Vozes da Ciência discute recomendações para estratégia nacional de CT&I

Compartilhar
Compartilhar
Compartilhar
Compartilhar

Nos dias 22 e 23 de maio, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para a Ciências (SBPC) realizaram o seminário “Vozes da Ciência: Contribuições para a Estratégia Nacional e Plano Decenal de CT&I 2026–2035”. O objetivo foi discutir e pressionar para que as propostas contidas no Livro Violeta, compilado após a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), em 2024, sejam transformadas em uma estratégia nacional para o setor.

Confira os principais pontos das oito mesas de debate. Elas podem ser assistidas na íntegra, pelo canal da SBPC no YouTube.

Mesa 1: Ciência Básica: Alicerce para um Brasil Justo e Competitivo

Helena Nader (ABC), Aldo Zarbin (UFPR), Ricardo Galvão (CNPq), Anderson Gomes (CGEE), Fernanda Sobral (SBPC)

  • A ciência de base foi o que possibilitou o crescimento de setores potentes da economia nacional, como o agronegócio e a aviação. Seu financiamento deve ser expandido e garantido, independente de governo.
  • Porcentagem dos recursos não-reembolsáveis do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), ou seja, aqueles recursos concedidos de forma direta e não como crédito, deve ser aumentada. Isso já foi deliberado no Conselho Diretor do fundo, mas não foi implementado.
  • O programa dos Institutos Nacionais de Ciências e Tecnologia (INCT) são a principal forma de fomento à pesquisa em redes temáticas, com grupos em todo o território nacional. Dessa forma, ajuda a interiorizar a ciência e combate assimetrias regionais. O programa deve ser fortalecido. Há muitos projetos que foram aprovados na análise técnica, mas não receberam recursos por falta de orçamento. Há uma demanda e uma capacidade de produção de ciência represada.
  • Editais universais são a forma mais democrática e adequada de financiamento à pesquisa básica, mas estão diminuindo. É preciso aumentar o número e a quantidade de recursos desse tipo de chamada.
  • O atual governo criou programas de incentivo ao retorno e fixação de pesquisadores atualmente no exterior. É preciso criar programas semelhantes para incentivar a fixação de pesquisadores no interior do país.
  • As universidades públicas são instituições cruciais do sistema científico nacional, mas a imensa maioria delas segue o modelo de universidade de pesquisa, que pressupõe um nível de investimento por aluno incompatível com o nível necessário de expansão do ensino superior público. Isso faz com que hoje a maior parte dos estudantes esteja sendo formada por universidades particulares. É preciso pensar em novos modelos de universidades públicas com foco apenas no ensino.
  • É necessária a criação de novos centros interioranos focados em áreas estratégicas, possibilitando formação e capacitação de uma diversidade maior de pessoas por todo o território nacional.
  • É urgente a criação de novos fundos setoriais para ciência e tecnologia com contribuições de setores pujantes da economia, como o agro e o setor bancário.
  • Tudo isso requer investimento. Para aumentar a transferência de recursos, é preciso também trabalhar em transparência e fortalecer as avaliações periódicas.

 

 

Mesa 2: Pesquisa Aplicada e Saberes Tradicionais para Inovação Sustentável

Mercedes Bustamante (UnB), Patricia Muniz de Medeiros (Ufal), Marlucia Martins (UFPA), Márcia Barbosa (UFRGS)

