O auditório do Bosque da Ciência do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) foi palco do Seminário de Ciências da Amazônia, com palestras dos cinco novos membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (ABC) da Região Norte, eleitos para o período de 2012 a 2016. A categoria de Membro Afiliado foi criada em 2007, juntamente com a criação das vice-presidências regionais, visando a descentralização das atividades da Academia e o estímulo a jovens cientistas de excelência de todo o país.
 
A abertura dos Seminários foi feita pelo diretor do Inpa, Adalberto Val, e pelo presidente da ABC, Jacob Palis. Em seguida, os jovens cientistas apresentaram suas pesquisas. Val cumprimentou os presentes e contou que desde 2007 essa cerimônia se repete e tem sido anualmente um momento especial. Para Val, a criação da categoria de Membro Afiliado representou a integração das regiões do país com relação ao sistema de CT&I. “A ocupação da região Norte em relação ao desenvolvimento sustentável vem crescendo muito nesse período, e esse foi um encontro feliz. Não há local nem origem determinada para se ter excelência. Por isso, contamos em ver mais cientistas da região Norte integrando a ABC, tanto agora, como Afiliados, como futuramente, como Titulares.”
 
As apresentações dos novos Afiliados da ABC
 
Alexandre Luis Padovan Aleixo (na foto abaixo cumprimentando o presidente e o vice-presidente regional da ABC), doutor em Zoologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e curador da coleção ornitológica do Museu Paraense Emílio Goeldi, falou sobre a perda da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável no Brasil. Seu trabalho procura responder a questões sobre a estimativa do impacto das mudanças climáticas sobre a biodiversidade brasileira, e refere-se ao pouco conhecimento existente sobre ela.
 
“As aves, que são consideradas o grupo mais bem estudado no país, ainda vem tendo novas espécies descobertas hoje. Com relação a plantas, insetos e microrganismos, o grau de incerteza taxonômico é infinito”. Sobre as aves, ele explicou que não só vêm sendo descobertas novas espécies, mas também, como ele mostra em seu estudo, espécies já conhecidas vêm sendo melhor compreendidas e desdobradas em três ou quatro espécies. “A Amazônia não é uma entidade única, ela é composta por oito ou nove amazônias, do ponto de vista biogeográfico.”
 
Bruno Duarte Gomes, também biólogo da UFPA, tratou da eletrofisiologia em humanos. Ele explicou que os grandes sistemas funcionais mais estudados são o sistema cardíaco e o sistema nervoso. Gomes estuda o sistema visual de roedores, primatas e humanos, sistema do qual os mamíferos são mais dependentes. Doutorado em neurociência, ele explica que este é um campo de estudo científico que visa entender como o sistema nervoso realiza suas funções. “O sistema nervoso é composto do sistema nervoso periférico, medula espinhal e encéfalo. Ele organiza e controla interações apropriadas do indivíduo com o ambiente. Dessa maneira, suas funções são dinâmicas, vastas e abrangentes. Muitos acreditam que inclui todos os pensamentos, percepções, ações do corpo, comportamentos e até mesmo a essência do ser: consciência e mente.”
 
Gomes e seu grupo trabalham com visão de cores, visão espacial e utilizam os conhecimentos sobre o potencial cortical na detecção de alterações visuais provocadas por doenças, além de atuarem no processamento digital de sinais biológicos. Ele explicou que ainda não existe uma teoria do cérebro única, mas que a neurociência computacional diz que o cérebro pode ser entendido como um sistema físico e que a eletrofisiologia estuda teoricamente o cérebro. A importância da área pode ser avaliada pelo fato da Fundação Kavli, sediada na Noruega e criada especificamente para competir com o Nobel – oferecendo premiação semelhante -, ter elencado como áreas principais de estudo para serem estimuladas a nanociência, a física teórica, a astrofísica e a neurociência.
 
Daniele Aparecida Matoso, bióloga da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), apresentou seu trabalho sobre a identificação de cromossomos sexuais em peixes. Doutorada em Genética, ela explicou que esses são os cromossomos que individualizam, que delimitam as espécies do ponto de vista evolutivo. “Só 10% dos peixes possuem cromossomos sexuais e a recorrência pode ser uma consequência evolutiva de cada espécie.”
 
Outro biólogo da UFPA, do Laboratório de Sistemática e Coevolução do campus Bragança, Marcus Vinícius Domingues relatou sua pesquisa sobre o que os parasitos podem nos dizer sobre evolução. Pós-doutorado em Zoologia na Austrália, ele explicou que os parasitos fornecem informações sobre os hábitos e ecologia dos seus hospedeiros e falam da geologia de muito tempo atrás.
 
Domingues estuda a diversidade, a biogeografia e coevolução dos parasitos de arraias de água doce, características da região amazônica. Ele explicou que essas arraias vieram do hemisfério Norte e que um dos aspectos que procura entender é se os parasitos vieram junto com elas ou se surgiram depois que as arraias invadiram o hemisfério Sul. “Uma boa taxonomia é fundamental para o conhecimento da biodiversidade amazônica, mas a falta de taxonomistas compromete o avanço do conhecimento.”
 
O médico da Universidade do Estado do Amazonas, da Universidade Nilton Lins e da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda discorreu sobre a malária na Amazônia brasileira. “Na Amazônia estão 40% da malária do mundo e 50% da malária das Américas”, informou. “São cento e quinze anos de procura, mas ainda não se conseguiu uma vacina para doenças causada por protozoários”.
 
