O físico e Acadêmico Paulo Artaxo participou de reuniões em Brasília para discutir a resposta do País às mudanças climáticas. Leia a matéria do Jornal da USP publicada em 20 de setembro:
O professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), deu a aula mais importante da sua vida nesta semana. Ele foi o único cientista convidado a participar de uma reunião de emergência convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na terça-feira (17), no Palácio do Planalto, em Brasília, para discutir o enfrentamento da crise climática no Brasil. Além de Lula, estavam presentes na sala os presidentes das duas casas do Congresso Nacional (Rodrigo Pacheco e Arthur Lira) e do Supremo Tribunal Federal (Luís Roberto Barroso), além do procurador-geral da República (Paulo Gonet), vários ministros de Estado e outras autoridades do mais alto escalão da política nacional.
“Isso nunca tinha acontecido, de um cientista ser convocado pelo presidente para uma reunião com os Três Poderes da República. Então, isso é muito bom; é o governo se abrindo para ouvir a ciência”, relatou Artaxo ao Jornal da USP, no dia seguinte ao da reunião. Vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável (Ceas) da USP e referência internacional em pesquisas sobre mudanças climáticas, Artaxo fez uma apresentação de 22 minutos, com 22 slides, sobre a gravidade da crise climática global, os riscos que ela representa para o Brasil e o que pode ser feito a respeito disso. “Nas minhas sugestões eu deixei muito claro o seguinte: ‘Isso é o que a ciência tem a dizer sobre o que precisa ser feito. Quem toma as decisões políticas sobre o que vai ser feito, e como isso vai ser feito, são vocês’.”
Artaxo alertou que o mundo está numa trajetória de aquecimento da ordem de 3 a 4 graus Celsius até o fim deste século — bem acima do limite de segurança de 1,5 a 2 graus Celsius previsto no Acordo de Paris —, e que isso terá consequências gravíssimas para o Brasil. O agronegócio e a matriz energética do País são especialmente vulneráveis, já que dependem intrinsicamente de fatores climáticos para a sua estabilidade.
“A mudança climática não vai afetar Suécia, Noruega, Canadá e Brasil igualmente. Os países tropicais vão ser os mais prejudicados, incluindo nós”, destacou Artaxo. “A saúde humana e a saúde dos ecossistemas vão ser fortemente impactadas. Não há, hoje, qualquer dúvida com relação a essa questão.”
O professor conta que recebeu uma ligação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, na tarde de domingo, 15 de setembro, convidando-o a participar de uma reunião fechada do conselho político de Lula na manhã do dia seguinte, às 9 horas, no Palácio do Planalto. Estariam presentes o vice-presidente da República, Gerado Alckmin, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros integrantes do núcleo duro do governo.
Artaxo não titubeou: pegou o primeiro voo disponível para Brasília, fez sua apresentação e voltou depois do almoço para São Paulo, com a sensação de missão cumprida. Naquela mesma noite, porém, o telefone tocou de novo. Era a ministra Marina Silva novamente, convidando-o — a pedido de Lula — para voltar a Brasília e repetir sua apresentação na reunião emergencial que o presidente estava convocando para o dia seguinte, com os representantes dos Três Poderes. Assim foi feito.
As imagens da reunião, disponíveis no YouTube (veja o vídeo no final da matéria), lembram uma daquelas cenas clássicas do cinema hollywoodiano, em que autoridades políticas sentadas ao redor de uma grande mesa assistem perplexas a um cientista apresentando gráficos sobre uma catástrofe que está por vir. Do ponto de vista científico, Artaxo não disse nada de novo: mostrou os mesmos dados e argumentos que já apresentou em diversas palestras sobre o assunto nos últimos anos. A diferença é que, dessa vez, a mensagem foi entregue diretamente aos ouvidos e olhos das cabeças mais poderosas do País.
O fato de ele ter sido convocado de volta para a reunião de terça-feira indica que a mensagem que Artaxo entregou ao núcleo do governo no dia anterior surtiu efeito. “Obviamente, a ficha caiu”, avalia ele.
As reuniões foram convocadas em resposta ao agravamento da crise climática no País, que passa por uma sequência calamitosa de enchentes, secas, ondas de calor e queimadas — que podem ter origem criminosa, mas ainda assim são turbinadas pelo tempo seco e quente, que favorece a propagação das chamas. Outro contexto importante é que o Brasil se prepara para hospedar a trigésima Conferência das Partes (COP 30) da Convenção do Clima da ONU, no fim do ano que vem, em Belém (PA), que será ponto de partida para a reformulação das metas do Acordo de Paris.
Lula abriu a reunião de terça-feira reconhecendo que o Brasil não estava “100% preparado” para lidar com a emergência climática. “O que nós estamos percebendo, depois do que aconteceu no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, é que a natureza resolveu mostrar as suas garras. Ela resolveu nos dar uma lição e dizer o seguinte: ou vocês cuidam corretamente de mim ou eu não sou obrigada a suportar tanta irresponsabilidade, tanta coisa errada e equivocada que os seres humanos estão fazendo”, disse o presidente. “Esta reunião aqui é para a gente fazer uma revisão no conceito que cada um tem sobre a questão climática no Brasil. Ela está pior do que em qualquer outro momento.”
Após a reunião, o governo anunciou a liberação de R$ 514 milhões para combate aos incêndios no País e reiterou sua intenção de criar uma Autoridade Climática para coordenar as ações de enfrentamento da crise do clima no Brasil, entre outras medidas.