A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, encaminhou ofício aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apelando para que não deem provimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3526, de 2005, que visa esvaziar as atribuições da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e tornar a Lei de Biossegurança brasileira ainda mais restritiva aos organismos geneticamente modificados.
Confira a posição da ABC, conforme exposta em trechos do ofício:
“Não se consegue entender os motivos dessa empedernida oposição a um dos desenvolvimentos mais espetaculares da humanidade tanto na área dos medicamentos quanto na dos alimentos. Há mais de 30 anos os norte-americanos desfrutam de produtos geneticamente modificados sem resultado deletério de que se tenha notícia. Há quinze anos, os brasileiros comem regularmente produtos transgênicos, vestem roupas feitas de algodão transgênico e são tratados com produtos e vacinas preparados com a mediação de técnicas da genética molecular. Apenas com benefícios.
Invoca-se sempre o Princípio da Precaução para combater a adoção de organismos aos quais foram aplicados os métodos da Engenharia Genética. A adoção desse princípio, derivado do direito alemão, foi sugerida no Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992. Mais precisamente in verbis: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos estados, de acordo com a suas capacidades.” Um dos enunciados mais aceitos do princípio da precaução é: “Na ausência de certeza científica formal, a existência de um risco sério ou irreversível de dano requer a tomada de medidas que possam prever esse dano”.
A Lei de Biossegurança 11.105/2005 diz no seu artigo 1º que todas as funções da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) têm “como diretrizes o estímulo ao desenvolvimento científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do Princípio da Precaução para a proteção do meio ambiente (sic) (grifo nosso)”. Pois é, precisamente, isso o que a CTNBio fez em seus 18 anos de reuniões mensais e análises de incontáveis pareceres de especialistas, ao ponderar, caso por caso, sobre os que lhe foram submetidos. A composição desse órgão é majoritariamente de cientistas com mandato, escolhidos nas universidades brasileiras, a maioria públicas. Despiciendo afirmar que o contrário desse entendimento resultaria na paralisação das atividades científicas e de produção que o Brasil ostenta no presente, já que a única forma de avaliar se há risco sério ou irreversível de dano é estudar em profundidade caso por caso, com os melhores métodos científicos disponíveis. Portanto, não há espaço para a não-ação preconizada por aqueles que inventaram, sem evidência alguma, que os transgênicos são uma ameaça ao ambiente ou à saúde.
Argumenta-se que seria fundamental proceder a Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e obter o Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA). A obtenção do EIA/RIMA é, de fato, essencial para a construção de grandes edifícios, represas e exploração de minas. Essas iniciativas afetam a fauna e a flora do entorno. No caso dos OGM não há como argumentar que um pinheiro que teve um gene modificado seja distinto de um pinheiro convencional que lhe deu origem. Ambos ocupam, no terreno, o mesmo espaço. Raciocinando pelo absurdo, uma plantação transgênica de pinheiros seria deletéria ao ambiente se o pinheiro convencional também o fosse. Ainda assim, uma plantação de pinheiros transgênicos passa, na CTNBio, por escrutínio severo que inclui a análise da modificação gênica em questão, uma exigência de plantação experimental a campo com análise de possíveis danos à mata, aos insetos, aos roedores do entorno, bem como à água do lençol freático subjacente. Esse raciocínio vale para todos os vegetais geneticamente modificados. A Lei de Biossegurança prevê a solicitação de EIA/RIMA caso necessário. Mas. a exigência de EIA/RIMA para cada evento transgênico encareceria proibitiva e desnecessariamente os custos de produção, a inviabilizar qualquer veleidade de termos uma indústria, já incipiente, de capital nacional.
Finalmente, a proposta de pulverizar as decisões pelos estados é absurda, já que a biossegurança é matéria de interesse nacional e levaria a uma guerra entre estados da federação pelas plantações, para dizer o mínimo.”
A retomada do julgamento sobre a ADI nº 3526 pelo STF está prevista para a última semana de junho.