No limiar do século passado havia quem acreditasse que a virada do milênio traria um mundo novo. É verdade que trouxe, no entanto novo não é necessariamente melhor. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o planeta possui 7 bilhões de pessoas: 6 bilhões possuem telefones celulares, 2,5 bilhões não possuem saneamento básico onde vivem. Ainda que esses números não sejam absolutos ou não expressem uma relação entre si, eles revelam que há muito a ser feito em prol do desenvolvimento global.

Por essa razão, a comunidade científica internacional está buscando meios de empregar o seu conhecimento na formulação de uma agenda de desenvolvimento supranacional, de modo que a ciência faça parte da construção de sociedades equânimes, que assegurem a qualidade de vida das populações sem exaurir os recursos naturais necessários para as futuras gerações.

O presidente da Academia de Ciências da Hungria e do Fórum Mundial de Ciência (WSF, na sigla em inglês) József Pálinkás é um desses cientistas que querem mudar o curso atual do desenvolvimento. Na entrevista a seguir, ele, que é físico e já foi ministro da Educação da Hungria, explicou os motivos para a criação do Fórum, como os cientistas podem influenciar a tomada de decisões políticas e econômicas dos países através dele, e a importância da edição brasileira do evento. E, a seu ver, o Fórum Mundial de Ciência aborda questões mais amplas do que o Fórum Mundial Econômico e tem medidas mais concretas do que a RIO+20.

NABC – O que motivou a Academia de Ciências da Hungria organizar o Fórum Mundial da Ciência?

József PálinkásNossa principal motivação era criar um evento no qual cientistas, pessoas envolvidas com política científica e políticos em geral pudessem se reunir para debater como a ciência pode ajudar a tomada de decisões políticas e econômicas. Não é um processo fácil, pois, algumas vezes, os políticos pensam que não precisam se informar com os cientistas a respeito dessas questões, enquanto, em outras vezes, os cientistas fazem o seu trabalho sem considerar que neles existem questões relevantes e de interesse dos políticos, tomadores de decisão ou da sociedade de uma forma mais pragmática.

– E como esse fórum se insere entre outros fóruns mundiais existentes, tal como o Fórum Econômico Mundial, no qual empresários e políticos também discutem graves questões globais?

Eu creio que o Fórum Econômico Mundial, que acontece em Davos, tenha um escopo reduzido. O Fórum de Davos lida apenas com questões econômicas de curto prazo, enquanto o Fórum Mundial de Ciência lida com questões de longo prazo, inclusive as questões econômicas. Afinal, a economia é muito importante.

É claro que nós temos que produzir tudo o que necessitamos para viver – desde alimentos até veículos, passando por computadores e tudo mais -, no entanto precisamos nos perguntar até que ponto este tipo de desenvolvimento é sustentável. Em minha opinião, manter o pensamento de que o crescimento material durará para sempre não é apenas equivocado, é destrutivo. Nós temos que pensar no futuro – muito mais distante do que dois ou três anos apenas – para descobrirmos qual a solução para os problemas no futuro, sendo que, na realidade, muitos deles já são problemas atuais.

Porém, existem fóruns semelhantes ao Fórum Mundial de Ciência, como por exemplo o Fórum Ciência, Tecnologia e Sociedade, que ocorre no Japão, ou o Fórum Aberto Europeu para a Ciência, realizado na Europa. Nesses casos, nosso interesse é canalizar toda a informação produzida e agregá-las aos debates do WSF.

– Em sua sexta edição, o Fórum Mundial de Ciência completa uma década de existência. O que é feito para que os seus debates sejam levados aos políticos e a sociedade?

Uma declaração é produzida a cada edição do Fórum. Elas são simples e muito bem formuladas para que possam ser facilmente compreendidas, ou seja, não são como um curso universitário, que explica o conteúdo detalhe por detalhe. O objetivo dessas declarações é divulgar a mensagem principal que os participantes do fórum desejam transmitir.

O desafio é fazer com que essas mensagens atinjam cada vez mais os políticos e a sociedade, de modo a influenciarem os seus comportamentos. Pode ser que seja um longo processo, mas se olharmos para dez, vinte anos à frente, nós poderemos redesenhar o curso dos acontecimentos futuros e provocar mudanças expressivas.

O Fórum dá munição aos políticos envolvidos com as questões que tratamos para argumentarem nos espaços de ação e esclarece aqueles que não conhecem a importância e urgência delas. Além disso, através da mídia, as proposições dos cientistas também são transmitidas para a sociedade. E se o público compreender a importância do desenvolvimento sustentável poderá ser muito mais fácil para os políticos explicarem por que eles precisam agir agora. Ainda há muita gente que pensa: temos tudo, temos comida, temos água, temos eletricidade, então por que se preocupar?. Apesar disso, cresce a quantidade de políticos e a parcela da população que reconhece a importância da conservação de águas limpas ou a preservação do solo, por exemplo. E o que o Fórum pretende é comunicar conhecimento científico. Toda mudança de postura representa uma grande mudança. Afinal, as questões relacionadas ao planeta não foram sequer mencionadas por séculos.

