A ciência é um direito de todos os cidadãos. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, está mencionada no artigo 27, onde é possível ler que todos têm o direito de compartilhar dos benefícios e avanços da atividade científica. Segundo Ernesto Polcuch, diretor regional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) de Montevidéu, que proferiu a quarta Conferência Magna da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências 2023,  as políticas públicas para as áreas de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) precisam partir desse princípio.

Ao longo dos anos, outros instrumentos políticos e institucionais surgiram com o intuito de conciliar direitos humanos e metas de desenvolvimento sustentável, como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da ONU e países signatários. Dentro dos 17 objetivos previstos para o planeta e para as pessoas, há ciência em todos, segundo Polcuch, já que ela é transversal, multidisciplinar e faz parte do nosso dia a dia. Portanto, é essencial para cumprir todos os objetivos.

Especificamente no objetivo nove, de “Indústria, Inovação e Infraestrutura”, há duas metas muito claras no escopo que mencionam a ciência e que precisam ser endereçadas pelos países.

A primeira delas diz respeito à melhoria internacional das pesquisas e das tecnologias industriais. Para isso, mais investimento em C,T&I é necessário, além do aumento do número de pesquisadores por milhão de habitantes. A segunda se concentra no apoio ao desenvolvimento da tecnologia nacional e da diversificação industrial, com foco especial no fomento às indústrias tecnológicas de médio e grande porte.

Em relação aos países de maior renda, Polcuch traça o panorama da América do Sul: “Estamos longe ainda da realidade desses países. Dados da Unesco até 2019 mostram que diversos países da nossa região gastam de 0,1% a 2% do PIB nacional com pesquisa básica e aplicada. Países que investem de forma sistemática em ciência dedicam 5% ou mais de seus recursos nacionais para essas áreas”, advertiu.

No tocante ao número de pesquisadores que se dedicam à produção de conhecimento, processos, métodos e sistemas científicos e tecnológicos, a situação também não é animadora. Dados da Unesco e do Banco Mundial até 2018 indicam que países de alta renda, como Estados Unidos e Canadá, têm patamares considerados ótimos: entre 2 e 5 mil pesquisadores por milhão de habitantes. Na região sul-americana, a Argentina é a que sai na frente, com 1 a 2 mil pesquisadores por milhão de habitantes, enquanto muitas outras nações compartilham os níveis de 100 a 200, 200 a 500 e 500 a 1000 – este último é o cenário brasileiro. 

Quando o assunto é diversidade e ocupação da ciência por mulheres, o número global mostra o quanto ainda é preciso avançar na oportunidade e incentivo dados a meninas, jovens e pesquisadoras. Segundo Polcuch, os últimos registros do Instituto de Estatísticas da Unesco são de 2018 e mostram que 33,3% do total de pesquisadores a nível mundial são mulheres. Na Agenda 2030, há um objetivo específico para isso, o de número cinco, que prevê o cumprimento da igualdade de gênero para diversas áreas da sociedade.

A pergunta que fica, portanto, é: como garantir o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento científico e tecnológico até 2030 se tantos números ainda precisam melhorar e avançar? De acordo com Polcuch, a resposta está justamente no objetivo 17, que diz respeito às parcerias para o atendimento das metas estabelecidas.

“Se quisermos resolver alguns dos problemas, precisamos de mais políticas de cooperação internacional”, sinaliza. Um excelente meio para conquistar isso são os acordos dentro do Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável, justamente o tema ao qual a Reunião Magna 2023 se dedicou.

Os pontos fundamentais para este Ano são a melhoria da participação inclusiva na ciência, o fortalecimento da educação e do treinamento científico, o financiamento às ciências básicas e a promoção da ciência aberta. Para atendê-los, a cooperação precisa ser prioridade:

“Há fraquezas em diversos indicadores científicos da nossa região. Não há como eles serem resolvidos localmente pela comunidade científica de apenas um país, mas, sim, por um sistema aberto e largo de cooperação entre as comunidades científicas. E, por isso, precisamos estabelecer novas políticas de cooperação entre nós”, opina Polcuch.

Uma das prioridades da Unesco para estabelecer essas parcerias é o investimento em ciência aberta, que, segundo Polcuch, constitui um novo paradigma para as políticas de C,T&I. O conceito de ciência aberta determina que o conhecimento científico precisa estar disponível, acessível e reutilizável para todos na sociedade, além de necessitar de compartilhamento de informações entre pesquisadores e de mais participação civil nos processos científicos.

Por isso, em 2021, a Unesco publicou o primeiro guia internacional com recomendações para a construção e solidificação da ciência aberta no dia a dia, com dicas para os 193 países membros da ONU. Há cinco grupos de trabalho que estão abertos à participação de qualquer pessoa.

“Abrir os processos diz respeito à construção dos laços entre ciência e sociedade. Não estamos falando apenas de colaborações entre as comunidades científicas de diversos países, mas também da escuta e da inclusão de outros atores da sociedade civil”, explica Polcuch.

A iniciativa é importante, mas, no debate final da sessão, o vice-presidente da aABC para a região SP, Glaucius Oliva, do Instituto de Física de São Carlos da USP, atentou para o fato de que, dentro do documento oficial da ONU, há pouca consideração sobre a sub-representação de países de baixa renda em publicações científicas internacionais. A seu ver, a ciência aberta e a colaboração científica, portanto, precisam fazer frente à hegemonia de grandes editoras e à manutenção do favorecimento da ciência dos países de alta renda.