Leia artigo dos Acadêmicos Sérgio Mascarenhas e Isaac Roitman para o Jornal da Ciência, publicado em 3/01/2018:
Há uma preocupação mundial com a destruição da Floresta Amazônica. Os índices de derrubada das arvores são acompanhados e anunciados na grande mídia mundial. Entretanto o mesmo não ocorre com uma devastação mais terrível ainda, que é a queima cognitiva das crianças brasileiras. Na área educacional, o Brasil continua andando para trás, como demostram os indicadores de avaliação de educação básica.
O correto seria aumentar o investimento em educação. Porém o investimento em educação do governo federal terá uma redução de 32% em 2018 em relação a 2017. Isso certamente vai ferir mortalmente o Plano Nacional de Educação. Escolher o caminho da contramão certamente acabará em tragédia.
Mas vamos entender primeiramente o que é cognição. Comecemos pelo conceito de conhecimento: que é o conteúdo que se obtém lendo uma enciclopédia ou modernamente pelo Google por exemplo. Na verdade a cognição é o mecanismo do cérebro humano que incorpora o conhecimento dando origem à autoconsciência e ao livre-arbítrio. Isso leva as pessoas a exercerem uma ação social coletiva que visam potencializar e enriquecer o processo civilizatório. A cognição é uma dimensão importante de um dos mecanismos mais importantes da natureza que é a evolução. Esse processo evolutivo é que levou os organismos unicelulares ao Homo sapiens através dos 4,3 bilhões de anos da existência do planeta Terra. Em suma, o conhecimento, a cognição e a evolução fazem parte da cadeia natural que está sendo quebrada no seu elo mais fraco, a cognição, que está sendo queimada da mesma forma que a metáfora da floresta.
Infelizmente por muitas gerações o nosso mais precioso bônus demográfico está sendo queimado cognitivamente em um país que está envelhecendo rapidamente e que corta despudoradamente verbas de educação, ciência tecnologia e inovação em nome de uma economia que satisfaça os ditames do deus mercado. Infelizmente é um suicídio não apenas financeiro, mas, também, cultural. A falta de visão atual de políticas de Estado a médio e longo prazo representa o maior erro da recente história do Brasil. Com um agravante, mantém-se 500 anos de uma herança maldita que perpetua essa verdadeira desgraça histórica. Como disse Abdus Salam, prêmio Nobel de Física, com quem um dos autores – Sergio Mascarenhas – trabalhou por 12 anos: “Países sem educação, ciência e tecnologia estão condenados a serem meros exportadores de commodities e mão de obra para os países centrais.”
É preciso desativar o forno crematório que destrói o potencial e a inteligência de nossas crianças e jovens. A fórmula para a conquista da qualidade da educação para todas e todos é conhecida: a) professores bem formados e motivados e reconhecidos socialmente (salários e carreira dignos); b) conteúdos e pedagogia contemporâneas que tenham como objetivo o exercício do pensar, a autonomia e o senso crítico; c) espaços lúdicos que estimulem a aprendizagem; d) interação da escola com a família e comunidade; e) educação para a cidadania.
É urgente a defesa e a consolidação de uma escola pública de qualidade. Lembremos o feliz pensamento de Anísio Teixeira: “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no País a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”. Vamos todos aperfeiçoar a democracia. Acorda Brasil.
Sobre os autores:
Sérgio Mascarenhas de Oliveira é presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e membro da Academia Brasileira de Ciências/ sm@usp.br
Isaac Roitman é professor emérito da Universidade de Brasília e membro da Academia Brasileira de Ciências/ iroitman@uol.com.br