Em um artigo publicado nesta terça-feira, 3, na revista científica Nature, um grupo de 12 especialistas em mudanças climáticas que atuam em nações em desenvolvimento – incluindo o físico brasileiro [e membro titular da Academia Brasileira de Ciências] Paulo Eduardo Artaxo Netto, da Universidade de São Paulo (USP) – faz um apelo inédito para que os cientistas de seus países tomem a linha de frente dos estudos sobre geoengenharia solar.
Tema controverso entre os cientistas, a geoengenharia solar é um ramo da geoengenharia climática, que consiste em realizar intervenções em escala geológica para modificar o meio ambiente com o objetivo de reduzir impactos das mudanças climáticas globais.
Uma das principais propostas dos pesquisadores que defendem a geoengenharia solar envolve gerenciar a radiação do Sol que incide sobre a Terra por meio do lançamento, na parte superior da atmosfera, de partículas reflexivas que ajudariam a filtrar a energia do Sol, produzindo um efeito de “resfriamento” global.
As consequências desse tipo de intervenção, segundo os autores do artigo na Nature, ainda são incertas. Mas seus impactos – negativos ou positivos – afetariam com mais intensidade os países em desenvolvimento.
“Os países em desenvolvimento hoje estão excluídos da pesquisa em geoengenharia, que está sendo feita quase totalmente nos países ricos. No entanto, os impactos de qualquer técnica dessas ainda envolvem muitas dúvidas – e a única certeza é os países em desenvolvimento sofreriam mais intensamente com esses impactos”, disse Artaxo ao Estado.
No artigo, os cientistas defendem que os países em desenvolvimento são os que mais teriam a ganhar ou perder com essas técnicas e por isso deveriam ser os protagonistas no encaminhamento dessa agenda de pesquisas. “Precisamos acelerar as pesquisas acadêmicas na área de geoengenharia para podermos quantificar e amenizar cada um dos impactos negativos que essas técnicas poderiam ter em nossos países”, afirmou Artaxo.
As nações em desenvolvimento, segundo o físico, não têm recursos tecnológicos para adaptação às mudanças climáticas e por isso são muito mais vulneráveis a elas. “É possível que os países desenvolvidos comecem a implementar técnicas de geoengenharia dentro de alguns anos, sem que haja um sistema de governança global que possa proteger os interesses dos nossos países”, declarou.
Um dos efeitos negativos de uma eventual ação de geoengenharia, segundo Artaxo, consistiria em dar aos gestores públicos a ilusão de que não seria mais preciso investir na mitigação das emissões de carbono para deter o efeito estufa, já que haveria alternativas tecnológicas para resfriar o planeta poderia.
“Não é à toa que atualmente a maior parte das pesquisas em geoengenharia é financiada pela indústria do petróleo. Eu apoio a mitigação agressiva das emissões de carbono e tenho dúvidas sobre se a geoengenharia solar um dia será segura o suficiente para ser utilizada”, declarou o físico da USP.
Segundo Artaxo, os especialistas em ciências do clima, de modo geral, são extremamente céticos em relação a qualquer uma das técnicas de geoengenharia. Os resultados são imprevisíveis e, quando são previsíveis, são extremamente negativos para o equilíbrio do planeta.
“Jogar aerossóis (minúsculas partículas sólidas que ficam em suspensão na atmosfera) na estratosfera irá alterar todo o ciclo hidrológico natural do nosso planeta, que determina onde, quando e o quanto chove. Pode parecer uma saída mirabolante, mas na prática pode ser um desastre completo.”
Clareamento de nuvens. Várias técnicas de geoengenharia solar já foram propostas, mas as que receberam mais atenção dos pesquisadores envolvem a “injeção estratosférica de aerossóis” e o “clareamento de nuvens marinhas”.
A injeção estratosférica de aerossóis imitaria o efeito das grandes erupções vulcânicas, que espalham na estratosfera – entre 11 e 50 quilômetros de altitude – milhões de toneladas de partículas reflexivas de sulfato. Levadas pelos fortes ventos estratosféricos, essas partículas circundam o globo, refletindo de volta para o espaço uma pequena parte da luz solar incidente, causando um resfriamento do planeta por um ou dois anos. Utilizando aviões ou balões para lançar grandes quantidades de partículas na estratosfera, seria possível reproduzir artificialmente o efeito dos vulcões.
A técnica de clareamento de nuvens marinhas, por outro lado, tem foco na parte baixa da atmosfera. Amplas áreas dos oceanos são cobertas por estratos – nuvens baixas, com menos de 1 km de altitude. Os cientistas propõem que essas nuvens sejam borrifadas com gotículas de água do mar, cujas partículas iriam reduzir o tamanho médio das gotículas que formam as nuvens baixas. Maior quantidade de gotas menores teriam a propriedade de tornar as nuvens mais brilhantes e elas refletiriam mais radiação solar de volta ao espaço. Além disso, com gotas menores, as nuvens se manteriam por mais tempo cobrindo o oceano e refletindo o Sol.
“Assim como o lançamento de aerossóis na estratosfera, a intervenção nas nuvens baixas sobre o oceano também mexeria diretamente com o ciclo hidrológico do planeta. Não há nenhuma dúvida de que isso iria desequilibrar todo o regime de chuvas, porque estaríamos alterando a cobertura de nuvens natural do planeta”, explicou Artaxo.
Outras técnicas. Diversas outras técnicas já foram propostas, mas sua aplicação no futuro é considerada menos provável, seja porque geram mais problemas que soluções, porque têm eficácia limitada, ou porque o custo seria muito alto e a logística complexa demais.
Uma dessas técnicas consiste em fertilizar uma área marinha com ferro solúvel, a fim de acelerar o ciclo de enxofre natural do oceano, tornando-o mais reflexivo. O processo também faria o oceano produzir mais dimetilsulfeto, o que poderia ainda tornar mais reflexivas as nuvens marinhas.
Outra alternativa, considerada extremamente cara e pouco eficiente, envolve pintar de branco todos os telhados das cidades, para refletir uma quantidade maior de energia solar. Uma opção de implementação ainda mais difícil seria cobrir áreas gigantescas dos desertos com milhares de quilômetros quadrados de plásticos. Outra ideia extremamente cara seria o lançamento ao espaço de grandes espelhos que ficariam posicionados estrategicamente na órbita da Terra para defletir uma parte da luz solar de volta ao espaço.
Caminho sem volta. De acordo com Artaxo, todas essas técnicas têm problemas enormes, mas o principal deles é que nenhuma delas poderia ser aplicada temporariamente.
“Toda geoengenharia precisaria ser permanente, porque se a radiação do Sol parasse de ser refletida para o espaço, todo o calor que não havia sido assimilado pelo sistema climático voltaria de uma só vez. Assim, todo o malefício que fosse evitado pela geoengenharia retornaria inteiramente. Se as técnicas fossem implementadas e tivéssemos uma grave crise econômica, ou uma guerra global, por exemplo, estaríamos perdidos.”
Além de Artaxo, assinam o artigo na Nature Atiq Rahman (Bangladesh), Asfawossen Asrat (Etiópia), Andy Parker (Reino Unido), Tara Dasgupta (Jamaica), Arunabha Ghosh (Índia), Aphiya Hathayatham (Tailândia), Rodel Lasco (Filipinas), enehuro Lefale (Nova Zelândia), John Moore (China), Adib Qaiyum Suleri (Paquistão) e Nelson Torto (Quênia).