  • Brasil ainda pesquisa muito pouco sobre os conhecimentos das populações tradicionais e indígenas. Fazemos muito mais ciência sobre a biodiversidade do que sobre a sociodiversidade de nosso país.
  • É preciso gerar mais conhecimento sobre a relação da sociobiodiversidade com a promoção de serviços ecossistêmicos cruciais. Para isso, precisamos criar mais grupos interdisciplinares e capilarizados, com diagnóstico e monitoramento regionalizados.
  • É importante implementar e fortalecer políticas de pagamento por serviços ambientais. Para isso, é preciso padronização de protocolos, métricas e indicadores, engajamento das comunidades e fortalecimento de mecanismos de governança.
  • Formação de pessoas é necessária para todos esses processos. É preciso priorizar a formação em regiões mais interiorizadas e menos desenvolvidas, já trazendo no processo a valorização dos conhecimentos tradicionais e gerando capacidade de profissionalização qualificada.
  • É preciso investir na criação de plataformas que integrem dados de institutos de pesquisa, associações de comunidades indígenas, quilombolas ou ribeirinhas, setor privado, governo e países vizinhos. Atualmente os dados, sobretudo sobre a Amazônia, ainda estão muito pulverizados.
  • Valorizar os saberes tradicionais, entendendo-os não como algo estático, mas como epistemologias que estão em constante evolução, é básico. Muito do que sabemos hoje sobre a prática da agroflorestal, por exemplo, vem da observação dos povos tradicionais.
  • Valorizar, no caso, significa também incentivar formação acadêmica de indígenas, quilombolas e ribeirinhos através de cotas e mecanismos de permanência, inserindo-os em redes de colaboração e intercâmbio e estreitando laços entre instituições científicas e associações comunitárias.
  • É preciso ficar claro para todos que o que se deve fazer é reconhecer os direitos territoriais e autorais das comunidades e de seus representantes, entendendo-os como parceiros e não como objeto de estudo.
  • A criação de mecanismos para a valorização das contribuições feitas por mulheres indígenas, quilombolas e ribeirinhas é um ponto importante, reconhecendo o papel fundamental destas como guardiãs dos saberes tradicionais.

 

 

Mesa 3: Articulação e Sustentabilidade das Unidades de Pesquisa do MCTI

José Roque (CNPEM), Marcio Portes de Albuquerque (CBPF), Álvaro Toubes Prata (Embrapii), Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos (SBPC)

  • Unidades de Pesquisa (UP) e Organizações Sociais (OS) vinculadas ao MCTI tem atuação estratégica no enfrentamento aos grandes desafios nacionais, contribuindo para a realização de pesquisa aplicada e formação de pessoas, e precisam ser mais valorizados.
  • A coordenação desses órgãos dentro do MCTI deve ser fortalecida, com maior capacidade orçamentária e de definição de políticas.
  • Uma UP vinculada ao MCTI é diferente de um departamento de uma universidade. Na universidade, o principal é a liberdade científica, enquanto na UP existe uma missão prioritária que deve direcionar esforços de forma mais coordenada.
  • Unidades de pesquisa estão perdendo pessoal e falta uma política concreta de substituição daqueles que se aposentam. A ideia de contratação para esses órgãos a partir do Concurso Nacional Unificado (CNU) é ruim, pois esses cargos requerem habilidades muito específicas que não são contempladas por uma prova geral.
  • O modelo das OS permite maior autonomia para contratação e alocação de recursos, mas é dependente de repasses condicionados, portanto tem menor estabilidade. É preciso analisar caso a caso para entender quais UP se beneficiariam de uma transição para OS e quais funcionam melhor no formato atual.
  • Exemplo internacional mostra que unidades de pesquisa precisam de orçamento comparável ao de universidades, mas estes não devem competir por recursos entre si. A organização dessas unidades dentro de grandes organizações “guarda-chuva” separadas por área também auxilia na coordenação e tomada de decisão.
  • Mecanismos de colaboração entre UP e OS, universidades e setor privado são essenciais. Estas devem atuar como nós estruturantes de redes de pesquisa e inovação. Plataformas multiusuário e laboratórios compartilhados, permitindo a participação de universidades e empresas, dão mais dinamismo ao sistema, desde que existam regras claras quanto ao seu uso e a publicidade de seus resultados.
  • Marco Legal de CT&I foi um grande avanço, sendo um exemplo de legislação autorizativa e não proibitiva. Entretanto, ainda é preciso maior entendimento e disposição dos órgãos controladores para permitir que instituições e pesquisadores utilizem o Marco em todo o seu potencial.
  • Orçamento do MCTI e do FNDCT está cada vez mais restrito, é preciso que outros ministérios e atores estaduais e municipais participem do financiamento às unidades de pesquisa.

 

 

Mesa 4: Formação de Recursos Humanos e Expansão das Universidades

Jorge Audy (PUC-RS), Vinicius Soares (ANPG), Denise Pires de Carvalho (Capes), Ado Jório de Vasconcelos (UFMG)

  • Ainda é preciso expandir os programas de pós-graduação se quisermos combater as assimetrias regionais.
  • Na ciência e educação, continuidade é mais importante do que volume de recursos.
  • Valores das bolsas de pós-graduação ainda estão defasados e não são atrativos para que jovens ingressem na carreira científica. É preciso aumentar os valores e garantir direitos trabalhistas e previdenciários aos pós-graduandos.
  • Além disso, falta de perspectiva de emprego e engessamento do modelo atual de pós-graduação contribuem para a queda na procura por um mestrado/doutorado.
  • São necessários incentivos para a contratação de mestres e doutores e co-participação do setor privado nos projetos de pós-graduandos.
  • Temos um problema na absorção de mestres e doutores fora do setor acadêmico, é preciso que a pós-graduação esteja conectada com o que demanda o mercado de trabalho.
  • O Brasil é o 13º país do mundo em produção de ciência, mas apenas o 50º em inovação. Nenhum país do mundo é tão díspar nessas duas colocações. É preciso criar métricas e avaliações específicas sobre a inovação no sistema nacional de CT&I.
  • É preciso fortalecer os parques tecnológicos e incubadoras de empresas. Oito das dez maiores empresas do mundo nasceram dentro de parques tecnológicos.
  • Fortalecer e facilitar os mecanismos para criação de empresas dentro das universidades, sobretudo startups na fronteira tecnológica., é fundamental.
  • É preciso criar um mix de incentivos, inclusive culturais, para que nossos jovens abram empresas e criem novos modelos de negócio.
  • O formato atual das universidades não incentiva estruturas facilitadoras da inovação.

 

 

Mesa 5: Mudanças Climáticas, Meio Ambiente e Desenvolvimento Nacional

Paulo Artaxo (SBPC), Marina Hirota (UFSC), Antonio Miguel Monteiro (Inpe), Luiz Davidovich (UFRJ)

  • O Brasil é um país particularmente vulnerável às consequências das mudanças climáticas. Secas maiores no Brasil Central afetam o agronegócio e a geração de energia hidrelétrica. Aumento das chuvas no Sul tornará enchentes como as de 2024 cada vez mais frequentes. Transição do semi-árido para árido no sertão pode gerar refugiados climáticos.
  • O Brasil também tem vantagens únicas no mundo para fazer a transição energética. País é o único que pode acabar com mais da metade de suas emissões apenas coibindo o desmatamento.
  • O potencial eólico e solar do Brasil é enorme e ainda pouco explorado.
  • A estruturação e fortalecimento do mercado de créditos de carbono tem um grande potencial de geração de renda no Brasil.
  • A redução de 61% no desmatamento dos últimos três anos mostra que é possível alcançar resultados quando as instituições funcionam.
  • Não adianta se escorar em ciência feita no exterior. Cada região e bioma do país demanda pesquisas e soluções específicas.
  • É preciso criar indicadores econômicos e métricas apropriadas às bioeconomias da Amazônia, elas não podem ser avaliadas sob a mesma régua de atividades destrutivas.
  • Ainda conhecemos muito pouco sobre as cadeias bioeconômicas, é preciso fazer mais pesquisa sobre o tema.

 

 

Mesa 6: Ciência para Combater as Desigualdades, a Fome e a Miséria

Renato Janine Ribeiro (SBPC), Reinaldo Guimarães (Abrasco), Carlos Gadelha (CEIS), Samuel Goldenberg (Fiocruz)

  • É preciso maior integração da CT&I com outros setores da sociedade e da política, e participação dos cientistas no desenho de políticas públicas sólidas.
  • Acabar com a miséria depende de políticas sociais sólidas, em especial voltadas à educação. É preciso superar a ideia da educação como mercadoria e voltar a compreendê-la como direito.
  • O Estado brasileiro tem cada vez menos participação na formação superior da maior parte dos brasileiros, seja no fornecimento ou na regulação da qualidade. Cada vez mais e mais estudantes se formam em universidades cuja qualidade é abaixo da crítica.
  • Políticas de educação, saúde, assistência e seguridade social precisam ser integradas.
  • O Sistema Único de Saúde (SUS) é cada vez mais um ator protagonista no fomento à ciência. Por isso, políticas de CT&I voltadas à saúde devem ser cada vez mais integradas ao sistema público.
  • A escolha da Saúde como um dos eixos fundamentais da nova industrialização foi acertada. É preciso dar continuidade, fortalecer cada vez mais o complexo econômico e industrial da saúde e concretizar os laboratórios NB3 e NB4 em território nacional.

 

 

Mesa 7: Inovação e Neoindustrialização

Meiruze Freitas (Anvisa), Idenilza Moreira de Miranda (CNI), Alexandre Ferraz (DIIESE), Francilene Procópio Garcia (SBPC)

  • Saúde já responde por um terço das pesquisas feitas no Brasil e é transversal a todos os eixos da Nova Indústria Brasil. Capacitar o país para ser menos dependente de importações em saúde é crucial para soberania nacional.
  • SUS é um dos maiores financiadores de compras públicas do mundo, mecanismo crucial para a inovação.
  • Há uma parte do empresariado brasileiro disposta a investir em inovação no país e que precisa ser incentivada através dos mecanismos certos.
  • Modelo de financiamento tripartite da Embrapii é um sucesso e consegue fazer com que empresas invistam ainda mais do que o previsto inicialmente.
  • Recursos não-reembolsáveis do FNDCT são muito importantes, sobretudo para projetos de alto risco.
  • Financiamento à inovação deve ser continuado. Não pode ser interrompido quando há mudanças na temperatura dos mercados, sob o risco de se jogar fora todo o trabalho já feito.
  • É preciso definir prioridades para a inovação e identificar áreas onde o país pode ser competitivo. Saúde e biodiversidade são duas áreas lógicas para investimento.
  • Transformação no mundo do trabalho deve incentivar cada vez mais empregos alinhados à sustentabilidade ambiental.
  • O sistema educacional brasileiro ainda está muito pouco preparado para essa transformação e para qualificação continuada.

 

 

Mesa 8: Comunicação Pública da Ciência e Cultura Científica

Ildeu de Castro Moreira (UFRJ), Soraya Smaili (Unifesp), Marie Santini (UFRJ), Claudia Linhares (SBPC)

  • O brasileiro médio tem muito pouca educação científica e acesso à informação de qualidade sobre ciência, mas é interessado pelos temas científicos.
  • Museus, espaços culturais e atividades mobilizadoras, como feiras e olimpíadas de ciência, são instrumentos fundamentais de popularização da ciência. São necessários maiores investimentos e editais voltados à essas atividades.
  • É preciso ter um plano nacional específico para a comunicação e popularização da ciência dentro do plano nacional para CT&I.
  • É preciso qualificar o ensino da ciência na educação básica, com ênfase na prática e na interdisciplinaridade, não apenas para formar mais cientistas, mas para estimular o pensamento crítico.
  • Urge valorizar os professores da educação básica com salários, planos de carreira, condições de trabalho dignas e formação continuada em ciência.
  • Iniciativas para a popularização da ciência devem ser inclusivas, distribuídas de forma equitativa pelo território nacional, valorizando conhecimentos tradicionais e a ciência cidadã, onde alunos, professores e demais membros das comunidades também tomam parte nos processos da pesquisa.
  • É preciso que as instituições científicas façam comunicação de qualidade para que sejam reconhecidas pela população. Instituições que são reconhecidas não tem os seus recursos cortados facilmente. É preciso investir em equipes profissionais de comunicação, audiovisual e, principalmente, redes sociais.
  • O mundo vive uma crise de desinformação e contestação de instituições e da mídia tradicional. Informações falsas são disseminadas principalmente através das redes sociais e sobretudo pelo impulsionamento direcionado de publicidade para grupos mais vulneráveis à desinformação.
  • É preciso uma regulação sobretudo nos algoritmos das redes sociais. Essas plataformas tem se tornado cada vez mais opacas e refratárias a qualquer tipo de avaliação. Redes sociais, sobretudo seus algoritmos, não podem ser caixas-pretas.
  • É preciso atenção e valorização das pesquisas de opinião para entendermos melhor os anseios da população e onde ela deposita sua confiança.

 

Saiba mais sobre o evento em outra matéria da ABC:

Acadêmicos comentam evento Vozes da Ciência e destacam pontos principais

(Marcos Torres para ABC, 29/05/2025)