O Acadêmico Cesar Victora, 64, se tornou, nesta semana, o primeiro pesquisador brasileiro entre os vencedores do Prêmio Gairdner, a mais importante premiação científica do Canadá e uma das mais respeitadas mundialmente na área de ciências da saúde. O anúncio foi realizado em cerimônia, às 9h da terça-feira, 28 de março, na cidade de Toronto, Canadá.

Além de Professor Emérito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Victora ocupa posições honorárias nas universidades de Harvard, Oxford, Johns Hopkins e Londres. Ele é também coordenador do Centro Internacional de Equidade em Saúde da UFPel e um dos fundadores e atual diretor da estratégia Countdown to 2030 for reproductive, maternal, newborn, child, and adolescent health and nutrition. A iniciativa reúne governos, agências internacionais e instituições científicas para monitorar o progresso mundial em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU, com foco sobre cobertura e equidade de intervenções efetivas para prevenir mortes evitáveis de mulheres e crianças em 81 países em desenvolvimento.

O cientista recebeu o prêmio pelo conjunto de seus estudos sobre amamentação e nutrição materno-infantil, que demonstraram o impacto do aleitamento materno exclusivo sobre a mortalidade infantil e os efeitos da nutrição nos primeiros anos sobre a saúde da infância à idade adulta.

O projeto de Victora foi utilizado pela Unicef e ONU para estabelecer políticas mundiais de recomendação do aleitamento exclusivo nos primeiros seis meses de vida que são adotadas hoje.

Na década de 80, o pesquisador liderou o primeiro estudo epidemiológico a detectar a relação direta entre amamentação exclusiva e prevenção da mortalidade infantil. Ele conta que o interesse pelo tema surgiu pela insistência de casos de infecções infantis nas comunidades onde trabalhava após concluir a faculdade de medicina. “Eu sempre gostei de trabalhar com crianças, e me angustiava ver as mesmas crianças consultando repetidamente com subnutrição, diarreia e outras infecções. Me impressionava também a curta duração do aleitamento materno no Brasil, que naquela época tinha uma duração mediana de 3 meses”, explica.

Por meio da revisão de todos os óbitos infantis ocorridos no período de dezembro de 1984 a dezembro de 1985 em dez cidades no Rio Grande do Sul, o estudo de casos e controles revelou que o aleitamento exclusivo até os seis meses reduzia em 14 vezes o risco de óbito infantil por diarreia e em 3,6 vezes o risco de óbito infantil por infecções respiratórias. O estudo identificou ainda que o risco de mortalidade aumentava entre crianças que além do leite materno recebiam água, chás ou sucos.

Como colaborador da Organização Mundial de Saúde, Victora foi um dos coordenadores do estudo multicêntrico que documentou o crescimento de 8,5 mil crianças de cinco continentes. Iniciado em Pelotas (RS) pelo grupo de pesquisa liderado pelo epidemiologista, o estudo estabeleceu as novas curvas de crescimento infantil da OMS para crianças de zero a cinco anos. Pela primeira vez em saúde pública, o instrumento constitui uma referência mundial para o crescimento infantil, sendo adotado atualmente em mais de 140 países, inclusive no Brasil.

Em 2006, à frente da coorte de nascimento iniciada em 1982 em Pelotas (RS), Victora coordenou um consórcio internacional de pesquisa incluindo cinco coortes de nascimentos em países de renda baixa e média. O estudo reuniu informações sobre a saúde de aproximadamente 11 mil crianças, monitoradas do nascimento à idade adulta. A análise do impacto da nutrição precoce sobre o desenvolvimento de fatores de risco para doenças crônicas na vida adulta levou os pesquisadores a elaborar o conceito de “janela de oportunidades”, preconizando que intervenções nutricionais em saúde materno-infantil devem priorizar os primeiros mil dias – do início da gestação aos dois anos de vida. Os achados constituem uma das bases da campanha 1,000 Days, conduzida como estratégia prioritária para a promoção da saúde de gestantes e crianças em países de baixa e média renda.

Mais recentemente, o trabalho de Victora voltou a mobilizar a atenção da comunidade científica internacional ao fornecer as primeiras evidências epidemiológicas de efeitos da amamentação sobre a inteligência, que persistem até a vida adulta. Publicados na revista The Lancet Global Health de março de 2015, os resultados apontaram associação entre amamentação prolongada na infância e capital humano na vida adulta: crianças que foram amamentadas por mais tempo até a idade de dois anos apresentaram melhores níveis de inteligência (QI), escolaridade e renda aos 30 anos.

Victora diz ter sido surpreendido pela vitória na premiação: “Eu sabia que havia sido indicado pela Dra. Nubia Munoz, que descobriu a relação entre o vírus HPV e o câncer de colo uterino, e que foi agraciada com o prêmio em 2009. Mas sabia também que a competição seria acirrada, tendo em vista os agraciados nos anos anteriores, os quais são cientistas mundialmente famosos. ” Para ele, o prêmio é um grande feito pessoal que atribiu também ao resultado de um crescimento na ciência brasileira nos últimos anos. O pesquisador vê, no entanto, uma preocupação no cenário atual. “Houve um grande crescimento da ciência brasileira nos últimas duas ou três décadas, e eu sou um produto desta geração de cientistas, mas vejo o momento atual com muito receio, pois toda a continuidade do progresso científico do país está ameaçado por restrições orçamentárias, diz ele.

Sobre o prêmio
O Prêmio Gairdner distingue anualmente sete cientistas por suas contribuições à pesquisa em medicina e saúde global, tendo premiado, desde 1957, mais de 360 pesquisadores em 30 países. Victora foi vencedor na categoria Saúde Global, com o prêmio-título John Dirks Canada Gairdner Global Health Award, que reconhece avanços científicos que produziram profundo impacto para a saúde em países em desenvolvimento. Cada um dos premiados é considerado um potencial candidato ao prêmio Nobel – entre os laureados do Gairdner, 84 foram posteriormente agraciados pelo Nobel de Medicina ou Fisiologia.