Se for verdade que duas cabeças pensam melhor que uma, a reunião de quase cem cientistas certamente resultaria em boas ideias, tais como as apresentadas durante o 2º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (ABC) que ocorreu nos dias 28, 29 e 30 de agosto no Laboratório Nacional de Computação Científica do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (LNCC/MCTI), sediado em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro.

Laboratório de desafios

Com o tema Ciência & Tecnologia no Brasil: Para onde queremos caminhar?, o evento reuniu cientistas jovens e seniores, além de gestores e autoridades da comunidade científica nacional que, no primeiro dia do evento, debateram a internacionalização da ciência brasileira. Para isso, houve uma dinâmica especialmente escolhida que iniciou com provocações – feitas por participantes especialmente convidados -, prosseguiu com uma discussão em grupos temáticos – compostos por participantes mais um provocador – e encerrou com a reunião de todos os participantes para apresentarem as conclusões das discussões e apresentarem propostas no que se chamou de “laboratório de desafios”. Com isso, as respostas sobre aonde os cientistas querem levar a internacionalização da ciência brasileira puderam ser ditas, ouvidas e organizadas numa “fala do grupo”.

Provocações

O neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Stevens Rehen; o professor do Instituto de Fìsica de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e Acadêmico Vanderlei Bagnato; e o professor do Departamento de Química Orgânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Acadêmico Jairton Dupont, atuaram como provocadores, questionando desde políticas do governo até o comportamento dos pesquisadores.

Rehen, que foi membro afiliado da ABC do primeiro grupo, com mandato de 2008 a 2012, abordou o programa Ciência sem Fronteiras, que ele considera a principal estratégia do governo para a internacionalização da ciência brasileira. Os objetivos do programa envolvem aumentar a presença de pesquisadores e estudantes de vários níveis em instituições de excelência no exterior e promover a inserção internacional das instituições brasileiras, pela abertura de oportunidades semelhantes para cientistas e estudantes estrangeiros. “A meu ver, precisamos internalizar a internacionalização da ciência, ou seja, atrair estudantes e pesquisadores estrangeiros para o Brasil. Os EUA, por exemplo, alcançam bons resultados ao atraírem aproximadamente 800 mil estudantes e pesquisadores estrangeiros, que geram um lucro em torno de 22 milhões de dólares. China, Alemanha, Coreia do Sul, Turquia, Escócia e outros países fazem o mesmo, e isso está mudando o cenário científico daqueles países”, afirmou. “Será que o formato atual do Ciência sem Fronteiras é o melhor?”, perguntou Rehen.

Membro titular da ABC, Bagnato traçou um perfil da pesquisa científica no país que precisa ser alterado para aumentar sua presença no exterior. “A ciência brasileira aceita poucos desafios, o que dispersa a energia de pesquisadores e os recursos de investidores em diversas pesquisas, sem concentrar o necessário de recursos financeiros e humanos nos principais temas em curso na ciência mundial. Nossa ciência acaba perdendo sua relevância por isso. É preciso rever esse comportamento; a solução está em aberto, mas acredito que ela passe por inovação”, afirmou.

Para Dupont, membro titular da ABC, levou o tema à uma perspectiva que ele chamou de “estrutural”. “Internacionalizar é uma troca entre nações, ou seja, parte de limites ou fronteiras políticas, econômicas e culturais, entre as quais a ciência está incluída. Se aceitarmos essa definição, é necessário pensar o que a ciência brasileira possui para trocar com outras nações, além de pensar no que outras nações têm a nos oferecer. E para que seja uma troca de verdade, é bom que ela ocorra entre elementos – seja pessoas ou tecnologias – de mesmo valor”, afirmou. “Aceitando isso, é importante que avaliemos a nossa produção e os nossos recursos humanos e tecnológicos antes de planejarmos o envio de pessoas ao exterior. Elas estão em busca de qual formação? Para atuar em que área? É importante considerar isso”, explicou.

Proposições

Após todos esses questionamentos, os participantes dividiram-se em grupos e debateram algumas alternativas para resolvê-los. Em seguida, reuniram-se novamente e chegaram a uma opinião em comum, que foi apresentada por Marcelo Terra Cunha, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em conjunto com Andrea de Camargo, professora da Universidade de São Paulo (USP), e Leonardo Teixeira, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – todos os três membros afiliados da ABC e integrantes do Comitê Científico do evento.

De acordo com Terra Cunha, os participantes pensam que esse processo precisa ser de mão dupla, levando e trazendo estudantes e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, especialmente no caso do programa Ciência sem Fronteiras, que tem privilegiado demasiadamente o envio de estudantes de graduação para o exterior. Os participantes também defendem que as pesquisas científicas precisam ser avaliadas por sua qualidade e não pela quantidade, pois a internacionalização da ciência deve se basear na produção de uma ciência de relevância.

Outro ponto importante para a internacionalização é o aumento de investimentos na infraestrutura e na formação de recursos humanos, que, apesar dos avanços nos últimos anos, continua aquém do necessário e tem feito o Brasil perder vantagens competitivas e oportunidades em tecnologia e inovação. Para eles, garantir a internacionalização da ciência brasileira requer uma elevação do país aos padrões científicos internacionais, o que envolve uma mudança de postura de toda a comunidade científica.