Sofrendo seguidos cortes orçamentários e sem concurso público há seis anos, o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) tem fechado laboratórios e corre o risco de se tornar inoperante por causa do alto número de aposentadorias.

Um recente levantamento oficial revelou que metade dos seus 158 pesquisadores terá direito ao benefício até o fim deste ano. Em 2020, serão 243 dos 561 servidores, o que representa 47% do quadro de funcionários.

Para os pesquisadores do instituto criado em 1952 e mantido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), a falta de pessoal é uma ameaça ainda mais grave do que o corte de 39,6% no orçamento —caiu de R$ 42 milhões, no ano passado, para os atuais R$ 25,5 milhões.

“Em um instituto de pesquisa, o centro são os pesquisadores. Se não tem pesquisadores, não tem sentido ele existir”, disse o diretor do Inpa, Luiz Renato França, no cargo desde julho de 2014.
inpa.jpg
Um dos mais importantes centros de pesquisa da Amazônia, o Inpa investiga desde o impacto do desmatamento no regime de chuvas no Sudeste até doenças tropicais. Além disso, tem cerca de 600 alunos de pós-graduação e 65 grupos de pesquisa.

O Inpa já atua com déficit de servidores, principalmente pesquisadores, há alguns anos. Desde 2006, quadro de servidores caiu 27%, passando de 769 para 561 funcionários.

“O quadro já encolheu 40% desde o auge”, diz o ecólogo americano Philip Fearnside, no Inpa há quatro décadas e ganhador do Nobel da Paz em 2007, ao lado dos outros cientistas do IPCC, o painel de clima da ONU, pelos alertas sobre aquecimento global.

“É triste que grande parte das vagas surgidas no ministério nos últimos anos vem sendo alocadas à burocracia em Brasília. Todos os institutos federais de pesquisa, Inpa inclusive, vão desaparecer se não houver mudança”, diz.

Os reflexos da falta de pessoal e de recursos estão por toda parte. Entre os trabalhos descontinuados está o Laboratório de Insetos Sinantrópicos. Responsável pelo estudo da leishmaniose, o local foi fechado no final de 2016, após a aposentadoria do pesquisador Eloy Castellón.

Outras áreas funcionam de forma precária, caso da estação de olericultura (legumes). Quando foi criada, em 1976, contava com mais de 30 pessoas. Hoje, são oito; apenas duas são pesquisadores.

A falta de dinheiro também preocupa. No Narua (Núcleo de Estudos de Pesquisa Rurais e Urbanas), cada um dos cinco pesquisadores terá R$ 400 para o projeto que leva sementes e mudas de Manaus para produtores rurais do interior do maior estado do país, com regiões acessíveis por meio de custosas viagens de barco.

“Com esse dinheiro, compro duas passagens de ônibus de ida e volta para Itacoatiara (a 270 km de Manaus) e pago duas diárias. No resto do ano ninguém faz mais nada”, diz o pesquisador do Narua Danilo Fernandes.

Pesquisadora desde 1986, a agrônoma Sonia Alfaia teve negados todos os pedidos de compras de passagens e combustível para a realização de pesquisas de campo em 2017. Hoje, depende dos projetos dos alunos de pós-graduação para fazer novas coletas.

“Jamais imaginei que viveríamos um retrocesso tão grande”, diz ela, que trabalha com agroecologia voltada às populações tradicionais.

Pelos campi, são vários os sinais de deterioração por falta de manutenção. Semanas atrás, o instituto responsável por pesquisar a maior bacia hidrográfica do mundo ficou alguns dias sem água após a queima de uma bomba.

No herbário do Inpa, o maior da Amazônia com 247 mil registros, a falta de recursos de manutenção se tornou uma ameaça para o acervo.

“Esbarramos na falta de materiais básicos, como álcool, líquido no qual muitas espécies são preservadas. Também não temos sistema de alarme contra incêndios. São acervos científicos de um valor imensurável”, diz a coordenadora do Programa de Coleções Científicas e Biológicas do Inpa [e membro afiliada da ABC], Fernanda Werneck.

O Inpa opera com um déficit de R$ 22 milhões, segundo a administração. Caso não consiga R$ 16,5 milhões em verbas suplementares, não terá dinheiro para despesas básicas, como energia e limpeza, depois de agosto, diz França.

Com relação a novas contratações, uma projeção do instituto aponta que o número mínimo deveria ser de 242 funcionários. Para 2020, o quadro ideal teria 461 novos servidores, mas a atual gestão avalia que se trata de um cenário inviável.

Sem renovação, 86% dos pesquisadores ativos em dezembro do ano passado tinham mais de 51 anos. Na outra ponta, apenas 5% deles tinham entre 31 e 40 anos.

O MCTIC informou que o corte deste ano foi de 25% quando comparado aos recursos executados. Sobre as verbas adicionais, disse ter feito a solicitação em março à equipe econômica, ainda sem resposta.

O órgão disse ter solicitado, no ano passado, a realização de novos concursos ao Ministério do Planejamento, mas tampouco há previsão para que isso aconteça.

“Não há garantia nenhuma de continuidade das pesquisas. A capacidade institucional de realizar pesquisas vem sendo erodida há anos, especialmente pela falta de recursos para reparos em equipamentos, manutenção de laboratórios, combustível”, diz o pesquisador Jansen Zuanon, da coordenação de biodiversidade.

“Somados aos cortes orçamentários, esse processo de perda dos recursos humanos poderá paralisar as atividades de pesquisas no Inpa nos próximos dois ou três anos.”