O Brasil pode zerar suas emissões líquidas de gases do efeito estufa (GEE) até 2040. Essa é a conclusão do estudo “Brazil Net-Zero By 2040”, coordenado pelo Instituto Amazônia 4.0 e liderado por cientistas climáticos brasileiros, entre eles os Acadêmicos Carlos Nobre (USP), Mercedes Bustamante (UnB) e Roberto Schaeffer (UFRJ). O trabalho foi lançado no dia 5 de novembro, na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro. A proposta visa subsidiar cientificamente a intenção expressa pelo presidente da República durante o G20 de 2024 e pode tornar um Brasil um modelo de soluções em sustentabilidade para outras nações.
Os cientistas apontam dois caminhos para adiantar a meta climática do país em dez anos. O primeiro compreende um esforço maior do setor de agricultura, florestas e uso da terra (AFOLU 2040). Já o segundo foca numa transição energética robusta (Energy 2040), com a eliminação da produção de petróleo e gás e a adoção de uma matriz energética que mistura renováveis e outras energias limpas.
A motivação por trás do estudo está no fato de que novas evidências sugerem que, no ritmo atual, o planeta deverá atingir a marca de 1,5°C acima do período pré-industrial de forma permanente já em 2035. O problema é que as metas voluntárias assumidas pelos países no Acordo de Glasgow preveem atingir o net-zero apenas em 2050, o que pode ser tarde demais.
“Estudos indicam que se demorarmos até 2050 atingiremos 2°C ou até 2,5°C. Se passarmos de 2°C dispararemos vários dos pontos de não-retorno do planeta. Por exemplo, extinguiremos todos os recifes de corais e toda sua biodiversidade associada, derreteremos o Permafrost e as geleiras da Groenlândia. E perderemos a Amazônia”, alertou Carlos Nobre, que é uma das vozes mais importantes sobre mudanças climáticas no planeta e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.
Para a maioria dos países, zerar as emissões líquidas de GEE significa parar de emitir gás carbônico (CO2), mas não para o Brasil. É o que explica o engenheiro Roberto Schaeffer, professor do Departamento de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ.
“O Brasil é peculiar porque um terço de sua emissão não é CO2, é metano (CH4) e óxido nitroso (N₂O), que não são facilmente zeráveis. Você não zera a emissão de metano de um gado bovino. Pro Brasil ser net-zero significa se tornar negativo em CO2, ou seja, absorver mais do que emitir. É um desafio único e por isso precisamos adiantar nossa meta”, disse.
O trabalho utilizou o modelo Brazilian Land Use and Energy System Model (BLUES) para simular os dois cenários alternativos e também o cenário atual das metas brasileiras até 2050. Desenvolvido pela COPPE, a ferramenta possui um alto grau de detalhamento, com mais de 40 mil opções entre técnicas e tecnologias disponíveis para que o modelo teste cenários ótimos, agregando dados de vários setores econômicos e também fatores macroeconômicos do Brasil e sua inserção no mercado internacional.

No cenário baseado em agricultura, florestas e uso da terra (AFOLU), as prioridade são acabar com o desmatamento de áreas nativas até 2030 e aumentar fortemente o reflorestamento e a restauração, estimulando a agricultura sustentável, os sistemas agroflorestais e o manejo integrado do solo. Esse cenário trabalha com uma remoção mais intensa de GEE da atmosfera, deixando margem para que os combustíveis fósseis continuem compondo 46% da matriz energética brasileira em 2040, com uma redução mais intensa apenas após esse período.
Para a ecóloga Mercedes Bustamante, esse é o modelo mais realista porque as soluções baseadas na natureza em que ele se apoia já estão disponíveis e em escala para implementação. Especialista no bioma Cerrado, onde está situado a maior parte do setor agro nacional, ela enfatiza que não é necessário ao Brasil abrir mais nenhum metro quadrado de mata nativa.
“Quando consideramos só as áreas de pastagem degradada, aquelas que tem melhor aptidão para a soja e também para a restauração, ainda temos terra suficiente pra dobrar a produção. É possível aumentar a produção sem abrir novas áreas e isso só não se concretiza porque não temos um controle mais rigoroso sobre o desmatamento”, defendeu.