Lacerda explicou que são dois os tipos de parasitos causadores da malária brasileira: Plasmodium vivax (P.vivax) ou P.falciparum, sendo o primeiro o mais frequente e o segundo mais letal. Ele contou que em Manaus houve cinco grandes epidemias de malária desde os anos 60, e a cada vez que surgiu um novo episódio o número de pessoas afetadas aumentou muito, embora o número percentual de óbitos tenha sido drasticamente reduzido. “O vivax leva a mais co-infecções, como dengue e outras doenças graves”, relatou. A malária nas crianças prejudica o aprendizado, e nos idosos afeta também a cognição. “É uma doença que hoje não mata, mas prejudica o aproveitamento das crianças na escola. Não vamos nos desenvolver enquanto doenças como essas continuarem existindo no Brasil.”
 
A cerimônia de diplomação
 
Além do presidente e do diretor do INPA, a mesa de autoridades contou com a presença da secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Nadia DÁvila Ferreira destacou a importância da interação entre jovens talentos e cientistas sêniores, assim como da descentralização do conhecimento científico; o major Carlos Moreira Leite, do Comando Militar da Amazônia, manifestou o quanto considera importante o trabalho de conhecer mais a fundo a região amazônica, cumprimentando os Afiliados da ABC, a quem chamou de “garimpeiros do conhecimento”; o secretário-executivo da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT) Dalton Chaves Vilela Jr., agradeceu aos jovens diplomados pela dedicação ao trabalho de pesquisa, importante para a região, para o país e para o mundo.
 
 

Nadia DÁvila Ferreira, Jacob Palis, Adalberto Val,
Major Carlos Moreira Leite e Dalton Chaves Vilela Jr.
 
Adalberto Val agradeceu especialmente à Acadêmica Paula Schneider, que presidiu a Comissão de Seleção dos novos Membros Afiliados. Comentou o grande crescimento da pós-graduação na região amazônica, “que ainda tem muito que crescer, mas já possibilita que nossos filhos fiquem por aqui, assim como receber os filhos de outras partes do mundo”. O diretor do INPA fez uma agradecimento especial a Capes pelos programas de bolsas para todos os pós-graduandos e outros que não ocorrem em outras regiões do Brasil, assim como o apoio da entidade à criação de novos cursos de pós-graduação e a indução de tantos outros.
 
Val destacou a importância da criação da Fapeam, que vem tendo fundamental contribuição no crescimento da ciência na região Norte, assim como o apoio da SBPC e da ABC. “Com esse apoio, estamos dando um salto significativo em termos da qualidade da pesquisa feita na região, comparável muitas vezes não só a outros estados do Brasil como, em alguns casos, únicos no mundo. Para essa produção de informação robusta precisamos fixar mais recursos humanos qualificados na região e precisamos muito dos jovens pesquisadores de excelência para isso. Aos Afiliados, incentivou-os para que “lutem a boa luta: a luta por uma vida digna para nossa gente.”
 
Jacob Palis lembrou que essa foi sexta vez que ele celebrava esse momento de inclusão dos novos Membros Afiliados da ABC na região Norte e destacou a grande conquista que identificou na evolução notável da comunidade científica do Norte, “que saiu da desesperança para o vigor absoluto. A ABC agora está presente de forma pujante em todo o território nacional, com jovens pesquisadores comprometidos, envolvidos com suas atividades e valorizando a ciência feita em todos os cantos do Brasil, todos com o objetivo de contribuir com a ampliação do bem estar da nossa sociedade.”
 
Os novos membros foram saudados pelo Acadêmico Tetsuo Yamane, químico do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). Segundo ele, seu papel era o de dizer palavras sábias aos jovens cientistas que passaram a integrar a Academia. Preferiu, no entanto, transmitir as palavras sábias que aprendeu com os grandes mestres. Em 1952, o físico Richard Feynman, disse que “para pesquisa precisamos de humildade e honestidade”. Destacou que a inteligência do homem é limitada: ele consegue identificar as leis, os princípios da Física, que possibilita entender como a natureza funciona, mas não sabe por que funciona assim. “Achamos que ter instrumentos de ponta significa fazer pesquisa de ponta. Mas precisamos é de gente que saiba raciocinar. O futuro é de vocês e vocês são o futuro. Sejam bem vindos.”
 
A ABC e a inovação nos quadros científicos da ciência brasileira
 
Representando os recém-empossados, falou o novo Afiliado Marcus Vinicius de Lacerda. Agradeceu a ABC pela “imortalidade transitória” que ao grupo está sendo concedida, que fará com que seus nomes estejam ligados por cinco anos à entidade fundada em 1916, onde foram gestadas instituições como o CNPq, o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o próprio Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
 
Para Lacerda, este evento é mais uma reflexão sobre o passado e o futuro da ciência. “Inovar não significa apenas inventar novos produtos, mas criar novas maneiras de produzir velhos produtos; não apenas ter novas ideias, mas permitir que as novas ideias tenham assento nas mesas de decisão. Inovar também é fazer doce a transição entre o antigo e o novo, entre o conservador e o ousado, entre o velho e o jovem. Criando a figura do seu Membro Afiliado, fazendo com que o mestre reencontre o aluno que ajudou a formar, a ABC respira e promove inovação na ciência brasileira, no seu sentido mais amplo.”
 
 
Conheça os novos membros afiliados da ABC: