Entre os dias 30 de novembro e 3 de dezembro de 2009, a Academia Brasileira de Ciências promoveu a 3a Conferência Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe. Cientistas de diversas áreas do conhecimento se reuniram para discutir a ciência no continente. Em cada dia do evento, um especialista convidado deu um panorama da Ciência em seu país ou região e falou um pouco das expectativas para o futuro.

Ciência no Caribe

Harold Ramkisoon, matemático da University of West Indies de Trinidad e Tobago, falou da região do Caribe – Jamaica, Trinidad e Tobago e outras ilhas menores, Guianas e Suriname. A região é conhecida por suas belezas naturais e tem o turismo como uma das suas principais atividades econômicas, junto com a exportação de produtos primários. A população local não é muito grande, são 6,5 milhões de pessoas no total, e a região conta com uma certa estabilidade econômica. Ramkisoon destacou que Trinidad e Tobago, por exemplo, é um país rico, com um PIB per capita de US$21.669 e que Barbados ocupa o 31º lugar no ranking do índice de desenvolvimento (IDH).

No campo das ciências, entretanto, a região tem ainda muito o que avançar. Sua primeira universidade – University of West Indies, com unidades em vários países – tem apenas 60 anos e surgiu como um braço externo da University of London. A pesquisa é ainda mais recente, com 40 anos de existência e apenas dois países, – Jamaica e Trinidad e Tobago – têm um Ministério de Ciência e Tecnologia. No entanto, a região possui um grande potencial, já que seu ensino básico é muito bom e gratuito em todos os níveis. Ramkisoon citou os dois prêmios Nobel saídos da pequena ilha de Santa Lucia como prova disto: Arthur Lewis, Nobel de Economia em 1979, e Derek Walcott Nobel de Literatura em 1992.

O matemático apontou a falta de continuidade das políticas de apoio à pesquisa como principal obstáculo para o desenvolvimento cientifico caribenho. “Temos todas as bênçãos dos governos, mas nenhum dinheiro” brincou, lembrando que nenhum governo gastou mais de 0,3% de seu PIB em C&T. Para ele, isso ocorre porque os governos querem resultados imediatos e os benefícios destes investimentos são em longo prazo.

Ramkisoon também ressaltou a importância de uma maior cooperação entre os países do Caribe e a criação de uma Fundação Caribenha de Ciências (CSF, na sigla em inglês). Para o pesquisador, a produção ainda está muito concentrada na University of West Indies, que responde por 70% das publicações e, portanto, precisa ser melhor distribuída. Um dado preocupante apontado pelo palestrante foi a queda das publicações no último ano, que Ramkisoon atribuiu à economia aquecida, responsável pela absorção de mão de obra especializada. Como solução para este problema, o país está investindo numa maior atração de jovens para ciência: a 1ª Conferência Caribenha de Jovens Cientistas está prevista para acontecer em 2010, na Jamaica.

Otimista, o matemático concluiu dizendo que com a união entre vontade política, cooperação empresarial e o estabelecimento da Fundação Caribenha de Ciências será possível fazer com que a ciência promova o desenvolvimento econômico e social da região.

Ciência no México

No dia 1º de dezembro, foi a vez do neurocientista da Universidade Autônoma do México (UNAM), Ranulfo Romo, fazer sua apresentação. Ele descreveu o panorama das ciências no México -país que é atualmente a 11ª economia do mundo e responsável por 0,65% das publicações científicas do mundo.

Ao fazer um breve histórico da ciência em seu país, Romo lembrou que os Maias já eram grandes astrônomos e matemáticos. Entretanto esse conhecimento não foi aproveitado pelos colonizadores, que fundaram a primeira universidade no país no século XVI, com o objetivo de otimizar a produção de minerais. “Era uma universidade totalmente inspirada na de Salamanca, com um modelo bem escolástico”. Os primeiros institutos de pesquisa vieram muitos anos depois, entre a década de 40 e 50 do século passado.

Apesar do crescimento da produção científica nos últimos anos, o professor observa que ainda existem algumas falhas que devem ser corrigidas para a evolução do setor. A primeira delas é a concentração excessiva das universidades e institutos de pesquisas na Cidade do México, Romo ressalta que só a UNAM é responsável por quase 50% de toda pesquisa mexicana. O outro fator é o êxodo de pesquisadores: os mexicanos encontram as portas abertas em países desenvolvidos, onde acabam se fixando após cursarem doutorado, por exemplo. “Eles se sentem parte do Primeiro Mundo” especula, “mas alguns, como nós, querem fazer algo pelo nosso país”. O último fator abordado por Romo foi a desorganização política, antes justificada pela descontinuidade de apoio, devido aos diferentes governos, e agora pela descentralização dos fundos. O México investe 0,4% do PIB em C&T – menos que o 1%. recomendado pela ONU. Entretanto o professor diz que este não é o problema: “Dinheiro há, o que faltam são iniciativas. Isto porque os pesquisadores não sabem onde buscar o dinheiro, falta informação”.

