A SBQ acaba de criar seu primeiro prêmio dedicado a reconhecer o trabalho de mulheres que se destacam na química e/ou no fortalecimento da Sociedade. O Prêmio Vanderlan da Silva Bolzani [membro titular da Academia Brasileira de Ciências] será conferido pela primeira vez na 42ª Reunião Anual (de 27 a 30 de maio, em Joinville), e foi instituído pelo recém-criado Núcleo Mulheres SBQ. “A SBQ já vinha organizando atividades voltadas para o papel feminino na ciência, na química e no País. Na IUPAC 2017 e em Foz 2018, demos destaques a esse tema e tivemos um grande sucesso de público, então vimos que a Sociedade estava sensível a isso, um problema real nosso”, declara a professora Rossimiriam Freitas (UFMG), vice-presidente da SBQ e uma das coordenadoras do Núcleo, juntamente com a professora Elisa Orth (UFPR). “Agora com o Núcleo Mulheres SBQ, vamos estimular debates, ressaltar o trabalho das mulheres e colocar as lideranças femininas em evidência. É preciso dar exemplo e inspirar as mais jovens.”
A primeira ação do Núcleo de Mulheres foi criar o Prêmio Vanderlan da Silva Bolzani. “A SBQ já tem cinco prêmios com nomes de ex-presidentes: Simão Mathias, Ângelo da Cunha Pinto, Fernando Galembeck, Hans Viertler e Jaílson Bittencourt de Andrade. “A Vanderlan facilitou e e ainda facilita o caminho de todas nós, uma mulher inspiradora. Nada mais justo que o prêmio leve seu nome”, ressalta Rossimiriam.
“Estou surpresa, envaidecida, e extremamente emocionada”, afirma a professora Vanderlan. Querida pelos alunos, admirada pelos seus pares, respeitada em todo o planeta pela qualidade do seu trabalho, suas atividades em prol da Química e em defesa da mulher na ciência, essa jovem paraibana de Santa Rita se aproxima dos 70 anos em plena atividade. Além de aulas na graduação e na pós no Instituto de Química da Unesp, em Araraquara, Vanderlan coordena diversas atividades de pesquisa científica, participa ativamente de algumas sociedades científicas, como a SBPC, da qual é vice-presidente, é membro do conselho superior da FAPESP (a convite do presidente da TWAS, tornou-se a coordenadora de Ciências Químicas TWAS período 2019-2021), dá em média duas conferências por mês no Brasil e no exterior, e ainda encontra tempo para família e os amigos.
“Acho que minha trajetória é um exercício de paixão pelo que faço e de persistência”, reflete a professora. “Teve uma época que eu não conseguia fazer muita coisa. Quando contratada pela universidade, com duas crianças pequenas para cuidar, meu marido teve um AVC isquêmico, e ficou com deficiência de mobilidade. Foi um período muito difícil, e hoje tenho discutido, nas minhas falas para meninas na ciência, a importância do apoio familiar tanto para meninos como meninas em fases decisivas da carreira profissional. Muitas vezes levei as crianças para sala de aula, e elas ficavam quietinhas enquanto eu dava aulas. Não havia creche, como temos hoje e o salário de professor assistente não dava para grandes vôos! Minha carreira começou a deslanchar aos 45 anos”, conta.
Com uma paixão pelos produtos naturais que acredita herdou de sua avó paterna de origem indígena – “nós brincávamos com pigmentos naturais do pé de açafrão do sítio da Vó” – , Vanderlan cursou dois anos de medicina, antes de perceber que o caminho era outro. “Com apoio de meus pais, tranquei a matrícula e fui fazer farmácia, quando fiquei encantada pelas cadeiras de química orgânica e analítica. Mergulhei na química de fato quando vim para São Paulo, com uma mão na frente e outra atrás, para fazer meu mestrado. Eu não tinha certeza do que iria fazer como pesquisadora, até quando conheci o professor Otto Gottlieb.”
Gottlieb seu orientador, assim como Marden Alvarenga seu co-orientador, foram fundamentais na carreira acadêmica da professora Vanderlan. “Eles me deram muita segurança e apoio para minha iniciação na pesquisa em química de produtos”, afirma. Hoje, a professora às vezes dorme quatro horas por noite para dedicar-se aos inúmeros compromissos e projetos que coordena. “Mesmo com a idade avançada ainda sou muito elétrica e de bem com a vida. Além do trabalho intenso, adoro restaurantes, faço questão de estar muito presente com meus netinhos, que adoram teatro e museus, e meus alunos e amigos em mesas de bar, um ótimo lugar para se discutir ciência”, revela.
Vanderlan é sócia antiga da SBQ, que presidiu de 2006 a 2010. Atualmente desenvolve pesquisa em química de produtos naturais com ênfase para a busca de substâncias bioativas, metabólitos secundários e peptídeos, metabolômica e química medicinal de produtos naturais. Coordena o INCT BioNat e é Vice-Coordenadora do CEPID-FAPESP CIBFar. Foi representante da IUPAC no Brasil até janeiro do corrente ano e tem colaboração com várias sociedades científicas, destaque para ACS-USA, RSC-UK, ASP-USA, GA-Alemanha e universidades fora do Brasil – UPMC, Paris VI, Universidade de Genebra, Universidade do Arizona-USA e Future Industries Institute, University of Southern Australia – UniSA. No momento, está entusiasmada com um projeto de inovação com uma empresa alemã. Tem 267 artigos publicados, com índice h=35 e 5.120 citações, além de um livro e quatro patentes. Participa do corpo editorial de diversas publicações científicas de alto impacto e ganhou dezenas de prêmios nacionais e internacionais.
“Sempre fui muito estudiosa – e levada. Minha mãe queria que eu brincasse com as meninas, mas eu queria brincar com os meninos, achava bolinha de gude muito mais interessante, hoje entendo porque. Jogar bolinha de gude exigia pensar. Acredito que o desafio do momento é escrever um livro com com meus poemas. Já recebi muitos prêmios, incluindo “Distinguished Women in Science” concedido pela ACS/IUPAC em 2011 mas, ver meu meu nome virar prêmio SBQ mulheres na ciência, de fato me faz plagiar Fernando Pessoa: tudo vale apena quando a vida não é pequena”.