No dia 16 de novembro, na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, foi realizada a mesa-redonda “Crise climática e desastres como consequência do El Niño 2023-2024: impactos observados e esperados no Brasil”. O evento foi promovido pela ABC, pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas Fase 2 (INCT MC2).

O El Niño é um fenômeno que ocorre irregularmente, em média a cada três ou quatro anos, em que a distribuição de temperatura nas águas superficiais do Pacífico se altera, com consequências no clima do mundo inteiro. O El Niño deste ano foi decretado em junho e a previsão é de que seja particularmente forte, cenário agravado pelas mudanças climáticas. O Brasil é um dos países mais afetados pelas alterações causadas pelo fenômeno e discutir seus impactos é tarefa fundamental da ciência.

 

Mesa de abertura

O diretor da ABC Roberto Lent abriu o encontro lembrando que as mudanças climáticas são um problema do presente e que é obrigação dos cientistas debatê-la e influenciar na tomada de decisão do mundo político. Na mesma linha, a diretora da SBPC e Acadêmica Ana Tereza Vasconcelos lembrou que educação e pesquisa são pilares para a mitigação do problema.

A diretora substituta do Cemaden, Regina Alvalá, afirmou que nenhum El Niño é igual ao anterior e que a entidade está atuando de maneira preventiva junto aos órgãos do governo. Representando o Governo Federal, a secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Márcia Barbosa, que também é membra da ABC, defendeu uma atuação integrada do Estado. “Precisamos reconhecer que as coisas não estão isoladas. Meio ambiente, clima, agricultura e saúde dialogam, então precisamos de uma atuação conjunta entre os órgãos de governo”, disse.

Mesa de abertura. Da esquerda para a direita: Ana Tereza Vasconcelos (SBPC), Roberto Lent (ABC), Regina Alvalá (Cemaden) e Márcia Barbosa (MCTI)

 

Um El Niño particularmente forte

O El Niño ocorre quando os ventos alísios que sopram de leste para oeste na parte equatorial do Oceano Pacífico enfraquecem, fazendo com que as águas quentes subsuperficiais, que normalmente ficam concentradas na costa asiática, subam à superfície na costa da América do Sul.

Podemos dividir o fenômeno em dois tipos: o fraco se dá quando esse ressurgimento se dá afastado da costa americana, ainda na região central do Pacífico, causando alterações climáticas menos significativas; já o forte se dá quando o aquecimento é predominante nas águas costeiras, com consequências mais intensas. É com este segundo tipo de El Niño que estamos lidando.

Esse cenário é agravado pelas mudanças climáticas. Num mundo mais quente, o aquecimento anormal das águas é ainda maior, levando a consequências climáticas mais graves. A tendência é de uma predominância de El Niños fortes no futuro. “Para a América do Sul isso significa fenômenos climáticos extremos ainda mais frequentes e imprevisíveis”, destacou a oceanógrafa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Regina Rodrigues.

Existe também um outro tipo de fenômeno climático no Pacífico. A chamada La Niña ocorre quando os ventos alísios se intensificam, gerando consequências diametralmente opostas às do El Niño. A La Niña é mais frequente que o El Niño e a tendência é de que também se torne mais intensa no futuro.

 

Consequências climáticas para o Brasil

O Brasil está entre os países mais afetados pelo El Niño. Entre as principais consequências está o aumento de chuvas torrenciais no Sul e secas intensas no Norte e Nordeste. A tragédia causada pelas inundações no Rio Grande do Sul em setembro está relacionada ao fenômeno. Para se ter uma ideia, uma cheia da magnitude da que ocorreu no Rio das Antas era estimada para acontecer uma vez a cada dez mil anos.

Outra consequência é a seca histórica que está afetando a Amazônia. O nível do Rio Negro nunca esteve tão baixo, e a tendência para os próximos meses é de piora. No caso da Amazônia, os efeitos do El Niño se somam ao aquecimento das águas do Atlântico Norte, consequência das mudanças climáticas, que afetam a umidade na Região Norte e intensificam a estiagem. “Tradicionalmente, nos anos de El Niño, a seca no Norte e Nordeste tende a ser mais intensa de dezembro a maio. O fato de já estar grave em outubro e novembro significa que dessa vez pode ser catastrófica”, alertou o coordenador-geral de pesquisa do Cemaden, o Acadêmico José Marengo.