A solução destes entraves é o que busca o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CONACyT, na sigla em espanhol), para fazer com que a ciência tenha um maior impacto sobre a sociedade mexicana. “Estamos bem, mas sempre poderíamos estar melhor. Se não investirmos em Ciência e Tecnologia sempre seremos um país de 3º ou 4º mundo”, conclui.

Ciência no Chile

O professor da PUC chilena Rafael Vicuña, doutorado em Biologia Molecular pelo Instituto Albert Einstein (Estados Unidos), representou o país. Ele começou comparando o Chile aos países desenvolvidos no que diz respeito aos aspectos econômicos e aos investimentos em C&T: “Ainda estamos bem atrás, mas sabemos onde queremos chegar”.

Para ele, um dos principais entraves para o desenvolvimento científico chileno é a alta rentabilidade gerada pela exportação de commodities, pois se o país ganha muito dinheiro com esta atividade simples, não dá valor ao conhecimento especializado. Uma iniciativa para mudar esse quadro foi tomada pelo ex-presidente Lagos, ao criar um imposto sobre a mineração para ser investido em inovação

O problema é que, no Chile, os recursos para inovação não vão para o CONICyT, pois o governo não faz a associação em ciência e inovação. Isto levou os cientistas a protestarem nas ruas de Santiago no ano passado. O evento, que repercutiu bastante na mídia local, tinha como intuito chamar a atenção do governo para a necessidade de se investir em ciência e, principalmente, na formação de pesquisadores. O protesto deu resultado e esse ano a diferença já foi sentida nos investimentos para o setor. Entretanto, um dos investimentos foi considerado muito polêmico pelos cientistas chilenos: o governo destinou mais dinheiro para a concessão de bolsas de doutorado no exterior do que dentro do Chile, sendo que o país possui programas equivalentes. “Nada garante que estes pesquisadores irão voltar”, salienta Vicuña, que ainda lamenta a falta de apoio do setor empresarial.

Entre as iniciativas que merecem destaque, o professor citou o Programa Explora e Iniciativa Milênio. O primeiro tem como objetivo aproximar a ciência da sociedade, levando-a para todas as regiões do país e para diversos setores da população. O segundo, muito elogiado por Vicuña, financia projetos de pesquisa, e se diferencia pelo foco na qualidade, não privilegiando uma área ou outra. “O pesquisador pode pesquisar o que quiser, desde que o faça bem e apresente resultados. É excelente”.

Ciência em Cuba

Encerrando o ciclo de palestras regionais, o hematologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Havana, Manuel Limonta, apresentou a situação cubana. Segundo ele, a ilha com 11 milhões de habitantes não possui muitos recursos naturais e tem como principal produto a cana de açúcar, desvalorizada no cenário mundial. A alternativa encontrada pelo governo do ex-presidente Fidel Castro foi a valorização dos recursos humanos, com educação de qualidade para todos. Para Limonta, o trabalhado desenvolvido durante anos por Fidel começa agora a ser sentido, com a diminuição das restrições à Cuba. “Isto porque ele foi capaz de enxergar a ciência como futuro”.

Atualmente, Cuba desenvolve pesquisas de ponta, principalmente na área de Medicina, na qual é considerada referência em todo o mundo. “Esta sempre foi uma área prioritária para o governo. Hoje temos um médico para cada 120 habitantes, a melhor taxa do mundo”. Além disto o país possui uma escola só para receber estrangeiros que desejem estudar em Havana.

As outras áreas em que Cuba se destaca são: Biotecnologia, Nanotecnologia e Tecnologia da Informação e da Comunicação. Existe um Pólo Científico do Oeste de Havana, que conta com diversas instituições de pesquisa. Isso não significa, porém, que a produção científica esteja concentrada: existem universidades e centros de pesquisa distribuídos por toda a ilha. Para demonstrar a importância da ciência para o país, Limonta relata que atualmente a Biotecnologia é a terceira principal atividade econômica de Cuba, atrás apenas do turismo e da exportação de produtos primários. Além disso, a ilha é responsável por um grande número de patentes e vacinas e pioneira no estudo de células-tronco para a medicina regenerativa.

Limonta apresentou algumas das pesquisas em andamento em Cuba que já tem demonstrado bons resultados. Ele se mostrou muito contente com o papel que a ciência desempenha em seu país e que seu país desempenha no cenário mundial das ciências. Além disso, ele vê maiores possibilidades de cooperação internacional agora. Como exemplo disso, citou um estudo para o tratamento de câncer que foi desenvolvido por cientistas cubanos e americanos e noticiado na imprensa cubana como o primeiro passo para o fim do embargo imposto a ilha.