sergiorezende_edit.jpgRIO e SÃO PAULO – Mais do que uma nova consequência da crise no investimento em pesquisas científicas no país, a decisão do conselho do Observatório Europeu do Sul (ESO) de suspender o processo de adesão do Brasil ao consórcio astronômico internacional, anunciada na última segunda-feira, reflete a falta de uma política de Estado para o setor. A afirmação é do físico [e membro titular da Academia Brasileira de Ciências] Sérgio Rezende, então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação que assinou o acordo de adesão do Brasil ao ESO em dezembro de 2010, no apagar das luzes da segunda gestão Lula. Naquele ano, o orçamento da pasta foi de R$ 8,6 bilhões. Com os sucessivos cortes orçamentários que atingiram o hoje Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o orçamento caiu, em 2018, para R$ 2,8 bilhões.

— Esse é um dos grandes problemas do Brasil: temos políticas de governo, mas não temos políticas de Estado — disse Rezende em entrevista ao GLOBO. — E, para ciência e tecnologia, continuidade é algo fundamental, porque as coisas nessa área são feitas num período mais longo. Demoram mais que o período de um mandato para dar resultado.

Titular da pasta entre 2005 e 2010, Rezende responsabilizou seus sucessores — foram seis, desde a sua saída — pela demora na ratificação do acordo, que se arrastou durante cinco anos no Congresso Nacional, onde finalmente foi aprovado em maio de 2015, e desde então aguarda a sanção presidencial em uma gaveta do Palácio do Planalto.

— O ministro que me sucedeu não deu importância ao tema. E se o ministério não se empenhar junto ao Congresso para aprovar um projeto, ele não anda — opinou. — Já o governo seguinte, talvez por vaidade pessoal, priorizou projetos próprios.

Assim, disse Rezende, a sucessão de ministros depois dele, com mudanças quase anuais, trouxe enormes prejuízos para a ciência brasileira:

— Quando você troca o ministro a cada ano, a pessoa que entra demora vários meses até entender o que se passa. Se preocupa em colocar aliados nos principais cargos e em criar projetos próprios, sem dar importância aos projetos anteriores. Se você troca de ministro todo ano, não há como formular uma política científica.

Situação que, de acordo com Rezende, piorou a partir de 2016, com a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações com o das Comunicações, no governo Temer.

— O ministério da Ciência foi loteado por políticos e, na prática, acabou — afirmou. — Não lembro de uma situação assim jamais na História do Brasil. Não há política científica no país. O ministro e seus secretários não têm competência para formular uma. Com a fusão dos ministérios, a ciência passou a ter relevância menor. Você conta nos dedos as instituições de pesquisa que o ministro (Gilberto) Kassab visitou nesse tempo à frente da pasta. É nas comunicações que há interesse político. E é a isso que ele dedica seu tempo.

Para o atual governo, a principal saída para a crise na área é a busca dos pesquisadores brasileiros por parcerias fora do país. O problema é que as mudanças de governo e as incertezas no que se refere a um projeto de longo prazo acabam afetando a imagem do Brasil junto à comunidade científica internacional.

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Ministério quer manter acordo

Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações divulgou uma nota sobre a crise nos investimentos em pesquisas científicas no país e os cortes orçamentários. Segundo a pasta, ela “também defende a participação do Brasil no Observatório Europeu do Sul e no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, fazendo gestões junto ao governo federal e às entidades em questão para a manutenção e evolução dos acordos”, além de continuar “atuando junto aos ministérios da Fazenda e do Planejamento pela garantia de recursos em 2018 para o cumprimento das atividades de órgãos vinculados à pasta, e está em contato com suas entidades vinculadas e organizações sociais para garantir a continuidade de suas atividades sem que impactos significativos sejam observados”.

Não é a primeira vez que o Brasil se vê nesse tipo de situação. Em tempos recentes, o país foi excluído do grupo de nações que construiu e opera a Estação Espacial Internacional (ISS) por não cumprir sua parte no projeto, e agora os cientistas brasileiros também veem ameaçada sua participação nos experimentos de outra grande instituição científica global, o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), pelo não pagamento das taxas de manutenção e operação devidas para tanto.

Mas ainda há esperanças de “salvar” a participação do Brasil no ESO. No próprio comunicado sobre a suspensão do processo de adesão do país, a instituição deixou claro que o acordo continua válido e admitiu a possibilidade de renegociar seus termos, que previam investimentos da ordem de 270 milhões de euros (cerca de R$ 1,1 bilhão em valores atuais) do país no consórcio ao longo de dez anos.

— O ESO mantém a posição de procurar viabilizar a participação do Brasil, inclusive de reduzir valores e ampliar os prazos de pagamento — contou Reinaldo de Carvalho, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira, revelando que há cerca de duas semanas recebeu comunicação da organização nesse sentido. — Não foi um corte de relações, muito ao contrário. O ESO entende a importância da participação brasileira tanto para a organização quanto para o Brasil, mas eles precisam de uma posição clara de nosso país quanto a isso. O que eles não entendem é por que, se o processo foi todo aprovado no Congresso, o presidente não ratifica o acordo. E, nos colocando na situação deles, realmente é difícil entender.

Opinião parecida tem o astrônomo Gustavo Rojas, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e responsável pela divulgação científica do ESO no Brasil:

— Muita gente está falando que a relação do Brasil com o ESO acabou, mas não compartilho dessa ideia — afirmou. — Sim, paciência tem limites, e não sabíamos até quando eles iam esperar pela ratificação do acordo, que acho até que foi muito. É uma situação desagradável, mas não é o fim. O Brasil não foi expulso do ESO, que continua aceitando o país como membro nas mesmas condições, com a possibilidade até de renegociar esses termos.