Confira trechos do artigo de autoria de Virgílio Almeida, diretor da ABC, em conjunto com Francisco Gaetani, publicado no jornal Valor Econômico no dia 20/12.

 

Os algoritmos, por enquanto, são construções humanas e, como os humanos, estão sujeitos a preferências, falhas, erros, preconceitos e várias outras características da natureza humana. As interferências dos algoritmos na economia e na sociedade já são múltiplas, variadas e opacas. No comércio, nas mídias, na política, no governo, no entretenimento, nas empresas, na saúde, na segurança pública, os algoritmos já tomam decisões que afetam as pessoas, os negócios e a sociedade.

Os serviços de “streaming’’ têm alterado radicalmente a indústria do entretenimento. Os algoritmos são peças fundamentais para o funcionamento de serviços como Netflix, Spotify, YouTube, Instagram, Amazon Prime e GloboPlay. Algoritmos escolhem e influenciam o que público assiste, ouve e participa. Empresas brasileiras, como bancos, operadoras de saúde e grandes cadeias de varejo têm anunciado na mídia que os algoritmos já estão incorporados aos seus assistentes inteligentes que interagem e atendem clientes.

(…)

Não existem ainda políticas públicas que preparem o país para a transição para a era dos algoritmos e que protejam grupos mais vulneráveis da sociedade contra os efeitos adversos não antecipados. Um bom exemplo de consequências não antecipadas está no avanço das redes sociais e seus impactos sobre a política. Evidências crescentes têm mostrado que a polarização e divisão política da sociedade são aumentadas por meio de algoritmos que buscam priorizar o engajamento online, dando visibilidade a conteúdos extremistas e desinformação.

Um estudo publicado recentemente pelo próprio Twitter mostra que em seis países o algoritmo que amplifica o alcance dos tweets priorizou mais os políticos e veículos de notícias da direita do que conteúdos de fontes de esquerda.

São vários os critérios em que algoritmos superam as pessoas: precisão, velocidade, quantidade de informações, quantidades de sequenciamentos, volume de decisões, memória, produtividade… até aí não há nada surpreendente. Em muitas tarefas, os algoritmos são imbatíveis.

Mas não deve ser essa a perspectiva para se olhar a expansão dos algoritmos, ou em outras palavras, a expansão da automação não deve focalizar apenas na substituição dos humanos. Existem zonas de decisões em que os humanos ainda detêm alguma vantagem, principalmente quando entram em cena juízos de valor – não há melhor exemplo do que o funcionamento da Justiça, onde algoritmos não substituem juízes…, mas até quando?

O foco em alcançar inteligência de nível humano define a relação entre humanos e máquinas como uma competição, perdendo a oportunidade de estabelecer novas formas de colaboração entre máquinas, algoritmos e humanos. Novas formas que não apenas desloquem os seres humanos, mas que busquem aumentar a produtividade dos serviços, combinando o que há de melhor em cada parte, humanos e algoritmos.

Há várias áreas em que o trabalho combinado de pessoas, máquinas e algoritmos resulta em uma segurança e uma qualidade maior, mesmo que, rigorosamente falando, a produtividade seja sub-ótima. Por que não explorar mais possibilidades de cooperação humano e máquinas?

(…)

A proposta do marco regulatório para inteligência artificial (IA) da União Europeia tem características de valorização do humano, quando especifica que os sistemas de IA de alto risco estarão sujeitos a medidas de supervisão humana adequadas para minimizar risco. Talvez a lógica colaborativa seja uma meta mais interessante do ponto de vista da sociedade do que todo esforço que hoje se faz na direção de eliminar o humano, tornando a capacidade de contribuição humana para a vida econômica e social dispensável.

Afinal, ainda não perdemos nossa humanidade… ou já?

 

Confira o texto completo no caderno Valor Econômico.