O Brasil segue na contramão do que se faz no mundo para promover a excelência no ensino superior. A afirmação é do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Abilio Baeta Neves, durante mesa-redonda na 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu em julho, na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Porto Seguro. Neves alertou que o ensino superior tem que se diferenciar, pois as instituições fariam melhor se atendessem vocacionalmente objetivos distintos.

Abilio Neves, Luiz Curi, Hernan Chaimovich e Luiz Davidovich

“É preciso entender que há uma necessidade de diferenciar instituições e suas vocações, gerando indicadores de qualidade que afiram a qualidade do ensino, mas também valorizem quem se preocupa de fato com essa qualidade”, afirmou Neves. Em relação à avaliação de excelência, ele defende que precisamos ter instrumentos adequados para avaliar objetivos distintos. “Quando falamos de universidades de pesquisa e de nível internacional, temos uma percepção clara do que significa. Nossa comunidade é móvel, circula internacionalmente e sabe o que está acontecendo no exterior, mas parece que quando volta para o Brasil, bloqueia a experiência internacional para construir um projeto nacional.”

Para o presidente da Capes, o debate sobre a promoção da excelência de nível internacional nas instituições está travado em questões de governança, formatos reais de contratação de docentes, de direção acadêmica e outros. É preciso reconhecer as diferenças e os níveis de demanda. “A nossa pós-graduação pode ser uma boa referência nessa direção, bem como os INCTs [Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia]. Mas não adianta falarmos em internacionalização da pós-graduação como um indicador de resposta ao desafio da excelência se não conseguimos reproduzir elementos básicos para isso.”

O número de alunos estrangeiros nas instituições de ensino superior é muito baixo, e temos ainda menos disposição de abrir o corpo docente das universidades, agregando pesquisadores e professores de formação internacional. “Países escandinavos estão com quase 45% dos docentes de ensino superior estrangeiros. Aqui, parece que temos que funcionar com uma espécie de reserva nacional. Isso é interessante na perspectiva da abertura de emprego para os nacionais, mas não de internacionalização.”

Números do ensino superior

Luiz Curi, do Conselho Nacional de Educação (CNE), apresentou números relativos ao ensino superior no Brasil – alguns que, há anos, se mantêm preocupantes. Temos, atualmente, pouco mais de 8 milhões de pessoas matriculadas no ensino superior, sendo 1,3 milhões no ensino à distância (EaD). Desses estudantes, 25% estão em instituições públicas e 75% privadas. Temos um total de quase 33 mil cursos, sendo quase 22 mil de instituições privadas.

O Brasil foi marcado por um processo de expansão do ensino superior errático, de modo que o Sudeste concentra 46% dos estudantes, o Nordeste, 20% e o Sul, 17%. Um dos dados mais marcantes é que, por conta da falta de equilíbrio, 56% das vagas de ensino superior existentes no país não estão ocupadas, o que contrasta com a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de ampliar o número de matrículas. “O número de concluintes foi menor em 2014 do que em 2012”, informou Curi.

Essa concentração regional se manifesta mesmo na educação à distância, que também é mais incidente no Sudeste. Ou seja, vai contra o propósito da EaD, cuja política é de proporcionar a diversidade e levar o ensino a áreas com pouca oferta presencial. Uma informação preocupante é que 66% dos municípios não têm oferta alguma de educação superior. “Se tivesse acesso mesmo por meio de educação à distância, o quadro ia se alterar completamente.”

Sobre o aumento na ociosidade das vagas constatado recentemente, Luiz Curi explicou que está havendo uma queda na demanda por vagas públicas, uma vez que a uma maior oerta de matrículas por custo baixo nas instituições privadas. “Não é ruim, mas não favorece um equilíbrio maior. É mais difícil criar universidade na região Norte do que no Sudeste, pois não é fácil seguir os critérios da Capes sem oferta de mestres e doutores.”

Assim, há não apenas concentração de vagas em determinadas regiões do país, como também concentração das matriculas em quatro cursos: administração, direito, pedagogia e ciências contábeis, que correspondem a 36% das matrículas. Um fator considerável é que, pela primeira vez, o curso de direito passou a ter o maior número de matrículas no país, ultrapassando administração.

Temos uma taxa de 17% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, incluindo os que já concluíram. Na Bolívia, esse índice é de 21%, e na Venezuela, 26%. Já em relação aos jovens de 18 anos ou mais, a taxa brasileira passa a ser de 26%. A meta 12 do PNE é que suba para 33% a matrícula dos jovens de 18 a 24 anos e 50% para os de 18 ou mais. “Difícil, porque esse número só vai crescer se houver incentivos para tal.”

Luiz Curi também criticou a política de avaliação, afirmando que esta não pode se limitar a um diagnóstico básico de continuidade ou não. “A avaliação brasileira não estimula políticas institucionais, e aí não estimula governanças. A própria nota do Enade [Exame Nacional de Desempenho de Estudantes] não é capa de determinar a necessidade de política de melhoria dos cursos.”

Investimentos em CT&I estagnados

O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Acadêmico, Hernan Chaimovich, afirmou ser “totalmente impossível avançar no ensino superior no Brasil chamando de laranja o que é banana, e se banana quer ser laranja e laranja quer ser abacaxi”. Isso porque existe um amplo espectro de instituições de ensino superior que não são universidades.

