A tarde do último dia de Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências 2023, 11 de maio, foi dedicada à educação. As discussões buscaram cobrir as muitas faces do ensino, sobretudo o de ciência, no século XXI, e abordaram também a discussão atual em torno da reforma do ensino médio.
Para abrir as discussões, a ABC convidou o filósofo e pedagogo Jorge Larrosa, professor da Universidade de Barcelona e coordenador-geral da associação Mais Diferenças, que trabalha com experimentação nos campos de educação e cultura. Ao longo de sua Conferência Magna, ele convidou o público a repensar o trabalho das escolas e o ensino das próximas gerações num cenário de múltiplas crises em que nem o próprio mundo nos é garantido.
Educação científica e o cuidado com o mundo
“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele”. Foi com essa frase de Hannah Arendt que Larrosa abriu sua palestra. A interação entre a escola e um mundo cada vez mais frágil norteou todo a discussão. Ele defende que o papel da escola é materializar o mundo para as crianças, através de métodos que despertem a atenção para com ele. “Educar hoje é comprometer-se com algo maior que sociedade ou indivíduo, é comprometer-se com o planeta”, defendeu.
A separação entre natureza e sociedade não existe mais existe para a política, economia e ciência. O que está em jogo agora não é o uso da Terra mas sua habitabilidade. “Vivemos uma nova geopolítica e geografia, onde o sufixo ‘geo’ não é mais o marco neutro e estável no qual se desenvolve a ação humana, mas também é profundamente alterado por ela”, disse Larrosa.
Larrosa defendeu a visão exposta pelo antropólogo francês Bruno Latour em seu recente livro “Onde Aterrar?”, no qual argumenta que as questões ambientais e climáticas, e da própria continuidade da espécie humana se tornaram centrais para o debate. Latour defende uma nova visão de universidade, a qual descreve como neo-Humboldtiana, onde a pedagogia não é mais a etapa final de um percurso que começa na pesquisa. “O ensino deveria ser o princípio e não o fim que norteia a investigação científica. Do contrário, a universidade se isola”, aponta Larrosa.
Para o palestrante, ensino básico que materialize o mundo ao redor das crianças leva naturalmente à compreensão e discussão dos desafios atuais de desigualdade, mudanças climáticas e perda de biodiversidade. “O ensino não deve ser feito a partir da vontade de controlar e dominar, mas, antes de tudo, a partir do encanto. A relação com o mundo deve ser precedida pelo amor e pela beleza, para que se desperte o interesse em defendê-lo”, argumentou.
Larrosa compartilhou suas experiências em discussões no setor privado da educação, e criticou muitos de seus aspectos. “Vejo muito lemas como ‘fazer das escolas empresas de sucesso’, com práticas e apelos muito mais socioemocionais do que educativos”, apontou. Para ele, é catastrófico pensar numa ciência apenas voltada a solucionar problemas e aplicações práticas.
Nesse sentido, a palestra foi encerrada com uma defesa enfática do caráter público do ensino. “A cidadania vem da escola pública. Se ela está ameaçada, também estão a democracia, a ciência, a filosofia e o planeta”.