No dia 3 de novembro, a bioquímica Alicia Kowaltowski, titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professora da Universidade de São Paulo (USP), participou de um painel da 43ª Conferência Geral da UNESCO, que está sendo realizada em Samarcanda, no Uzbequistão.
O painel convidou os participantes e o público a refletirem sobre como o trabalho da UNESCO deve evoluir para enfrentar os desafios do presente. Pedindo uma “diplomacia da verdade” e um compromisso por investimentos mais fortes no desenvolvimento de pensamento crítico, Kowaltowski esteve ao lado dos professores Michael Ignatieff, historiador da Universidade Centro Européia de Viena, Áustria, e Svein Stølen, ex-reitor da Universidade de Oslo, Noruega.

Em suas intervenções, a professora primeiro abordou a desinformação científica, cujos efeitos perigosos já são quantificados, por exemplo, no crescimento da hesitação vacinal brasileira, país historicamente bem-sucedido em campanhas nacionais de imunização. Kowaltowski chamou atenção para o fato de que 70% de toda a desinformação sobre ciência atual ter origem em apenas 12 personalidades globais de enorme impacto no debate público.
Identificado em 2001 por um relatório do Center for Countering Digital Hate, organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos, o grupo recebeu até um apelido: Disinformation Dozen. O trabalho ganhou notoriedade e contribuiu para que plataformas digitais suspendessem as contas responsáveis pela desinformação, mas esse processo retrocedeu e a maior parte dos atores já recuperou suas contas. Um dos integrantes do grupo é hoje secretário de saúde dos EUA.
“À princípio, combater a desinformação científica pode parecer um trabalho dantesco, pela quantidade de pessoas espalhando esses conteúdos. Mas o que vemos é que a origem está em poucos atores, podemos ir atrás deles”, argumentou Kowaltowski.
Outro ponto de suas falas foi o impulso atual para a ciência e dados abertos, área na qual considera que o mundo não está fazendo o suficiente. A professora reforçou alertas que já vem fazendo há anos, de que grandes editoras de ciência estão usando da transição para deslocar o custo todo para os cientistas que publicam seus trabalhos, gerando taxas de processamento de artigos (APC, da sigla em inglês) exorbitantes, chegando aos R$ 60 mil. Preços como esse inviabilizam completamente a publicação por cientistas de países em desenvolvimento.
“A solução, eu acredito, são os repositórios públicos de pre-prints, como na biologia temos o BioRxiv. Mas este está sob os cuidados de uma só instituição, o Cold Spring Harbor Laboratory, o que o torna frágil e suscetível a flutuações de orçamento, por exemplo. Estar sob o guarda-chuva de muitas organizações, de muitos lugares, protegeria esses conteúdos muito melhor. Sobre os dados, precisamos de bases de dados muito maiores e organizadas, que de novo, seriam muito mais seguras se fossem sob o guarda-chuva de organizações multiculturais. Acredito que a UNESCO poderia contribuir muito nisso”, sugeriu.