Comparação entre o El Niño de 2015 e o de 2023: note como o de 2023 é acompanhado por um aquecimento significativo também do Atlântico Norte. TSM: Temperatura da Superfície do Mar

A pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Chou Sin Chan, especialista em modelagem climática, alertou que os efeitos do El Niño são sentidos também nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, tradicionalmente menos afetadas pelo fenômeno. Isso se dá principalmente pelas chamadas ondas de calor, causadas quando “domos de calor” se instalam, aprisionando massas de ar quente. É o que está ocorrendo neste momento no Brasil, levando a temperaturas recordes em várias capitais do país.

 

Mitigação e adaptação às mudanças climáticas

O Brasil precisa ter estratégias claras para responder á emergência climática. O Cemaden, por exemplo, foi criado após o desastre de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, quando mais de mil pessoas morreram em deslizamentos e enchentes. Desde então o centro vem tentando unificar e otimizar os alertas sobre eventos climáticos extremos, mas apenas isso não basta. “Desde 2011, cresceu em 17% o número de pessoas vivendo em áreas de risco. É preciso criar condições para que essas pessoas vivam em outros lugares”, alertou José Marengo, coordenador do Cemaden.

Mas para além da preparação para desastres, o Brasil tem um papel crucial no controle climático do planeta. O país abriga a maior floresta tropical do mundo, capaz de armazenar bilhões de toneladas de carbono que vão direto para a atmosfera se a foresta for derrubada. O climatologista e Acadêmico Carlos Nobre, participante do Painel Intergovernamental em Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) e uma das principais referências do planeta no assunto, vem alertando para o fato de a floresta caminhar rumo a um ponto de não-retorno. “Se isso acontecer, mais de 250 bilhões de toneladas de gás carbônico vão parar na atmosfera, inviabilizando qualquer tipo de meta climática”, disse.

Nesse sentido, é fundamental que o país leve a sério o compromisso assumido na COP 26 de zerar o desmatamento até 2028, voltando a ser uma liderança global em meio ambiente. Nobre trouxe a informação de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pretende lançar oficialmente o projeto Arco da Restauração na COP 28. Trata-se de um projeto gigantesco de reflorestamento no sul e leste da Amazônia, região que já deixou de ser sumidouro de carbono para se tornar emissora.

Outro ponto que requer preparo é a segurança hídrica. Estimativas sugerem que as mudanças climáticas podem diminuir em até 20% a disponibilidade de água na América do Sul. A engenheira Suzana Montenegro, diretora-presidente da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), classifica a gestão de águas como um quebra-cabeça de fatores, dentre os quais está a resiliência contra eventos climáticos extremos. “É preciso uma gestão adaptativa por parte do Estado, fortalecendo organismos de monitoramento e criando protocolos de ação para que o poder público possa agir de forma rápida e eficaz durante crises”, afirmou.

 

Limites da adaptação

Adaptação a um mundo mais quente é um dos desafios do século XXI, mas esses esforços não podem servir de desculpa para que nada seja feito na origem do problema. Isso porque, em longo prazo, não existem limites para o quanto o planeta pode aquecer, apenas para o quanto somos capazes de suportar.

“Existem limites fisiológicos de temperatura e de umidade relativa do ar que o nosso corpo consegue suportar. A partir de certo ponto não somos mais capazes de transpirar para controlar nossa temperatura. Esses limites são letais e estimativas mostram que podemos atingi-los já em 2100”, alertou Nobre.

Os palestrantes da mesa: Regina Rodrigues (UFSC), Suzana Montenegro (Apac), Carlos Nobre (USP), Chou Sin Chan (Inpe) e José Marengo (Cemaden)

 

 

Confira como foi a repercussão da mesa-redonda na mídia

Assista ao evento completo pelo YouTube da ABC: