NOTA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
SOBRE AMEAÇAS A CIENTISTAS

A Academia Brasileira de Ciências vem manifestar total apoio aos pesquisadores na condução de seus trabalhos de pesquisa no âmbito do projeto CloroCovid-19.

O estudo CloroCovid-19 tem como objetivo principal estudar a eficácia e a segurança dos pacientes com Covid-19 em uso de duas doses diferentes de cloroquina. Em estudos clínicos em seres humanos e em especial em doenças graves, é muito importante que se compare diferentes doses e que se obtenha a maior dose segura para uso nos pacientes. É isto que caracteriza um estudo de fase 2. No estudo em questão, foram incluídos apenas pacientes com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), com suspeita (e posterior confirmação laboratorial) de COVID-19. Ambas as doses são usadas em protocolos ao redor do mundo, justificando, portanto, a busca pela dose mais eficaz e mais segura da medicação.

Assim como todo estudo clínico, o estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), com CAAE 30152620.1.0000.0005, em 23 de março. Todos os pacientes e/ou familiares foram orientados sobre o objetivo da pesquisa e assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. Assegurando-se de boas práticas clínicas, um comitê de acompanhamento e segurança independente, formado por médicos especialistas, foi montado prontamente. No acompanhamento dos pacientes, assim que se observaram os primeiros indícios de efeitos colaterais, a dose mais alta foi imediatamente suspensa e todos os participantes passaram a usar a dose mais baixa, considerada segura no momento da análise. Isso ocorreu no dia 6 de abril.

O estudo não permite concluir se a cloroquina em doses baixas contribui positivamente com o tratamento da COVID-19, porque não há um grupo controle sem ser medicado e o desenho experimental escolhido foi o de comparar as duas doses. As duas doses de cloroquina administradas não alteraram a evolução do estado de saúde dos pacientes com Covid-19 em comparação à média mundial. Os dados, para transparência, foram divulgados no site MedRxiv (https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.07.20056424v1), a fim de advertir demais pesquisadores do mundo sobre a toxicidade de uma dose alta, que apesar de teoricamente poder ser mais eficaz, estava causando mais danos do que benefícios.

O estudo é liderado pelo médico infectologista Prof. Dr. Marcus Lacerda, pesquisador da Fundação de Medicina Tropical (FMT-HVD) e especialista em Saúde Pública da Friocruz – Amazônia. A equipe do estudo CloroCovid-19 é composta por mais de 70 profissionais, entre pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como Fiocruz, FMT-HVD, Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Universidade de São Paulo (USP). Trata-se de equipe muito experiente e reconhecida internacionalmente em ensaios clínicos utilizando normas internacionais de boas práticas em pesquisa.

Após a divulgação dos primeiros resultados diversas ameaças violentas vêm sendo registradas, especialmente contra o coordenador do estudo, certamente pelo desconhecimento e ausência de treinamento específico para interpretação dos dados, por parte dos agressores e seus seguidores. Num momento de crise, como o que vivemos, os vieses ideológicos estão prejudicando a execução da boa ciência, pois desviam o foco dos pesquisadores para situações desconfortáveis e injustas.

Vários pesquisadores sérios em todo o mundo vêm buscando, por meio da pesquisa científica, formas para solucionar esse grave problema para a humanidade. A equipe do CloroCovid-19 é consciente de seu papel social e continuará colocando em prática seus objetivos, que são produzir boa evidência científica para o tratamento dos pacientes. O estudo CloroCovid-19 seguiu todas as normas nacionais e internacionais de boas práticas de pesquisa e pautou por uma atitude ética e científica na análise dos dados e término precoce do estudo.

Por fim, a Academia Brasileira de Ciências entende não ser justificáveis quaisquer ameaças físicas e morais a qualquer um dos pesquisadores do grupo de pesquisas do consórcio mencionado. Neste momento de pandemia é vital que os estudos científicos possam ser realizados com base nos mais altos preceitos da Ciência e que sejam reportados de forma adequada e cientificamente correta.

Como disse o grande matemático Bertrand Russell “Quando estudando qualquer problema ou considerando qualquer filosofia, pergunte a você apenas quais são os fatos. Nunca se deixe desviar pelo que você deseja acreditar ou pelo que você acha que teria efeitos sociais benéficos se fosse acreditado. Mas olhe apenas, e unicamente, quais são os fatos.”

Rio de Janeiro, 17 de abril de 2020.

Luiz Davidovich
Presidente
Academia Brasileira de Ciências