Se há algo indispensável na prática científica para a vencedora do Nobel Elizabeth Blackburn, é a ética – um fator que recentemente se tornou seu objeto de pesquisa. Este tópico foi o mais abordado ao longo de sua conversa com jovens cientistas, que ocorreu no dia 16/11. A australiana foi uma das laureadas presentes no Diálogo Nobel América Latina e Caribe, junto com Emmanuelle Cherpentier, May-Britt Moser, Saul Permutter e Ben Feringa. A iniciativa, que reuniu os nobelistas e jovens estudantes pesquisadores, é fruto de uma parceria entre a Nobel Prize Outreach, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas).

Filha de pais médicos, Blackburn é a segunda mais velha entre suas quatro irmãs e dois irmãos. A cientista morou em diferentes cidades de seu estado natal, a Tasmânia, antes de se mudar para Melbourne, também na Austrália, onde cursou o último ano do ensino médio. Em 1975, recebeu o título de doutora em ciências pela Universidade de Cambridge. Durante sua estadia na instituição britânica, Blackburn trabalhou com Frederick Sanger, duas vezes vencedor do Nobel de Química.   

No evento, a cientista deu várias dicas sobre como se tornar bem-sucedido na área científica. E de sucesso, Blackburn entende: em 1984, a pesquisadora australiana e a sua doutoranda Carol W. Greider descobriram a origem da telomerase, uma enzima que atua nos telômeros, estruturas formadas por fileiras de proteínas de DNA não-codificante que formam uma capinha protetora nas extremidades dos cromossomos. A estrutura é similar à parte final de plástico dos cadarços de tênis e sapatos. Foi pelos estudos relacionados a essa enzina que, 15 anos após sua descoberta, Blackburn, Greider e o biólogo Jack W. Szostak foram laureados com o Nobel de Medicina. Confira a seguir os tópicos mais relevantes do debate.

Não há uma fórmula pronta para ser um bom cientista

Para Blackburn, não tem como simplificar e dizer como cientistas em formação devem se comportar para tornarem-se cientistas de sucesso. No entanto, se ela pudesse listar algumas palavras-chave, estas seriam: criatividade, ousadia, honestidade e comunicação. Para colocar essas demandas em ação, o princípio é sempre se remeter à busca pela verdade, aprofundar-se e avançar cada vez mais para construir o pensamento crítico que constitui a evidência da verdade.

Segundo ela, é importante ser sério e ser seu principal crítico, mas não tão crítico a ponto de paralisar tudo: “É necessário ser ousado e criativo ao mesmo tempo. São características bem opostas, mas que caminham juntos. Você precisa estar preparado para ver sua ideia ousada favorita cair por terra e ser capaz de seguir em frente”, aconselhou a professora.

Faz parte do trabalho do cientista também ter responsabilidade, principalmente com aquilo que é exposto ao público. “Temos que ser honestos e obcecados com tudo”, explica a professora. “Não estou dizendo que todos devemos nos tornar estrelas da TV ou popular nas redes, nem colaborar o tempo todo, mas nós costumamos ter muita oportunidade de contribuir. Quando tiver algo digno de ser compartilhado, o pesquisador deve fazê-lo.”

Comunicar-se com o público, apesar de essencial, é algo difícil, que exige uma linguagem clara e compreensível. Fica a dica de Blackburn: “Tenho que pensar quando tenho que explicar algo para mim, aquilo precisa estar claro na minha mente.” No ponto de vista da professora, divulgar e ajudar a comunidade faz dos cientistas pessoas melhores.

 

Valores éticos nos dias de hoje

Com os movimentos anti-vacina e a ascensão de forças que entram em conflito com o que os cientistas pregam, valores éticos em pesquisas têm sido postos a prova com frequência.

“Como cientista, pode ser muito difícil tomar uma decisão sozinha. Na nossa profissão, é mais complicado, já que, diferente da profissão médica, que tem o juramento de Hipócrates”, confirma. Ela compartilha o site lindauguidelines.org, uma iniciativa da própria pesquisadora para desenvolver e apoiar uma nova abordagem para a ciência aberta global, sustentável e cooperativa. A ideia surgiu após uma conversa com 600 jovens cientistas e foi apresentada pela primeira vez no 68º Encontro Lindau Nobel Laureate, em 2018. Blackburn destaca a necessidade de uma universidade com mais oportunidades de integração, respeito entre as partes e com diversidade em locais de poder.

Elizabeth Blackburn, Juleen Zierath e os alunos convidados para o debate. 

 

Conselhos para uma jovem Elizabeth

A jovem cientista Ariana Pinheiro Caldas, graduanda de medicina na Universidade Vale do Rio Doce (Univale), propôs uma reflexão à cientista: “se você pudesse voltar no tempo e falar sobre si quando tinha a minha idade, qual conselho você daria para si mesma ou a nova geração?”

Blackburn afirma que, ela diria para ela mesma não ter medo de que as pessoas poderiam pensar. Pelo fato de ser uma mulher em uma área majoritariamente composta por homens, ela nunca teve certeza se a ciência era boa ou não. Muito orgulhosa, ela sempre teve medo de pedir conselhos e ajuda. “Minha situação se tornou muito mais difícil por isso. Não ter medo de pedir ajuda. Pessoas na academia adoram dar conselhos”, confirma a professora. Ela afirma que é indispensável ter um orientador com quem você possa conversar e confiar suas inseguranças.

A moderadora do bate-papo e membro do comitê do Prêmio Nobel, Juleen Zierath, comentou que é muito comum que jovens cientistas desenvolvam “síndrome de impostor” nas primeiras fases da carreira. “Sempre há esses pensamentos de ‘eu não me encaixo, não sou suficiente’. Você não pode dar ouvidos pra isso”, complementa Zierath.

 

Assista à quinta sessão do Diálogo Nobel completa: