O Banco Mundial divulgou no início deste ano um extenso e multifacetado relatório sobre o impacto das tecnologias digitais em todo o mundo. Com o título “Dividendos digitais”, o documento é um alerta a respeito da disseminação das tecnologias digitais, que muitas vezes podem não ser a panaceia que delas se espera.

Várias são as leituras possíveis desse documento, que certamente dependem do gosto, do ofício e do interesse do leitor. Em qualquer leitura, no entanto, estão embutidas algumas perguntas fundamentais: qual o papel das tecnologias digitais no mundo atual? Quais os seus custos e benefícios? E é justamente neste momento de várias mudanças globais em que o avanço tecnológico paradoxalmente se confunde com crise, desemprego e aumento das desigualdades que devemos buscar uma melhor compreensão do impacto da internet e das tecnologias digitais.

As chamadas tecnologias digitais – internet, smartphones, e todas as outras ferramentas de software para coletar, armazenar, analisar e compartilhar informações – espalharam-se rapidamente pelo mundo inteiro. Mais de 3,2 bilhões de pessoas têm acesso à rede. Num dia típico, mais de 207 bilhões de e-mails são enviados, 4,2 bilhões de buscas são feitas no Google e mais de 1 bilhão de pessoas se conectam ao Facebook. Para buscar um entendimento mais aprofundado desse fenômeno global, o relatório do Banco Mundial centra-se em três conceitos fundamentais: dividendos digitais, complementos analógicos e riscos.

Vejamos, então, cada um deles em separado.

Os dividendos digitais são basicamente os benefícios trazidos pelos investimentos em internet e tecnologias digitais e concentram-se principalmente no crescimento econômico, na criação de empregos e nos serviços de qualidade. Fundamentalmente, os principais benefícios alinham-se ao longo de três eixos: 1) inclusão, 2) inovação e 3) eficiência.

Ao reduzir os custos da informação, as tecnologias digitais reduzem também o custo das transações econômicas e sociais para as empresas, os indivíduos e o setor público. A inovação e a eficiência tornam-se evidentes quando os custos das transações ficam próximos de zero, tornando os serviços públicos e privados mais baratos, rápidos e convenientes. A inclusão decorre do aumento do número de pessoas com acesso a serviços que anteriormente estavam fora de alcance de parte da população.

Embora a internet e as tecnologias digitais estejam presentes nos quatro cantos do planeta, os dividendos digitais não estão distribuídos de forma equânime, especialmente nos países em desenvolvimento. Duas são as razões principais.

Primeiro está o fato de que quase 60% da população global ainda não tem acesso à internet e, portanto, não participa de maneira significativa dos benefícios da economia digital.

Segundo, em muitos países, os potenciais benefícios das tecnologias digitais acabam sendo anulados ou reduzidos pelas ineficiências locais, sejam elas de infraestrutura ou arcabouço regulatório.

Países que são capazes de rapidamente se adaptar à evolução da economia digital colhem maiores dividendos digitais. Outros acabam ficando menos competitivos por não serem capazes de avançar nos benefícios dessas tecnologias. Isso leva a uma perda de competitividade geral, de empresas e de indivíduos, nesses países.

Mas por que alguns países rapidamente usufruem os benefícios dos investimentos digitais e outros não? A resposta dada pelo Banco Mundial passa pelo conceito dos chamados “complementos analógicos”, que são condições regulatórias adequadas e compatíveis com a agilidade e a eficiência dos negócios digitais. Isso não se restringe às empresas de internet, qualquer segmento da atividade econômica depende cada vez mais das tecnologias digitais para competir e inovar.

O avanço acelerado das tecnologias digitais traz riscos, que podem ser agrupados em três grandes categorias: concentração econômica em alguns setores, aumento das desigualdades sociais e controle excessivo dos cidadãos por governos e grandes corporações. Os riscos podem ser mitigados pelos complementos analógicos, ou seja, ambiente regulatório moderno e adequado, leis que protejam os direitos humanos na internet e capacitação da força de trabalho.

O Brasil conquistou avanços importantes nos últimos anos em direção à economia digital. Mas há ainda muito a fazer! Avançou com o Plano Nacional de Banda Larga, porém o acesso em alta velocidade ainda precisa ser ampliado. O País está na vanguarda da formulação e implementação de políticas públicas para a governança global da internet. O Marco Civil, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e a conferência da NETmundial são iniciativas brasileiras que têm um amplo reconhecimento internacional. O País avançou também com programas de apoio a startups, apoio à pesquisa e ao desenvolvimento científico e tecnológico e à formação de engenheiros e pesquisadores em tecnologias digitais. Além do Marco Civil, todavia, outras legislações são necessárias. Estão em elaboração o anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais e a revisão do modelo de prestação de serviços de telecomunicações.

A política, a economia, o trabalho, o entretenimento e as relações interpessoais desenvolvem-se cada vez mais no ciberespaço, criado pela internet e pelas tecnologias digitais. O ciberespaço é chave estratégica para o desenvolvimento social e econômico de todos os países. O Brasil tem construído políticas de Estado para internet que dão a segurança necessária para o País desenvolver plenamente uma agenda digital. Em razão da velocidade da evolução tecnológica, no entanto, o Brasil precisa estar atento à construção de novas políticas públicas que maximizem os dividendos e diminuam os riscos futuros.