A economia brasileira patinou nas últimas décadas. O PIB per capita do Brasil está estagnado desde o final da década de 70 e vimos aumentar a distância para as maiores economias globais. Entender as razões por trás do crescimento e os motivos pelos quais alguns países parecerem “dar certo” enquanto outros oscilam é a questão central que move os economistas.

Para a segunda Sessão Temática da Reunião Magna 2023, a Academia Brasileira de Ciências convidou a economista Fernanda De Negri (Ipea), o sociólogo Glauco Arbix (USP) e a geóloga Sylvia Maria dos Anjos (Petrobras) para discutir a relação da ciência básica com o crescimento econômico nas mais diversas áreas.

Glauco Arbix, Fernanda De Negri e Sylvia Maria Couto dos Anjos | Foto: Miguel Sá

Ciência e a produção do futuro

O crescimento econômico se deve a três fatores principais: o capital físico, isto é, a infraestrutura acumulada de um país; o trabalho de sua população, que é afetado por questões demográficas e de capacitação; e a tecnologia, que melhora a eficiência do trabalho realizado. Entender o que determina o desenvolvimento desses três pilares está no cerne da questão do crescimento.

“Nos últimos anos, temos percebido que o fundamental são as instituições, isto é, o conjunto de leis, regulamentações e entidades, no setor público e privado, que precisam oferecer o incentivo correto para que os agentes econômicos alcancem o máximo de produtividade, minimizando externalidades negativas, como a degradação ambiental”, argumentou Fernanda De Negri, professora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Ela defendeu que a inovação tem papel fundamental no crescimento e é resultado de esforços sistemáticos e não individuais, como convencionou-se pensar algumas décadas atrás. “É fundamental desenvolver pessoas e infraestrutura, e manter um ambiente econômico saudável para o investimento de longo prazo”, avaliou. “Políticas públicas auxiliam em todas essas vertentes. É papel do Estado corrigir falhas de mercado e investir na produção de conhecimento em áreas que o setor privado não investe, gerando externalidades positivas”, completou.

A sustentabilidade é um pilar da produção do futuro. Ao longo dos últimos anos, economistas do mundo inteiro se debruçaram sobre modelos inovadores para precificar os danos ambientais, de modo a inseri-los no cálculo econômico. Um bom exemplo disso é o mercado de créditos de carbono. Para De Negri, os cientistas são centrais nesse debate. “É uma tendência que o crescimento econômico se descole da exploração descontrolada dos recursos naturais, precisamos imaginar formas de acelerar esse processo”, defendeu.

Outro desafio global é a desigualdade. Inovações recentes, como as inteligências artificiais, tendem a tornar obsoletas ainda mais atividades humanas. De Negri argumentou que “num mundo em que o 1% mais rico fica com 38% da renda enquanto o 50% mais pobre fica com apenas 2%, é crucial pensar soluções para que o trabalho poupado pelo avanço tecnológico não resulte numa perda generalizada de empregos”, alertou.

Inteligência artificial: nova fronteira tecnológica

Nos últimos meses, diversos setores da atividade humana, inclusive a academia, foram surpreendidos com a disponibilização de inteligências artificiais como o ChatGPT e o Midjourney, que são capazes de gerar textos e imagens bastante complexos com base em inputs descritivos relativamente simples. Ou seja, bastante acessíveis e com possibilidades estonteantes.

Para o professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Glauco Arbix, especialista nas interseções entre inteligência artificial (IA) e a sociedade, estamos vivendo o alvorecer de um novo salto tecnológico no qual o Brasil não pode correr o risco de ficar de fora. “Nas últimas décadas, potências emergentes como a Coreia do Sul ultrapassaram o Brasil porque aproveitaram a revolução digital. Estamos vendo o início de um novo ciclo tecnológico e não podemos perder o bonde mais uma vez”, frisou.

Ele ressaltou que o país, na 12ª posição global em pesquisas em IA, não está numa situação tão ruim, já que o grosso da produção científica está concentrada mesmo nos EUA e China. Mas é preciso um direcionamento contundente da poder público, já que o país historicamente escorrega em inovação. “Nossa economia é muito fechada, e, de acordo com dados do FMI e do Banco Mundial, o fator externo se sobressai na criação de patentes em países em desenvolvimento. Pesquisa e desenvolvimento (P&D) sempre foram o calcanhar de Aquiles da maioria das empresas brasileiras”.

Arbix argumentou também que o mundo passa por uma desaceleração na inovação, com artigos e patentes perdendo força disruptiva. Ele levantou algumas hipóteses para esse fenômeno. “Talvez tenhamos dificuldades para lidar com o volume de conhecimento existente hoje, com a ciência se complexificando. Talvez os incentivos dos sistemas de publicações estejam errados, ou as interações público-privada não estejam adequadas”, refletiu. “Para todos esses cenários as inteligências artificiais podem ajudar”.

O ChatGPT é um modelo de Large Language Model (LLM), ou seja, uma técnica que deriva significado de longas sequências de texto para entender como diferentes palavras podem ser organizadas, determinando a probabilidade de ocorrerem perto umas das outros. O modelo foi lançado para o público geral ainda muito cru, mas fato é que veio para ficar. Entender como essa tecnologia pode ser usada para ganhos de produtividade, e também como evitar seus impactos destrutivos na pesquisa e democracia, é crucial.

Arbix contou que nos EUA já se discutem Small Language Models (SLMs), isto é, sistemas mais especializados dessa tecnologia. “Não vejo essa urgência no Brasil. Se a empresa que criou a IA quisesse nos oferecer o programa de graça, não teríamos computadores para rodá-lo. Precisamos criar pelo menos um grande centro no país com infraestrutura adequada e que possa ser usado por pesquisadores do país inteiro”, sugeriu.

A história do Petróleo no Brasil

O primeiro poço de petróleo encontrado no Brasil foi ainda no século XIX, na bacia do Paraná. Durante toda a primeira metade do século XX a exploração se deu, como normalmente ocorreu com os países em desenvolvimento, através de expertise estrangeira e por iniciativas privadas. Apenas em 1939 foi criado o Conselho Nacional do Petróleo, órgão governamental para regular a indústria de óleo & gás no país.

A Petrobras só foi criada em 1953, e em 1955 estabelecue sua divisão de pesquisa. Nessa época começam a surgir os primeiros cursos de geologia do país e essa primeira geração de geólogos começou a substituir progressivamente os profissionais estrangeiros, a partir da década de 60. “Esse primeiro salto de conhecimento foi fundamental para começar a consolidar a indústria nacional”, afirmou a pesquisadora da Petrobras, Sylvia Maria Couto dos Anjos, destacando que a empresa mirou na autossuficiência do país em petróleo desde o início.

Mas esse desafio em princípio parecia irreal. Com o tempo e a progressiva transição para a exploração offshore, o país foi descobrindo novos campos e dando números a sua produção, porém o consumo crescia em igual medida. Em 1968, o Brasil produzia 147 mil barris por dia, mas consumia 355 mil. 15 anos depois, a produção atingiu os 340 mil barris por dia, mas o consumo estava em 960 mil.

A tão sonhada autossuficiência só viria em 2006, fruto de uma das maiores descobertas científicas da década: o pré-sal. “Foram anos de buscas, produção e aplicação de conhecimentos”, contou a geóloga, “o pré-sal mudou tudo, nos forçou a uma completa mudança de conceitos e aprendizados”.

Atualmente, 75% da produção nacional se deve ao pré-sal, que se dá em campos gigantescos que ainda estão sendo descobertos. “O campo Tupi, na bacia de Santos, tem a espessura da altura do Pão de Açúcar espalhado por uma área do tamanho da Baía de Guanabara”, exemplificou.

Mas Sylvia Maria garantiu também que a empresa divide esforços também com a transição energética, conforme a demanda crescente para que petrolíferas se tornem empresas de energia. Ela ressaltou que a matriz energética do país é relativamente limpa, com boa participação de biocombustíveis e hidroelétricas, e que quase metade das emissões do país se devem ao desmatamento e uso da terra. “Outra vantagem comparativa é nosso enorme potencial solar e eólico, sobretudo no Nordeste”, finalizou.

Debate

Um ouvinte levantou a questão de como se dividir proporcionalmente os investimentos em ciência básica e aplicada, mas os palestrantes foram unânimes em ressaltar que não existe fórmula ou dicotomia, e sim uma relação de mão-dupla entre os dois tipos de pesquisa. “Quando descobrimos o pré-sal, precisamos passar a estudar tipos de rocha que não estávamos acostumados. Foi então que descobrimos trabalhos de geólogos nórdicos, sem nenhum interesse econômico, que nos ajudaram demais nesse processo”, exemplificou Sylvia Maria.

Para Fernanda De Negri, mais importante que proporcionar essas duas coisas é ter uma direção sobre onde investir. “É preciso ter prioridades, e educação é uma delas. O acesso desigual ao conhecimento é uma razão para o nossa baixa produtividade”. Na mesma linha, Glauco Arbix salientou que governar é fazer escolhas. “A comunidade científica sempre respondeu quando convocada. Uma nova Conferência Nacional de CT&I é urgente”.

Plateia no auditório do Museu do Amanhã | Foto: Miguel Sá