Um dos grandes desafios da ciência brasileira é a interação com o setor industrial e a transformação do conhecimento adquirido em aplicação. A segunda edição do evento Academia-Empresa promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) aconteceu no Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (Cienp), em Florianópolis, e abordou a área de fármacos sob a luz da comunicação entre produção científica e aplicação industrial. Pontos como o alto valor dado à publicação de artigos de escopo estreito e não às pesquisas colaborativas aplicáveis, a falta de um planejamento nacional de inovação em fármacos e a pouca integração entre instituições, além de entraves burocráticos, foram apontados como grandes atrasos ao desenvolvimento. • Dirceu Barbano (CONSULTOR | INTERFARMA) DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTOS ANTIVIRAIS A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL NA PARCERIA COM O STRUCTURAL GENOMICS CONSORTIUM VISANDO O DESENVOLVIMENTO DE NOVOS MEDICAMENTOS
O vice-presidente da ABC, João Fernando Gomes de Oliveira, destacou o quanto a área farmacêutica tem pouco espaço na inovação brasileira e explicou que o objetivo do evento não era apenas expor as pesquisas em andamento de cientistas da área, mas sim pontuar as carências da inovação farmacêutica. “Temos que entender o que não está dando certo, as deficiências da cadeia que não permitem que tenhamos nas prateleiras das farmácias drogas de origem nacional”, pontuou.
Na abertura do evento, o Acadêmico Jorge Guimarães destacou a relevância de modelos de fomento na orientação de pesquisas para a inovação. Em sua fala, mostrou dados sobre o grande progresso da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), da qual é o atual presidente.
Falta de estratégia e comunicação inter-setores
O presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, reforçou a pouca presença da ciência de fármacos brasileira no mercado. Para ele, falta um plano central de abrangência nacional que articule a inovação na área. “Nós temos um bom número de empresas atuando em projetos voltados para fármacos, mas sinto que falta uma articulação entre esses projetos e acredito quer isso se deva a carência de um plano nacional de inovação em fármacos, com atuação, possivelmente, da Casa Civil”, defendeu.
João Fernando ainda apontou o alto valor do mérito na academia – que se reflete na preocupação com a publicação massiva de artigos de escopo estreito e individual – e como isso se opõe à relevância do trabalho colaborativo para aplicação. “Para que o país alcance uma posição de relevância na produção, é preciso que haja essa estratégia de ampla escala, com objetivos concretos de retorno articulados com empresas, que Davidovich apontou, e que não temos aqui.”
Baixa competitividade em ensaios pré-clinicos


Alternativa no empreendedorismo
Victor Odorcyk, diretor de inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), também ressaltou a pouca interação entre academia e empresas. Lembrou que o Brasil caiu da 48ª (2012) posição para a 81ª (2016) no ranking de competitividade mundial em inovação e destacou o empreendedorismo de empresas start-ups como uma possível saída para a carência de inovação na área de fármacos.
Odorcyk comentou que, com essa premissa em mente, a Finep abriu um programa voltado para o ramo, o Finep Startup, que propõe um aporte de ate R$ 1 milhão para as iniciativas, prevendo investimento para propostas inovadoras das mais diferentes áreas. “De 503 inscrições, apenas três são da área química”, mostrou. Para o vice-presidente da ABC João Fernando Gomes de Oliveira, as startups “podem ser um caminho”. “A área de fármacos acaba ficando refém do modelo atual das empresas, que tem interesse maior na produção de genéricos, nas PDPs, e não na inovação”, afirmou.

Carência de formação superior na área


Burocracia representa entraves
Outro gargalo no processo de produção e liberação de medicamentos é a fiscalização. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é apontada por muitos pesquisadores como um dos maiores vãos nesse sistema. O gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da agência, Varley de Sousa, admitiu que a burocracia da organização atrasa a chegada de produtos às prateleiras, mas apontou: “Muitos dos atrasos causados pela Anvisa se devem também à falta de conhecimento dos pesquisadores sobre os regulamentos”.
Varley contou que a agência busca, hoje, reforçar a comunicação com cientistas para evitar situações como a aprovação de um medicamento em suas fases iniciais, mas que é barrado em razão de detalhes regulatórios no final. “A ideia é que os cientistas se tornem cientes da regulamentação e conduzam a pesquisa desde o início com essas normas em mente, para que não tenhamos que embarreirar a liberação para o mercado no final”, pontuou.
Além dos ruídos de comunicação, Varley destacou ainda a alta demanda em comparação com o número de profissionais disponíveis. “Em 2015, registramos 44 moléculas novas no Brasil, em comparação com 45 da agência dos Estados Unidos e 39 da União Europeia. No entanto a capacidade de eficiência não é proporcional, temos muito menos profissionais”, acrescentou.
Exemplos de integração

Envolvida em acordo com a Fiocruz para a produção do sofosbuvir (anti-viral contra hepatite) em território brasileiro, a Microbiológica teve grande importância no desenvolvimento do medicamento liberado pela FDA (Administração de Alimentos e Drogas, na tradução do inglês. É a agência nacional americana responsável pela regulação destes produtos) e que passou a ser importado para o Brasil em 2015 pelo Ministério da Saúde. Para Rabi, um dos grandes problemas que travam o desenvolvimento de fármacos aqui e representam alto custo na compra desses remédios no exterior é a burocracia. “Uma das grandes diferenças que vejo entre a Anvisa e a FDA é que a primeira segue rigidamente a cartilha e a segunda tem maior abertura para diálogo”, comentou.

Veja aqui as apresentações dos palestrantes:
Investimentos em inovação na área de fármacos e medicamentos e avanços regulatórios na última década. Quais os próximos passos?
• João Pieroni (CHEFE DO DEPARTAMENTO DO COMPLEXO INDUSTRIAL E DE SERVIÇOES DE SAÚDE | BNDES)
• Camile Giaretta Sachetti (DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA | SECRETARIA
DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INSUMOS ESTRATÉGICOS)
• Varley Dias de Sousa (GERENTE-GERAL DE MEDICAMENTOS E PRODUTOS BIOLÓGICOS | ANVISA)
Investimentos das indústrias farmacêuticas instaladas no Brasil (estudos pré-clínicos e clínicos) visando o desenvolvimento de novos medicamentos
• Reginaldo Arcuri (PRESIDENTE | GRUPO FARMABRASIL)
Casos de sucesso da interação entre universidade e empresa visando o desenvolvimento de novos medicamentos
• Jaime Rabi (PRESIDENTE | MICROBIOLÓGICA)
DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTOS BIOLÓGICOS: DESAFIOS E OPORTUNIDADES
• Heraldo Carvalho Marchezini (DIRETOR-PRESIDENTE | BIOMM)
O papel da academia no desenvolvimento de medicamentos no Brasil
• Paulo Arruda (UNICAMP)
OS DESAFIOS DA QUÍMICA MEDICINAL NO BRASIL PARA DAR SUPORTE
AO DESENVOLVIMENTO DE NOVOS MEDICAMENTOS
• Eliezer Barreiro (UFRJ)