Já no cenário com foco em energia o objetivo é descarbonizar intensamente a matriz energética brasileira, com investimentos em eletrificação e, sobretudo, biocombustíveis com captura e armazenamento de carbono (BECC), principalmente o etanol. Os biocombustíveis compensam os GEE emitidos na queima com a absorção e estocagem de biomassa durante o cultivo da matéria-prima. Nesse cenário, os materiais baseados em carbono também são impulsionados, pois representam uma alternativa a mais de estocagem desse elemento.
Nesse cenário, haverá uma antecipação no término dos combustíveis fosseis, com consequências para o setor de óleo e gás. Uma das implicações se dá na prospecção e exploração de petróleo na foz do Amazonas.
“Imaginando que exista o petróleo, são 10 anos para começarmos de fato a exploração. Considerando uma eliminação dos combustíveis fósseis até 2040, não haveria nem tempo do projeto se pagar”, disse Schaeffer, que refletiu sobre o posicionamento público do setor de óleo e gás. “Essas empresas deveriam ser as maiores defensores das florestas, porque são elas que os permitiriam aterrissar mais lentamente”.
Ambos os cenários demandam coordenação intersetorial e os incentivos corretos por parte do governo. Para a professora Nathalia Nascimento, do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) e uma das líderes do estudo, não se trata necessariamente de escolher um de dois caminhos, mas de opções num gradiente entre os dois. “A provocação de construirmos esses diferentes cenários é mostrar que é possível, mas podemos trabalhar com os dois. O estudo é bastante técnico mas é também uma mensagem de esperança”, afirmou.
Outro autor do estudo, o engenheiro Gerd Angelkorte, pesquisador do Laboratório Cenergia da COPPE, lembrou que o setor agro é protagonista em ambos os cenários. “Biocombustíveis só existem com um agro forte. Precisamos do setor andando junto e não contra. Todos os cenários colocam o Brasil como grande exportador de commodities, levam em conta a inserção do país no mundo. Também consideram a exportação de biocombustíveis, que tem valor agregado maior”.
Ambos os cenários trabalham com o fim do desmatamento até 2040. “É importante zerar o desmatamento não apenas pelas mudanças climáticas mas pela perda de biodiversidade e também porque já estão surgindo as primeiras epidemias amazônicas, conforme a sociedade invade a floresta. A Fiocruz já mapeou 48 zoonoses com potencial epidêmico e até pandêmico. Alguns desses vírus tem transmissão similar ao da covid-19”, alertou Carlos Nobre.
Por fim, o engenheiro e pesquisador da Embrapa Eduardo Assad lembrou que, apesar de não estar no radar a eliminação total do metano, sua redução é factível sobretudo com inovações pecuárias que permitam reduzir a idade de abate dos bovinos. A vantagem de se trabalhar a redução do metano é que esse gás permanece apenas nove anos na atmosfera, ao contrário dos 150 anos do CO2, o que gera resultados muito mais rápidos.
Assista ao lançamento na íntegra:
Leia o relatório completo:
Confira a repercussão na mídia:
Superinteressante
O Brasil tem capacidade de zerar emissões até 2040. Conheça dois caminhos possíveis
A conclusão é de um relatório publicado hoje (5) pelo Instituto Amazônia 4.0. Ele propõe alternativas baseadas em reflorestamento e transição energética.
Correio Braziliense
Brasil pode zerar emissões de carbono até 2040, aponta estudo
Pesquisa do Instituto Amazônia 4.0 propõe antecipar em uma década a meta de neutralidade climática com foco em restauração florestal e transição energética
Jornal da USP
Exemplo no Sul Global: Brasil pode adiantar em dez anos meta de zerar emissões do efeito estufa
Estudo propõe caminhos para neutralidade climática brasileira nos próximos anos, por meio da agricultura, florestas, uso da terra e transição energética. Sucesso exige coordenação intersetorial.
Jornal de Brasília
Brasil pode antecipar para 2040 a neutralidade de emissões de CO2
A pesquisa utilizou na sua concepção o modelo de análise integrada Brazilian Land Use and Energy System Model.
