Acadêmicos comentam evento Vozes da Ciência e destacam pontos principais

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Nos dias 22 e 23 de maio, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para a Ciências (SBPC) realizaram o seminário “Vozes da Ciência: Contribuições para a Estratégia Nacional e Plano Decenal de CT&I 2026–2035”. O objetivo foi discutir e pressionar para que as propostas contidas no Livro Violeta, compilado após a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), sejam transformadas em uma estratégia nacional para o setor. Durante a abertura, a ministra de CT&I, Luciana Santos, se comprometeu com a criação de um grupo de trabalho voltado para isso.

Durante as oito mesas-redondas, cujos principais destaques você confere aqui, ficou clara a necessidade de reforçar o orçamento do setor científico nacional, que vem sofrendo com restrições há mais de uma década. Em sua fala de abertura, a presidente da ABC, Helena Bonciani Nader, voltou a repetir que as áreas de ciência e educação precisam ficar de fora do  arcabouço fiscal se o país quiser impulsionar sua pesquisa e inovação até níveis competitivos.

Após o evento, a Comunicação da ABC conversou com Nader e com os Acadêmicos Sergio Machado Rezende e Anderson Gomes, duas lideranças da 5ª CNCTI, para que estes destacassem seus pontos principais. Confira:

Helena Nader: “A ciência não está sendo ouvida nos debates nacionais”

Helena Nader

Para a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a biomédica Helena Nader, o objetivo do evento foi reativar a discussão em torno de uma estratégia nacional de ciência e um plano de ação para os próximos dez anos. “Um plano não é uma garantia de financiamento, mas não tê-lo significa uma ausência de direcionamento do Estado brasileiro sobre para onde deve ir o país. A ideia do Vozes é dizer que a ciência está aqui”.

Nader criticou a ausência de representantes científicos em debates importantes que passam a toque de caixa no Congresso Nacional. “Eu trabalhei no Código Florestal enquanto era presidente da SBPC, não foi o melhor do mundo, mas poderia ter sido muito pior. Agora o Senado aprovou uma mudança radical no licenciamento ambiental que vai prejudicar ainda mais o país, isso é falta de visão estratégica. O agronegócio e o mercado financeiro não estão percebendo que a economia brasileira é dependente da ciência. O agronegócio não existiria se não fosse a ciência. Hoje já há ciência suficiente para intensificar a produção agropecuária sem desmatar”.

Ações do Executivo também foram alvo de críticas da presidente da ABC. “Os ministérios não estão ouvindo a ciência, e não só o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Um dos problemas levantados no Vozes foi a possibilidade de que pesquisadores contratados para unidades de pesquisa vinculadas ao MCTI sejam selecionados através do Concurso Nacional Unificado (CNU). Institutos de ciência têm especificidades que não são resolvidas por uma prova geral”, alertou.

Um relatório de 2024 produzido pela Clarivate, empresa mantenedora da plataforma Web of Science, colocou o Brasil como o 13º maior produtor de ciência no mundo. A posição no ranking permaneceu estável, mas a curva de crescimento se inverteu desde 2021, com o país apresentando queda na produção. “O Brasil não vai poder fazer tudo. Teremos que continuar fazendo ciência básica mas precisaremos selecionar as áreas principais de atuação na inovação. Um desafio que deveríamos apostar é no estudo da biodiversidade brasileira em toda a sua forma”, sugeriu Nader.

Sergio Rezende: “Formação do grupo de trabalho é a notícia mais importante do evento”

Sergio Machado Rezende

O Acadêmico e ex-ministro de CT&I Sergio Rezende, secretário-geral da 5ª CNCTI, celebrou o anúncio da ministra sobre a formação de um grupo de trabalho para formular a estratégia nacional. “Essa é a notícia mais importante do evento. Agora precisamos que as instituições que forem escolhidas para fazer parte desse grupo indiquem seus representantes o mais rápido possível”, enfatizou.

A expectativa do Acadêmico é de que seja um grupo multiministerial que se debruce sobre as recomendações do Livro Violeta e as estratégias nacionais anteriores, das quais muita coisa ainda não saiu do papel. Ele faz questão de diferenciar “estratégia” de “plano” e separar as atribuições de cada peça nesse tabuleiro. “Para se ter um plano pressupõe-se que há uma estratégia, com áreas prioritárias e linhas de ação consideradas importantes. Depois que se faça um plano para cada dois ou três anos, estabelecendo orçamentos e definindo metas, isso é com o governo. O que queremos fornecer é a estratégia”, afirmou.

