Carioca de Jacarepaguá, Patricia Pestana Garcez nasceu em 1980. Gostava de ler, brincar na rua e observar as estrelas com seu irmão, pelo telescópio no terraço de casa. Boa parte de sua infância e adolescência foi passada no Clube de Regatas do Flamengo, treinando nado sincronizado. Patricia conta que foi federada e era muito comprometida com a equipe. No colégio gostava das aulas de francês, inglês, história e ciências. Nas férias, gostava de ir para em Joinville, Santa Catarina, passar um tempo com suas primas.
O pai era professor do ensino fundamental de escola pública e a mãe, funcionária da Petrobras. Porém, há algumas décadas o casal trabalha junto, administrando uma loja de autopeças em Jacarepaguá. Como seus pais trabalhavam fora, Patricia pulava de uma atividade para outra durante o dia e só voltava para casa no final do dia. Caçula, com dois irmãos, foi estimulada e inspirada por eles a estudar em uma universidade federal, pois eles fizeram Academia da Força Aérea e Escola Naval.
A escola pública, de fato, foi seu berço: Patricia cursou o ensino básico no tradicional Colégio Pedro II (CPII), onde teve aulas de biologia com o professor e autor do livro didático ‘Biologia Hoje’, Fernando Gewandsznajder, responsável por despertar seu interesse na ciência. “Fernando é um professor excelente e marcante, nos ensinou sobre o método científico e o valor da ciência na sociedade. Foi ele quem me sugeriu fazer vestibular para biociências”, conta a pesquisadora.
No ano do vestibular, porém, Patricia conta que ainda não estava certa do que queria. Por admirar a diplomacia e ter facilidade no estudo de história e idiomas estrangeiros, se inscreveu no vestibular de direito na Universidade Federal Fluminense (UFF), com intenção de depois aplicar para o Instituto Rio Branco. E por sua paixão pelas aulas de biologia e genética no CPII e pela curiosidade pela ciência, ela se inscreveu, também, no vestibular de biociências na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Boa aluna que era, passou para os dois cursos. “Comecei cursando biociências e logo no primeiro semestre gostei tanto das aulas de origem da vida, das práticas no laboratório de bioquímica, dos professores do curso, que não cheguei a cursar direito”, relata.
Durante a graduação na UFRJ, Patricia Garcez fez iniciação científica com o intuito de ser uma pesquisadora relevante para o Brasil e se imaginava, em princípio, trabalhando com doenças infecciosas, como a malária. Contudo, nos últimos períodos da faculdade de biociências – hoje ciências biológicas modalidade médica ou biomedicina -, se apaixonou pelas neurociências e chegou até mesmo a passar por um drama de consciência, por achar que a área era tema de pesquisa só para países ricos.
Garcez conta que estudar biomedicina foi uma experiência muito enriquecedora porque permitiu que ela aprendesse muito com grandes pesquisadores da UFRJ e cita os professores Franklin Rumjanek, Vivian Rumjanek, Rafael Linden e Vivaldo Moura-Neto. “São professores que marcaram minha graduação pela forma de transmitirem conhecimento científico e dedicação à ciência”, afirma. Ela destaca, em especial, a professora Vivian, fonte de inspiração com suas histórias da ciência, dos tempos de quando ela trabalhou em Mill Hill e seu jeito simplesmente encantador.
No entanto, apesar de estar segura de que queria seguir carreira acadêmica, a biomédica não encontrava um projeto que lhe despertasse tanto interesse e paixão. Assim, trancou sua matrícula por seis meses para fazer um intercâmbio na Austrália, com o objetivo de aprimorar seus conhecimentos na língua inglesa. “Assim que voltei, tive a sorte de assistir a palestra do professor Roberto Lent sobre divulgação científica em neurociências na Semana da Biomedicina. Finalmente havia encontrado o que estava buscando há três anos na graduação: uma motivação para fazer ciência. No Laboratório de Neuroplasticidade fiz minha iniciação científica, mestrado e doutorado”, recorda Garcez.
Orientada diretamente por Lent, ela se encantou por sua linha de pesquisa, tão relevante e envolvente: o desenvolvimento do córtex cerebral, especificamente na formação das comissuras telencefálicas que, quando ausentes, podem ter consequências cognitivas severas ou serem completamente assintomáticas, por provável consequência de uma neuroplasticidade mal ou bem sucedida.
Após sua graduação, em 2003, Garcez seguiu direto para o mestrado em ciências morfológicas pela UFRJ, concluído em 2004, e, em seguida, para o doutorado sanduíche na Friedrich-Schiller Universitat Jena, na Alemanha, finalizado em 2008. Fez ainda um estágio de pós-doutorado no National Institute for Medical Research, em Mill Hill, Londres, no período entre 2009 e 2015. Além disso, foi pesquisadora visitante da Universidade de Oxford entre 2016 e 2017, apoiada pelo Medical Research Council UK e Newton Fellowship.
Atualmente, a pesquisadora tem experiência na área de neurociências e virologia, com ênfase na síndrome congênita do vírus Zika e malformações no córtex cerebral por disfunções do centrossomo. Sua pesquisa está voltada para o entendimento dos mecanismos celulares e moleculares da formação e má-formação cerebral. É especializada no estudo de microcefalia de origem genética e causada pelo Zika. “Procuro entender como o vírus causa a microcefalia e como pode ser uma potencial terapia para pacientes com tumores cerebrais”, explica Garcez.
Desde 2015, Patricia Garcez é professora adjunta no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ (ICB-UFRJ), parceira do Instituto D’Or, pesquisadora da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE), além de orientadora permanente dos Programas de Pós-Graduação em Anatomia Patológica e Ciências Morfológicas. Como reconhecimento de seu trabalho, recebeu os prêmios Early Career Award pela International Brain Research Organization (IBRO), em 2019, e Young Scientist Award pela International Society of Neurochemistry, em 2017.
Em relação à ciência, de modo geral, ela se diz encantada pelo desconhecido e pela fronteira do conhecimento. Em sua área, ela é atraída pela complexidade do desenvolvimento do sistema nervoso e pela grande capacidade plástica do cérebro. Garcez revela estar honrada em fazer parte da Academia Brasileira de Ciências. “Me permitirá representar os jovens da comunidade científica, representar as mulheres cientistas, conhecer pares de outras regiões do Brasil e ter a possibilidade de participar ativamente nas reuniões científicas promovidas pela Academia”, declara a Acadêmica.
Patricia Garcez conta ser uma pessoa matinal, que gosta de acordar cedo e meditar. “Me ajuda a me sentir focada e presente nas minhas atividades diárias”, comenta. E sua paixão pelo mar permanece. “Tenho o privilégio de poder nadar no mar. Alguns dias na semana, antes de ir pra universidade, me encontro com uma equipe em Copacabana para treinar para as travessias. É maravilhoso ver o sol nascer do mar, estar em contato com a natureza e nadar com as tartarugas”, revela.