0Leia matéria de Salvador Nogueira para a Folha de SP, publicada em 15 de abril, 


Serge Haroche, 79

Doutorado em física pela Universidade de Paris VI, Haroche foi laureado com o Prêmio Nobel em Física de 2012, por seu trabalho com a medição e manipulação de sistemas quânticos individuais. Professor do Collège de France desde 2001, foi seu diretor entre 2012 e 2015. [É membro correspondente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e está no  Brasil para participar dos Diálogos Nobel Brasil 2024 , organizados pela ABC em parceria com a Nobel Outreach Foundation, no Rio (15/4) e em SP (17/4).]


Sua pesquisa abriu caminho para transformar a mecânica quântica em uma teoria contraintuitiva que explica o mundo do muito pequeno em potenciais aplicações práticas do dia a dia. Mas Serge Haroche alerta: ainda há mais hype do que realidade no desenvolvimento de um computador quântico de uso geral, algo que vem sendo propagado por gigantes da tecnologia.

Vencedor do Prêmio Nobel em Física de 2012, o pesquisador francês (nascido no Marrocos na época em que era uma colônia francesa), hoje com 79 anos, vem ao Brasil numa parceria entre a Academia Brasileira de Ciências e a Nobel Prize Outreach, para conversar com estudantes no Rio de Janeiro —na UERJ, nesta segunda (15), e em São Paulo —na USP, na quarta-feira (17).

A proposta de um computador quântico tem um quê de revolucionário e pode, caso seja concretizada, realizar cálculos impossíveis por máquinas tradicionais. Enquanto hoje todos os computadores são baseados em bits, que só podem codificar 0 ou 1, futuras máquinas quânticas poderiam usar as peculiares propriedades das partículas elementares para processar informação. Pelas leis da mecânica quântica, elas podem codificar vários estados ao mesmo tempo (os chamados qubits, ou quantum bits), em tese viabilizando aplicações inviáveis por outros meios.

“É o aparelho que faz todas as pessoas sonharem, parece ser um tipo de Santo Graal para o público. Mas acho que ainda estamos muito longe”, diz o pesquisador. “É bom que grandes empresas, que têm muito dinheiro para gastar, como Google e Microsoft, façam isso, mas sem supervalorizar muito o que estão fazendo – o que acho que é um pouco o caso. No momento é mais um jogo de relações públicas do que de ciência real, na minha opinião.”

Quando realizou seus primeiros trabalhos demonstrando a viabilidade de aprisionar fótons (partículas de luz) individuais e medir sua interação com átomos, nos anos 1970, ele estava apenas tentando confirmar estranhas predições da mecânica quântica. “Nós nem sabíamos que havia a possibilidade de fazer ciência da informação quântica. Na verdade, aprendemos sobre isso uns dez anos depois de começarmos”, conta.

Quando realizou seus primeiros trabalhos demonstrando a viabilidade de aprisionar fótons (partículas de luz) individuais e medir sua interação com átomos, nos anos 1970, ele estava apenas tentando confirmar estranhas predições da mecânica quântica. “Nós nem sabíamos que havia a possibilidade de fazer ciência da informação quântica. Na verdade, aprendemos sobre isso uns dez anos depois de começarmos”, conta.

Hoje, diversas tecnologias, desde instrumentos para medição de alta precisão até os computadores quânticos, passando por relógios mais precisos que os atuais atômicos, estão em franco desenvolvimento –e algumas já se aproximam da maturidade.

Antes de vir ao Brasil, Haroche conversou por videoconferência com a Folha e contou o que mais o empolga, no mundo quântico e em outras áreas da ciência. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

(…)

Falamos um pouco sobre hype e gostaria de ir um pouco mais longe, porque não sei se isso acontece na Europa, mas aqui no Brasil é muito comum ver pessoas usando o mundo quântico como algo para promover coisas como medicina quântica, educação quântica, psicologia quântica… Isso o preocupa?

É ridículo. Eu estou preocupado com todas as coisas que são ataques à ciência. Um tipo de ataque à ciência é, claro, teorias de conspiração, notícias falsas, esse é um aspecto. E o outro aspecto é esse tipo de coisa que você menciona, charlatanismo. Porque há algo “misterioso” sobre a física quântica, há algumas pessoas que acreditam que a física quântica explica tudo, como transmitir pensamentos entre pessoas, curar câncer, todo tipo de coisa que é ridícula e que não tem nada a ver com isso.

(…)

Para encerrar, gostaria de perguntar o que, em tudo que se fala sobre ciência, o empolga mais neste momento?

É difícil dizer. Eu acho que há algo que está me intrigando, e algo que está me empolgando. Eu fico intrigado, é claro, como todos os cientistas, com esse problema sobre o que é energia escura, o que causa a aceleração da expansão do Universo. O que sabemos, realmente, em cosmologia, que ainda é uma grande caixa-preta, por enquanto. Há muitas observações, há teorias que, mais ou menos, explicam as observações, mas ainda não temos um tipo de modelo, um tipo de modelo padrão para a cosmologia que responda por tudo isso. Esse não é meu campo, mas gostaria de saber mais sobre isso.

Outro campo que me fascina é a busca pela vida em exoplanetas. Nós encontramos muitos, milhares de exoplanetas, alguns deles estão na faixa de distância da estrela que faz com que alguma forma de vida seja possível. E eu acho que vamos aprender muito sobre esse desenvolvimento da vida. Não estou falando de vida inteligente, mas de diferentes formas de vida. E eu acho que isso é fascinante, e acho que é uma pergunta muito profunda, a questão do nosso lugar no Universo.

Outra fronteira é entender melhor o cérebro humano, mas isso é completamente diferente, e nesse domínio a física é apenas um instrumento. O desenvolvimento de máquinas de ressonância magnética é um problema físico, mas é apenas um instrumento para entender coisas. Há muitos problemas interessantes e muitas razões por que é interessante ficar vivo o máximo tempo possível, para ver se há novos desenvolvimentos, novas coisas importantes acontecendo.

Leia a entrevista na íntegra  na Folha de SP