– Essa é a primeira vez que o Fórum Mundial de Ciência ocorre fora da Hungria. Em sua opinião, isso exerceu alguma influência nos debates? Quais eram as expectativas quando o Brasil, um país em desenvolvimento, foi escolhido?

Essa decisão ocorreu há quatro anos e o principal motivo foi que queríamos uma nova perspectiva para as questões abordadas. Pensamos que as questões mais urgentes no Brasil provavelmente sejam diferentes das da Hungria. Então, se existirem sugestões e soluções a partir desse novo ângulo ou sobre novas questões, a abrangência do evento se torna maior. Se quisermos que as mensagens do Fórum alcancem muitos países, então não é suficiente enviá-las apenas da Hungria.

Além disso, mesmo que uma comunidade muito distinta de cientistas interaja na Hungria, o resultado desses debates não serão necessariamente ouvidos no Brasil ou em outros lugares importantes. No entanto, ao reunirmos cientistas de todo o mundo no Brasil, é bem provável que as mensagens sejam ouvidas na Argentina, Chile, Uruguai e em outros países que mantêm relações com o Brasil, como os outros BRICS [bloco de países emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], que são muito importantes no cenário internacional e que estão fazendo grandes investimentos na área da ciência.

– A edição brasileira do Fórum Mundial de Ciência teve um tema semelhante ao da RIO+20, com a diferença de congregar principalmente cientistas. É possível compará-los?

Os dois eventos possuem temas semelhantes, mas eles são conduzidos de maneira completamente diferentes. A meu ver, a Rio +20 foi uma conferência na qual as lideranças dos países vieram e leram os seus discursos previamente preparados, mas não refletiram verdadeiramente sobre o que disseram uns aos outros. Isso ocorre pelo fato dos países se encontrarem em diferentes estágios de desenvolvimento e também por possuírem ideias diferentes sobre o desenvolvimento em si.

No Fórum Mundial de Ciência, os cientistas veem as questões de uma maneira semelhante. Claro, há diferenças entre a ciência nos EUA, China ou Uganda, mas as opiniões dos cien
tistas, os seus conhecimentos, atitudes e os interesses estão muito mais próximos do que as opiniões, conhecimentos, atitudes e interesses dos chefes de Estado e primeiros-ministros desses países.

Neste sentido, creio que essa edição do Fórum tenha resultados mais concretos do que a Rio +20, embora pessoas muito influentes tenham participado do evento. No WSF, os cientistas podem falar com mais força, de forma mais franca e com interesses globais, enquanto os políticos, quando estão em uma conferência como a RIO+20, precisam agir de acordo com o interesse dos seus países.

– E falando de forma mais franca e simples, como o senhor mencionou anteriormente, a importância da ciência no século 21 é…

Hoje em dia, a ciência desempenha um papel tão importante nos países desenvolvidos quanto nos locais onde as pessoas vivem em ambiente natural. Eu sempre uso este exemplo: imagine uma cidade grande – ou enorme como o Rio de Janeiro, afinal Budapeste é uma cidade grande, mas não tem as dimensões do Rio. Se não houver energia por duas semanas em uma cidade como essa, milhões de pessoas morrerão. Logo, dependemos enormemente da tecnologia ambiental, ou seja, da aplicação da ciência para a proteção e conservação da natureza e da forma de utilizar os seus recursos, trabalho de engenheiros e cientistas. A ciência tornou-se parte da nossa vida diária. Sem o desenvolvimento permanente da ciência, a humanidade não pode manter o atual nível de desenvolvimento. Se não investirmos na ciência, se não pesquisarmos e não qualificarmos as pessoas, não haverá nenhuma maneira da humanidade se desenvolver. A ciência é parte integrante da nossa vida, assim como a água, ar ou solo. Nós morreremos se a água acabar, mas, em longo prazo, também morreremos se não houver novas respostas científicas ajudando as pessoas a se manterem vivas.


Fórum Mundial de Ciência

Organizado pela Academia de Ciências da Hungria (HAS), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e o Conselho Internacional de Ciência (ICSU), desde 2003 já foram realizadas cinco edições do Fórum Mundial de Ciência, todas em Budapeste, capital da Hungria, reunindo centenas de cientistas proeminentes, lideranças políticas e representantes de diversos setores da sociedade civil internacional a cada dois anos.

Em 2013, a sexta edição do Fórum Mundial de Ciência ocorreu entre 24 e 27 de novembro, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, pela primeira vez fora da Hungria. O tema Ciência para o desenvolvimento sustentável global foi escolhido para que as questões ambientais, sociais e econômicas da sustentabilidade global sejam debatidas a partir de uma perspectiva científica. Para a realização dessa edição, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), que é a anfitriã do evento, a Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS), a Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS) e o Conselho Consultivo de Ciência de Academias Europeias (EASAC) se uniram a UNESCO, ICSU e HAS.