Rezende defende que o país tenha como objetivo chegar aos 2% do PIB investidos em ciência, e bate na tecla de que o investimento privado é o que mais está ausente para fecharmos essa conta. “Há uma forma de o governo induzir o investimento privado, através de instituições como a Finep e o BNDES”. Quanto ao fomento oriundo do FNDCT, administrado pela Finep, o ex-ministro lembrou que o conselho diretor do fundo já votou pelo aumento na porcentagem dos recursos não-reembolsáveis, que são alocados na forma de transferência direta e não de crédito, mas essa demanda foi ignorada pelo governo. “O plano é uma oportunidade de começar a aumentar os não-reembolsáveis, estabelecendo metas a serem atingidas de forma gradual”.

Na conversa, o Acadêmico também abordou a situação orçamentária das universidades, que vem recuando ano após ano. Recentemente, um decreto da Presidência da República restringiu a 60% a quantidade do orçamento que órgãos do governo poderiam usar até novembro, o que caiu como uma bomba nas universidades. Em reunião na última terça-feira, entretanto, essas instituições foram retiradas desse limite. “O presidente Lula foi um grande apoiador das universidades em seus governos anteriores, tenho certeza que ele entende que esse orçamento precisa ser recomposto”, observou Rezende.

Anderson Gomes: “Precisamos de um plano que seja independente do governo de turno”

Anderson Gomes

O físico Anderson Gomes, vice-presidente da ABC para a regional Nordeste & Espírito Santo, atuou como secretário-geral adjunto da 5ª CNCTI, liderando as discussões ao lado de Sérgio Rezende. Ele afirma que o livro violeta foi planejado para ser uma construção coletiva em constante atualização. “O livro traz 145 recomendações prioritárias, caberá ao grupo de trabalho da estratégia nacional se atentar a elas”, disse.

“Alguém comentou comigo que ‘o livro está muito bom, pena que estamos nessa crise fiscal’. É justamente por isso que temos que tirar a ciência e a educação dos limites do arcabouço, senão não tem jeito. Continuaremos batalhando para que a ciência seja o motor da economia do país. Se quisermos estar, daqui a 30 anos, onde a China está hoje, precisamos começar a fazer o que eles fizeram 30 anos atrás”, defendeu.

Para o Acadêmico, o Brasil precisa recuperar sua infraestrutura científica e descentralizar recursos, fazendo com que a formação de recursos humanos continue se interiorizando. Nesse contexto, o papel das universidades precisa ser repensado. “As universidades são um ponto bem mais polêmico. Precisamos de uma reforma para que se tornem mais amplas do são hoje, estamos em outro momento histórico. Mas, de novo, sem a infraestrutura não adianta nada”, afirmou.

Em sua fala de abertura no Vozes, Anderson Gomes sugeriu a criação de novos fundos setoriais para além do FNDCT, que hoje garante a sobrevivência de boa parte da ciência brasileira. “O agro é um setor que poderia ter mais fundos setoriais voltados para a pesquisa. Tivemos o exemplo da premiação de Mariangela Hungria com o World Food Prize, mostrando que ciência básica vira desenvolvimento econômico. Os bancos também poderiam contribuir mais, assim como outros grandes setores da economia. Recursos existem, falta vontade política”, detalhou em entrevista.

“Quando pensamos que a última conferência havia sido a 14 anos atrás, podemos pensar que dez anos não são nada. Ao mesmo tempo, em dez anos um menino que está hoje no fundamental termina o ensino médio e sai da escola sem aprender nada. É uma geração que se perde. O que precisamos é de um plano independente de governo, que nos diga o que pretendemos gastar e onde pretendemos chegar”, resumiu o Acadêmico.

Saiba mais sobre o evento:

Vozes da Ciência discute recomendações para uma estratégia nacional de CT&I
Confira os principais pontos dos dois dias de discussões de evento organizado por ABC e SBPC para dar continuidade ao trabalho da 5ª Conferencia Nacional de CT&I.

(Marcos Torres para ABC, 29/05/2025)