Leia artigo de Marcus Fernandes Oliveira, professor titular do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro afiliado da ABC eleito para o período 2014-2018, e Marcos T. Oliveira, professor associado do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP). Foi publicado originalmente no site The Conversation:
A ciência brasileira vive uma encruzilhada estratégica. Ao longo da última década, o setor enfrentou um cenário de forte contração orçamentária e desfinanciamento crônico, colocando em risco décadas de progresso e a capacidade do país de gerar conhecimento, tecnologia e soberania. Manter a produção científica qualificada em um ecossistema de poucos recursos financeiros não é apenas um desafio, mas uma questão de sobrevivência para a inovação nacional.
Diante desta realidade, a busca por modelos de pesquisa que otimizem cada real investido torna-se imperativo. É neste contexto que a adoção de modelos animais e plataformas de pesquisa mais rápidas, baratas e igualmente poderosas surge como uma solução vital.
Neste cenário de urgência, a pequena espécie de mosca Drosophila melanogaster, popularmente conhecida como drosófila ou mosca-das-frutas, emerge como uma protagonista inesperada. Enquanto o público leigo a vê como um incômodo, a comunidade científica internacional a reverencia como um modelo biológico extraordinariamente poderoso, responsável por seis prêmios Nobel e avanços revolucionários. No Brasil de hoje, promover seu uso não é apenas seguir uma tendência global, mas adotar uma ferramenta de resiliência científica, capaz de manter a chama da descoberta acesa mesmo com recursos limitados.
Poder genético e relevância humana
O que faz de um inseto de poucos milímetros um modelo tão valioso para estudar a biologia humana? A resposta está em nosso passado evolutivo. Cerca de 75% dos genes conhecidos por causarem doenças em humanos possuem um gene correspondente (homólogo) na drosófila. Isso significa que processos biológicos fundamentais — desenvolvimento, proliferação celular, envelhecimento e comunicação neural — são controlados por mecanismos genéticos e moleculares surpreendentemente semelhantes.
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Portanto, um passo decisivo para reverter este quadro repousa sobre as agências de fomento brasileiras, como o CNPq, a CAPES e as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estaduais. É imperativo que estas instituições assumam um papel protagonista na promoção estratégica da Drosophila.
A criação de editais específicos não seria apenas um incentivo, mas uma declaração de política científica. Tais chamadas iriam otimizar o uso de recursos públicos, apoiar uma nova geração de cientistas e acelerar a pesquisa nacional.
Investir no uso ativo da Drosophila como modelo animal é semear um ecossistema de inovação biomédica ágil, resiliente e competitivo, fortalecendo o alicerce científico essencial para transformar a realidade e a soberania do Brasil.