A ABC lamenta profundamente a perda de seu ativo membro e cumprimenta a família. Leia homenagem da física da UFRGS e diretora da ABC Márcia Barbosa ao falecido mestre, Gerhard Jacob.
“A história de Gerhard Jacob se confunde com a história da física do Rio Grande do Sul. Nascido na Alemanha em 1930, chegou ao Brasil em 1936 para viver em Giruá, uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul. Como a escola local só oferecia as primeiras séries do ensino fundamental, mudou-se para um internato em Porto Alegre para continuar seus estudos.
A paixão pela física surgiu por meio de um professor inspirador, Décio Nunes Floriano. Ingressou no recém criado curso de física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, graduando-se em física em 1952 e em matemática em 1953. Foi imediatamente contratado como professor instrutor para uma turma de física teórica com um único aluno, Darcy Dillenburg. Iniciou-se aí uma amizade e parceria que transformaria a história da física no Rio Grande do Sul.
Como na época havia uma carência de docentes de física, Jacob dava aulas igualmente no ensino médio como no colégio padrão do estado, Júlio de Castilhos. Em 1956 surgiu a oportunidade de dois gaúchos fazerem um curso para a instalação do primeiro reator nuclear brasileiro no Instituto de Energia Atômica. Ele e o amigo Darcy Dillenburg partiram para esta empreitada, que não era simplesmente um curso sobre energia nuclear, mas algo prático sobre os problemas para instalar um reator. O desafio de resolver problemas novos todos os dias fez com que Gerhard percebesse que ele tinha DNA de cientista, de um físico teórico. Ele e Darcy decidiram continuar seus estudos em São Paulo, mas mudando para USP. Esta mudança se deveu ao fato do Instituto de Energia Atômica ter implantado o ponto para os pesquisadores. Gehard compreendia que ciência não bate ponto e juntamente com Darcy se demitem e se transferem para a USP, onde continuam seu trabalho de pesquisa.
Em 1958 foi convidado para voltar para a UFRGS, onde discutia-se na gestão do reitor Eliseu Paglioli a criação do Instituto de Física. No entanto, faltava material humano e Gerhard e Darcy seriam peças chaves neste momento. Gerhard retorna ao sul. Ele poderia ter se acomodado como docente, mas isto não ocorreu. Continuou trabalhos com o colaborador paulista e aproveitava cada oportunidade para ir a eventos internacionais. Em uma destas viagens foi ao México para uma escola que reunia uma série de pesquisadores americanos. Já decidido a seguir a física nuclear teórica, fica sabendo que o físico holandês, Theodore Maris, que atuava na Universidade da Flórida queria vir passar um ano sabático na América Latina. Em 1959 ele trouxe para a UFRGS o prof. Maris, que se tornou docente da UFRGS e orientou a tese de doutoramento de Gerhard.
O trio Gerhard, Darcy e Maris estabelece o Instituto de Física da UFRGS, inicialmente com pesquisa em física nuclear teórica. A imagem desta trindade que como estudante eu achava assustadora era atenuada pelo fato do Gerhard, muito humanamente, chegar ao IF-UFRGS diariamente pedalando um bicicleta. Poderiam ter construído um grande grupo somente de física nuclear teórica. Mas Gerhard era um estrategista e reconhecia que uma grande instituição não se faz somente com uma área de pesquisa. Desta visão surgiram áreas experimentais, aplicadas e o grupo de ensino de física – possivelmente o único do país a ter sede no Departamento de Física e não no Departamento de Educação.
Gerhard Jacob não era somente um idealizador institucional, foi um cientista excepcional. Seus trabalhos em física nuclear tiveram reconhecimento mundial. Apesar das viagens que isto implicava, participava ativamente de eventos internacionais. Muitas vezes em que visitei outras instituições no país e no exterior, ao mencionar que era do IF-UFRGS, os pesquisadores mais antigos recordavam do Gerhard. Só para dar um exemplo deste impacto, ele é autor de um dos artigos mais citados com autores da América Latina em sua década. Sempre presente nas discussões do âmbito da UFRGS, sua visão de uma universidade de pesquisa o levou a se tornar reitor da UFRGS e em seguida presidente do Conselho nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Após a aposentadoria, poderia ter se dedicado à leitura, mas abriu um novo capítulo em sua vida atuando em programas internacionais Brasil-Alemanha via DAAD, contribuindo para a Academia Brasileira de Ciências e servindo em comitês transversais, onde empresas se faziam presentes, usando o reconhecimento a seu trabalho como instrumento para ampliar a visibilidade da ciência.
A UFRGS será sempre a sua casa. Nos eventos e festividades, como cerimônias de posse de reitores e diretores do IF-UFRGS, eméritos e honoris causa, Gehrard sempre esteve presente. E sua participação não era meramente decorativa, trazia sempre sugestões e comentários contemporâneos sobre a política acadêmica e científica. Nestes momentos, ele nos recordava que houve um tempo em que administradores desafiavam procuradores, ministros e mesmo manifestantes bloqueando a reitoria, pois ousadia é ingrediente fundamental para a pesquisa e vida acadêmica. Sentiremos saudades da criatividade e da fala afiada deste homem que se tornou uma instituição.”