Leia artigo de Adalberto Luis Val, vice-presidente da ABC para a região Norte, enviado para a ABC:

“Cheguei em Manaus depois de uma maratona. Estava inebriado com o resultado da eleição de 30 de outubro e pronto para as ações de reconstrução. Havia participado do SPA (Painel Científico da Amazônia). Depois de uma breve passagem em São Paulo para a entrega dos prêmios da Fundação Bunge, com o apoio da Academia Brasileira de Ciências, embarquei para Sharm el Sheikh, no Egito, onde aconteceu a COP-27. Um novo desafio. Aliás, para quem vive há mais de 40 anos na Amazônia, desafios não faltam todos os dias e, em particular, não faltaram nos últimos quatro anos.

Sabemos todos que a floresta e os rios fluindo não se constituem num imaginário, mas num coletivo. Somos floresta. Somos água. Existimos aqui para o mundo. Os desafios amazônicos se capilarizaram pelas múltiplas discussões na COP27. A Amazônia esquecida nos últimos anos se fez presente. E se fez presente de forma maiúscula, porque sabemos todos que dependemos de um ambiente saudável. Entretanto, o bioma, casa de muita gente, da maior floresta tropical do mundo, de cerca de 20% de toda a água doce entrando nos oceanos, de uma biodiversidade sem paralelos, está ameaçada e são muitas as ameaças: desmatamento ilegal, estradas, mineração, impacto das mudanças do clima, grilagem, poluição de diferentes tipos, crimes.

Contudo, o desafio da COP27 era lidar com uma questão mundial: as mudanças climáticas. O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), divulgado em fevereiro deste ano, trouxe análise contundente acerca dos efeitos das mudanças do clima sobre o planeta. Na Amazônia são ameaçadoras, particularmente quando falta o apoio para as questões básicas legais.

Assim, as expectativas em torno da COP27 eram imensas, particularmente na concepção de um acordo mundial para acelerar as ações em busca da almejada neutralidade de emissões e limitar o aquecimento em 1,5oC. Além dos impactos globais que as mudanças do clima representam para a economia dos países ricos, é preciso ter em conta que o impacto maior sempre foi, e continua sendo, sobre os países em desenvolvimento e localizados nas regiões mais vulneráveis. Na COP26 os governos haviam concordado em fornecer mais apoio aos países em desenvolvimento. Um pedido especial fora feito para que o financiamento da adaptação fosse dobrado.

O cenário mundial no último ano, entretanto, sofreu uma hecatombe. Guerra, epidemia descontrolada em diversos locais, governos descompromissados com as questões ambientais e, também, com as questões sociais, além da ampliação das emissões, agravaram planetariamente as mudanças climáticas. Disso surge a necessidade de enfrentar mais um desafio quando se trata de mudanças climáticas: a justiça climática.

Como os gases de efeito estufa não observam os limites dos países que mais emitem e são socializados por todos os países do mundo, é preciso encontrar caminhos saudáveis para reduzir seus impactos ambientais e sociais sobre os países que já enfrentam desafios diversos, como os países mais fragilizados do planeta. As discussões foram intensas e, ainda que avanços significativos, não possam ser explicitados, avançamos no reconhecimento de que uma coalização global é necessária para manter a justiça climática. Contudo, não faltaram cobranças incisivas para que o apoio financeiro e tecnológico sinalizado nas COPs anteriores chegue aonde é necessário, entre estes a própria Amazônia.

Pequenos avanços na COP27, mas um grande passo brasileiro! Lembremos que divergências internas levaram o Brasil em três partes para a conferência, como se energia, meio ambiente e sociedade civil não fossem parte da equação que permite o desenvolvimento sustentável. Faltou liderança interna, o que reduziu o protagonismo internacional de outros tempos.

Contudo, a equipe brasileira presente na COP27 teve um papel decisivo para mostrar que há caminhos seguros para o desenvolvimento sustentável. Os police papers apresentados pelo SPA (Painel Científico da Amazônia), do qual a ABC (Academia Brasileira de Ciências) faz parte, as diversas discussões apresentadas pelo hub da Sociedade Civil e a consciência ambiental que norteou a presença do Consórcio dos Governadores da Amazônia Legal, merecem destaque especial.

A presença do presidente eleito na COP27 sinalizou um novo momento, sinalizou um roteiro para um futuro ambiental e socialmente justo. Muitas foram as colocações ao lado de pessoas de destaque nacionais e estrangeiras: o Brasil irá a COP28 como uma nação que respeita as divergências, respeita o ambiente e dialoga com todos; como uma nação que sabe ouvir a sociedade civil interna e externamente; que respeita as informações robustas produzidas pela ciência; que fortalecerá o diálogo entre os países amazônicos; que apoiará os investimentos estrangeiros, observada a(s) soberania(s) nacional(is), no bioma amazônico; que envidará todos os esforços para que a COP30 seja realizada na Amazônia Brasileira. Tudo isso um grande passo brasileiro.

É preciso reconhecer gigantes desse percurso, gigantes anônimos que tornaram possível este novo momento, a consolidar. Ao falar publicamente no encontro com o presidente Lula, na qualidade de cientista brasileiro, destaquei que a ciência brasileira sempre esteve e estará a postos para ajudar na construção de um país ambiental e socialmente justo; que a Amazônia precisa do Brasil numa interlocução fraterna com os demais países amazônicos; e que precisamos trazer nossos “meninos” capacitados de volta para casa e viabilizar a definitiva colaboração deles em nossas instituições de ensino e pesquisa.

Tenho clareza que os desafios são imensos, mas também tenho a clareza que a Amazônia pode compor a agenda nacional e que todos nós brasileiros estamos irmanados na construção de um Brasil forte.”


Leia também a entrevista dada por Adalberto Val à BBC durante a COP27.