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Gilles Boeuf

A Palestra Especial do primeiro dia do Simpósio Brasil-França sobre Biodiversidade, promovido pelas Academias de Ciências dos dois países e realizado em Manaus, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), entre 5 e 8 de junho, coube ao ecólogo francês Gilles Boeuf.

Ele é professor da Universidade Pierre e Marie Curie e desenvolve suas pesquisas na unidade de Biologia Integrativa de Organismos Marinhos, no Laboratório Arago (Observatório Oceânico), em Banyuls-sur-Mer, no sul da França. Em 2013, recebeu a Grande Medalha Albert do Instituto Oceanográfico de Mônaco.

Boeuf denunciou, em primeiro lugar, a falácia da dicotomia homem versus natureza, dado que o homem é parte integrante da natureza e não um elemento externo que se relaciona com ela. “Somos feitos de água e bactérias. Natureza pura”, apontou o cientista.

O ecólogo ponderou que não conhecemos nem a metade das bactérias que habitam nosso corpo e que talvez seja um pouco ilusório querer conhecer toda a biodiversidade do planeta. “Para isso, levaríamos um milhão de anos, caso nada de novo aparecesse”, ilustrou. “Não temos tempo. É tarde demais para isso”, alertou Boeuf.

Mesmo sem dominar o conhecimento sobre toda a biodiversidade, no entanto, já sabemos que ela está ameaçada. Desmatamento, poluição, super exploração, invasão de espécies estranhas aos biomas e grandes mudanças climáticas sugerem, inclusive, que podemos estar mais próximos do que imaginávamos da sexta extinção em massa no planeta.

Um indicativo desta possibilidade é a questão da agricultura. Teremos que alimentar nove bilhões de pessoas em breve. Hoje, usamos um milhão e meio de hectares para plantio e teremos que aumentar a produção agrícola sem aumentar a área utilizada. Não será possível desperdiçar água e serão fundamentais a diminuição do uso de fertilizantes e a abolição de pesticidas e inseticidas nocivos. As policulturas deverão ser ampliadas, priorizando produtos saudáveis e a biodiversidade, em vez de destruída, deve gerar benefícios.

O cientista argumentou que espécies que se movem têm mais chance de sobrevivência, pois podem buscar ambientes mais propícios. Atualmente, segundo ele, a população de gado no planeta é maior do que a de humanos. “Como vamos lidar com o impacto destes animais no ambiente? Reduzir o consumo de carne é fundamental para a sustentabilidade”, afirmou Boeuf. “E nós, humanos? Será que basta que nos adaptemos? Ou temos realmente que mudar? Controlar o crescimento populacional humano também é necessário, assim como o estabelecimento de economias de Estado baseadas em uso sustentável dos recursos materiais e de energia renovável”, afirmou.

Boeuf chamou atenção para o fato de que os maiores riscos e doenças emergentes são todos antropogênicos, ou seja, causados pelo homem. E que o principal deles é a pobreza. Assim, as normas sociais não escapam das transformações necessárias para a sobrevivência no e do planeta: elas precisam favorecer o bem-estar de toda a população global, ao invés de indivíduos ou grupos específicos. Atingir estas metas, no entanto, requer grande evolução cultural, além da biológica.

Boeuf observou, com propriedade e uma pitada de humor, que costuma dizer em suas aulas que ecologia é uma ciência, não um movimento político. Isto para explicar que seus argumentos estão baseados apenas em observações científicas e não em posicionamentos à esquerda ou à direita. E ressaltou, ainda que a expressão Homo sapiens não é adequada para explicar o que somos. “Devíamos ser classificados como Homo faber – fazemos coisas, mas não pensamos nas consequências do que produzimos. Não me parece muito ‘sapiens’ esse comportamento”, refletiu.