a minha convivência com as pessoas e os assessores é muito boa, são pessoas altamente qualificadas. Conhecem o assunto, debatem – talvez eu esteja sempre conversando só com algumas poucas pessoas excepcionais, mas aprendi muito a dialogar e mostrar pontos de vista. Algumas coisas nós ganhamos, outras perdemos, mas nunca jogamos a toalha.
Não jogaram a toalha em que sentido?
Por exemplo, no dia 11 de janeiro, uma segunda-feira, eu estava presente na mesa em que foi sancionado o Marco Legal da Ciência e Tecnologia [que permite, entre outras coisas, que laboratórios de universidades sejam usados pela indústria e que professores com dedicação exclusiva possam fazer pesquisas em empresas]. A presidente Dilma fez um discurso empolgadíssimo sobre a ciência e nenhum veto ao Marco foi mencionado. Na terça-feira à noite, vimos que existiam oito vetos. Tenho certeza – e não tenho procuração para defender Dilma, mas vou fazer isso mesmo assim – que, pelo discurso que fez, ela não sabia desses vetos.
E quem foi o responsável então?
O pessoal dos ministérios do Planejamento e da Fazenda. Eles olharam apenas para o curtíssimo prazo e acharam que os empresários seriam desonestos e usariam as bolsas como artimanha para não pagar direitos trabalhistas. Eu fiquei arrasada, mas não parei. Fomos atrás de senadores e deputados – nas duas casas há projetos de lei incorporando o conteúdo dos oito vetos à legislação.
Por que o Marco Legal da Ciência e Tecnologia é tão importante?
O Marco pega leis já existentes e reúne todas elas em um lugar só para deixar tudo mais claro. Hoje, por exemplo, existe o Regime Diferenciado de Contratações [dispositivo que acelera o processo de licitações] para as universidades, mas elas não conseguem usar porque a interpretação é confusa. É preciso deixar isso mais claro: ou pode ou não pode. Se conseguirmos incorporar o conteúdo dos vetos de volta, o Brasil andará para a frente.
A senhora chegou a falar com a presidente depois desses vetos?
Não. Gosto muito dela, admiro-a como pessoa, embora tenha pouco contato. Acho que faltou um pouco de diálogo, mas… O discurso dela no Marco foi um discurso progressista de parceria entre o público e o privado, uma coisa olhando para a frente. Não tenho como garantir que foram os ministérios do Planejamento e da Fazenda que fizeram os cortes, mas todos os argumentos apresentados eram econômicos, então eu diria que existe uma grande chance de ter sido isso que aconteceu.
A senhora descreveu o discurso de Dilma na área da ciência como progressista. E o discurso de Temer, qual é?
O discurso dele me pareceu também o discurso do desenvolvimento, do país para a frente. Tanto que, quando nós falamos dos vetos, ele disse que já havia feito uma medida provisória, mas que a Fazenda tinha pedido para dar uma olhada. Você está vendo quem manda no Brasil? É impressionante. Isso é uma coisa que me aflige bastante. Às vezes, tenho a sensação de que os economistas são extraterrestres. A economia chinesa desacelerou, e por isso mesmo aumentou em mais de 9% o orçamento para pesquisa básica e se comprometeu a destinar 2,5% do PIB para tecnologia e inovação até 2020. A Suécia investe 3% do PIB, a Coreia, 4%. Então esses ETs que dominam a Fazenda e o Planejamento olham só o imediato e não percebem o que o resto do mundo já percebeu: que, para sair da crise, é preciso investir em ciência e tecnologia.
Fez alguma diferença na prática a fusão do Ministér
io da Ciência, Tecnologia e Inovação com o das Comunicações?
Fez no sentido de perder identidade. Fui muito criticada por conversar com o ministro Gilberto Kassab, mas o Brasil já tem meses de governo interino, e preciso dialogar em nome da ciência. Se não dialogarmos, não vamos conseguir pagar as contas. Continuo dizendo que quero o Ministério de volta, mas quero de volta também o orçamento. Existe uma crise financeira grande – que não começou agora, é bom deixar claro – que precisa ser resolvida, mas não pode ser às custas de educação e ciência, que são o motor do país.

E quando você pediu o Ministério de volta, eles disseram o quê?
[Risos] Não tem o que dizer. Vamos continuar lutando, eu vou continuar.