A mais recente edição do curso de Diplomacia Científica da Academia Mundial de Ciências (TWAS, na sigla em inglês) e da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) foi uma oportunidade rara para integrar ciência e políticas públicas orientadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS/SDGs) das Nações Unidas.
Os participantes são escolhidos em pares com um cientista e um tomador de decisão (policy maker). São dez pares, ou seja, 20 selecionados entre mais de 800 inscrições. Um deles foi Clécio De Bom, membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que é professor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e lidera o Laboratório de Inteligência Artificial Aplicada (Labia). Clécio formou par com o físico e diplomata de carreira Ernesto Mané Jr., escritor brasileiro e guineense, cuja participação ganhou relevo tanto pela trajetória em ciência de fronteira quanto pela defesa de uma cooperação internacional mais voltada à soberania tecnológica.
Ao longo do programa, módulos práticos e painéis com diplomatas, gestores e pesquisadores exploraram desde negociação multilateral e desenho regulatório até mecanismos de financiamento e governança para ciência aberta. “A conexão com organismos multilaterais, como a Unesco, e com formuladores de políticas públicas ampliou nosso conhecimento sobre como transformar evidência científica em ação pública, com foco em agendas como segurança alimentar, recursos hídricos, saúde universal e transição digital”, relatou o físico.
De Bom enfatizou a importância estratégica de reposicionar a cooperação Sul–Sul. Em sua avaliação, ainda há excesso de foco em problemas ligados a recursos naturais, enquanto tecnologias emergentes — como computação de alto desempenho, IA e plataformas abertas — seguem menos exploradas como vetores de competitividade e desenvolvimento sustentável. “É grande o risco de dependência tecnológica quando a infraestrutura de ponta permanece concentrada em grandes empresas globais. As iniciativas de cooperação devem priorizar investimentos compartilhados, formação de quadros e infraestruturas digitais que reduzam assimetrias”, defendeu o Acadêmico.
Ele ainda resgata um ponto sensível para o Sul Global: a histórica distinção entre ciências experimentais (mais custosas) e teóricas já não protege a produção de conhecimento, porque restrições de hardware e poder computacional hoje afetam igualmente a pesquisa teórica. De Bom avalia que, nesse cenário, limitar-se à teoria significaria abrir mão de competitividade tecnológica e de autonomia para formular políticas baseadas em evidências.
“O que o curso da TWAS-AAAS oferece é justamente o repertório para discussões que permitam uma mudança de paradigma “, apontou Clécio de Bom. “É nos fazer sair do papel reativo frente às assimetrias entre Norte e Sul global e pensar proativamente o futuro científico e tecnológico, alinhando diplomacia, ciência e desenvolvimento”, resumiu o físico. Para ele, a iniciativa TWAS–AAAS habilita lideranças científicas a negociar, aconselhar e acompanhar políticas alinhadas aos ODS, quando aproxima pesquisadores das instâncias decisórias e da arquitetura multilateral, com impacto mensurável e foco em desenvolvimento sustentável e soberano.