Nesse contexto, Chaimovich citou as características de uma universidade de pesquisa: excelência em pesquisa, liberdade acadêmica, entusiasmo intelectual, instalações adequadas para o trabalho acadêmico oferecendo suporte a pesquisa e ensino, consistentes e duradouras, governança, liderança acadêmica em todos os níveis. “Elas desenvolvem ciência e tecnologia, mas também cultura e educação. Têm que ter distribuição de autoridade e funções entre unidades de uma instituição; clareza dos modos de comunicação e controle entre as unidades; uma tradição estabelecida garantindo controle sobre a admissão de estudantes, currículo, critérios para a concessão de títulos, seleção de novos membros.”

O presidente do CNPq lembrou que, no Brasil, o número de trabalhos científicos aumenta, mas a relevância deles não cresce na mesma proporção. Há pouca correlação entre quanta p
esquisa se faz no país e o quanto elas contribuem para o Índice de Desenvolvimento Humano no pais. Além disso, nossa produção de patentes é muito baixa. “Em qualquer país desenvolvido, as patentes são produzidas por empresas, mas, no Brasil, são as universidades que fornecem a maior quantidade de inovação.” Ainda assim, a produção científica está concentrada em poucas universidades.

Chaimovich ressaltou que existem bons programas de estímulo à pesquisa, como os INCTs, citados previamente por Abilio Neves. “Não há um estado no Brasil que não tenha um grupo de pesquisa associado a um INCT.” O problema é que o dispêndio em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil está muito abaixo de países como a China, Estados Unidos, Japão e Alemanha. “Estamos estagnados há 15 anos. O Estado não considera que ciência, tecnologia e inovação (CT&I) merecem além da porcentagem de 1,2% do PIB que o país está recebendo há tanto tempo.”

Repensando o ensino superior

O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, disse ser necessário repensar a universidade e, desde 2004, a ABC vem produzindo estudos pertinentes sobre esse tema. Um deles foi o documento “Subsídios para a reforma da educação superior”, que motivou, entre outras importantes iniciativas, a criação da Universidade Federal do ABC (UFABC). Inovadora, esta instituição tem muitos pontos em comum com a recém-criada UFSB, como a ideia de ciclos de formação, interdisciplinaridade e colégios-universidades.

Além desse, um documento produzido pela ABC em 2008 versa sobre o ensino de ciências e a educação básica e um livro sobre a aprendizagem infantil foi publicado em 2011. A Academia produz, atualmente, mais uma publicação, com o título provisório “Repensar a educação superior no Brasil – análises, subsídios e propostas”. Davidovich também citou como referência o Livro Azul, com conclusões da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, em 2010, que teve a participação de amplos setores da sociedade.

O presidente da ABC comentou que já começamos atrasados no ensino superior: nossa primeira universidade foi a federal do Amazonas, criada em 1909. A Universidade de Bologna foi fundada em 1088 e Harvard, em 1636. “Mesmo assim, tivemos sucessos – aviões da Embraer resultaram do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e a Coppe tem o maior tanque oceânico do mundo, de 23 milhões de litros, fruto da colaboração com a Petrobras”, lembrou Davidovich. Ele também citou a Embrapa, que com ciência e tecnologia contribuiu para o aumento da produtividade de alimentos de forma que, hoje, podemos produzir quatro vezes mais soja sem expandir o uso de terras.

Ainda assim, mais da metade da população no Brasil não concluiu o ensino médio e uma proporção pequena concluiu o superior. O país está em uma situação ruim comparado mesmo com países da América Latina. A proporção da população de 55 a 64 anos e de 25 a 34 anos com ensino superior aumentou, portanto a educação melhorou, mas os níveis são muito baixos se comparados aos da Coreia do Sul.

Os gastos em relação aos vários níveis de educação no Brasil giram em torno de 6% do PIB, não estando, portanto, muito diferentes do que é despendido em outros países. “O problema aparece quando se trata do gasto por estudante no Brasil comparado com outras nações: é muito pequeno.”, disse Davidovich. Na relação entre o gasto por aluno em educação superior e educação primária, o Brasil é campeão. “Ou seja, gasta-se por aluno no ensino superior muito mais do que no nível básico.”

Davidovich fez mais algumas comparações. Nos Estados Unidos, o número de matriculados em college é mais ou menos o número brasileiro de matriculados em cursos de quatro anos. Por lá, o número de instituições privadas com intenção de lucro é pequeno, diferentemente do Brasil. Aqui, os colégios universitários são realizados de instituições privadas que visam lucro e detêm 75% das matrículas. O Kroton-Anhanguera, que já era um grupo educacional enorme, está comprando a Estácio e, assim que finalizada a negociação, teremos uma instituição privada com o objetivo de lucro com mais de 1,6 milhão de estudantes. Será a maior do mundo.

O físico comentou que está acontecendo um movimento internacional pela renovação e reforma da educação superior. Em Harvard, estudantes têm que fazer pelo menos um curso em outra área que não a sua. Há áreas como compreensão estética e interpretativa, raciocínio empírico, raciocínio ético, cultura e crença, os estados e o mundo e ciência dos sistemas vivos. O objetivo é formar profissionais com uma visão do mundo mais universal. Já a China, em 1995, escolheu 100 universidades-chave para receber financiamento e monitoramento especiais e serem incentivadas a cooperar com instituições estrangeiras.

Uma mostra da necessidade de repensar o ensino superior no Brasil é a carga horária dos cursos de engenharia. O CNE estabelece o mínimo de 3.600 a 4.000 horas, mas as universidades públicas chegam a 4.500 horas. No Massachusetts Institute of Technology (MIT), a carga horária é de 2.800 horas, incluindo eletivas em humanidades. Assim, os alunos têm mais tempo para estudarem sozinhos, não sendo sobrecarregados com disciplinas obrigatórias ultraespecializadas.