Descentralizar e ampliar o acesso do ensino superior, além de estreitar a relação entre universidade e empresa e criar marcos regulatórios mais ousados, são fatores que podem impulsionar área de ciência, a tecnologia e inovação nos próximos anos. A avaliação é do cientista e Acadêmico José Eduardo Krieger, pró-reitor de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), ao apontar entraves para o desenvolvimento do país em ciência e tecnologia.
O cientista do Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da USP participou, na segunda-feira, 22, de audiência pública da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), do Senado Federal, que reuniu parlamentares, especialistas, governo e representantes industriais para debater o tema “Marco Legal para o desenvolvimento de um Sistema Nacional de Conhecimento e Inovação (SNCI) no Brasil: Projetos em Andamento e Lacunas a Preencher”. O evento foi mediado pelo senador Cristovam Buarque (PTD-DF), presidente da comissão.
Ao mesmo tempo em que defende melhoria na qualidade e relevância da produção das universidades, Krieger vê necessidade de ampliar o acesso de jovens brasileiros no ensino superior e de eliminar o déficit na formação de profissionais.
Segundo ele, apenas 15% “de nossos” jovens de 18 a 25 anos estão no ensino superior. Enquanto que nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) esse percentual chega a 80%.
Para Krieger, o ensino superior brasileiro é complexo e heterogêneo. É complexo, disse, porque o País possui 200 milhões de habitantes e 7,3 milhões com educação superior. São formados cerca de um milhão por ano.
Ele reconhece que houve avanço considerável no sistema universitário brasileiro. Vê, porém, um longo caminho a ser percorrido. Para ele, o crescimento foi puxado pelo setor privado que detém hoje 75% dos alunos.
Um dos impactos desse cenário recai na qualidade do ensino. Segundo Krieger, indicadores mostram que os alunos formados no setor privado têm desempenho inferior aos formados no sistema público.
Desconcentração do sistema
No entendimento de Krieger, o sistema também é heterogêneo. Nesse caso, disse que a USP, sozinha, responde por quase 23% de toda produção científica do País e por 22%, mais ou menos, da formação de doutores.
“Isso é uma fonte de preocupação. Esse cenário está mudando, mas a velocidade precisa ser mais rápida”, opinou.
Para ele, é fundamental criar novos ciclos nas universidades e acabar com o modelo de “torre de marfim”.
“O desafio é investir na qualidade das universidades, na relevância do que é produzido e na relação das universidades com a sociedade geral, seja ela do setor público ou privado. Isso requer um sistema integrado e hierarquizado de um ensino superior amplo e diversificado”, disse.
Para Krieger, esses desafios “representam um enorme dilema”. “Como garantir a expansão e o acesso com a necessidade de focar na qualidade e relevância de nossas instituições?”, questionou.
O pró-reitor de pesquisa da USP sugeriu adotar, por exemplo, um modelo de USP em cada região para que o país possa ganhar competitividade na área do conhecimento especializado e na produção de conhecimento.
Krieger defendeu, ainda, a criação de marcos regulatórios mais ousados e disse que uma legislação eficiente se faz necessária para dar “norte” ao segmento.
Desigualdade estrutural
Em outra frente, o reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Naomar Monteiro de Almeida Filho, disse que a desigualdade estrutural na educação brasileira – na qual apenas uma minoria social tem acesso à universidade pública e ensino de qualidade – é o principal entrave para a inovação no país. No entendimento de Almeida Filho, desconstruir a educação como fator de exclusão social é uma medida urgente para o País avançar.
Por sua vez, a Secretária Executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Emília Maria Silva Ribeiro, disse que há um descompasso considerável entre o investimento público e privado na área. Para ela, o governo estadual e federal vem investindo recursos na área, mas as empresas brasileiras não estão engajadas e nem possuem a cultura de investir em pesquisa e inovação.
A representante do MCTI citou como avanço a tramitação dos marcos regulatórios da área de CT&I que estimulam o desenvolvimento científico, tecnológico e a inovação. Nesse caso, citou a promulgação da Emenda Constitucional (EC) 85 – que estimula o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação – e a aprovação da lei que institui o novo Marco Legal da Biodiversidade.
Ribeiro acrescentou que o Ministério vem apoiando e acompanhando de perto propostas referentes à área de ciência e tecnologia, dentre as quais o PL 2177/2011. Esse projeto altera o modelo de atuação das instituições científicas e tecnológicas (ICT) públicas perante empresas e incentiva a participação de pesquisadores em projetos de pesquisa por intermédio de parcerias com o setor privado.

Perda de competitividade da indústria
Já o diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi Ramacciotti, lembrou que o Brasil vem perdendo competitividade no exterior em decorrência do “custo Brasil” e de dificuldades para competir. Disse que os países ricos têm investido consideravelmente em inovação e em ativos intangíveis (conhecimento), diante da facilidade no ambiente de negócios.
Segundo ele, quando a estrutura de dispêndio público é “bem encaixada” é possível alavancar muito o dispêndio privado.
“A China, Coreia, Japão, Alemanha e Estados Unidos conseguem alavancar os dispêndios públicos e privados de maneira mais clara. Isso assegura a participação de empresas globais de valor e a alavancagem no sistema nacional de inovação, estabelecendo uma rede cooperativa sistêmica entre esses países, gerando um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico e social”, declarou o representante da CNI.
Ainda que reconheça problemas “de intensidade nas estratégias empresariais”, o representante da CNI acrescentou que a natureza burocrática dos instrumentos de política pública no Brasil está distante do mundo empresarial e tem foco na lógica acadêmica.
Ramacciotti considera fundamental avançar na agenda de inovação. “O Brasil precisa aprimorar a relação entre empresas, universidades e ICTs.”
Dependência externa
Ao refletir o cenário, o senador Cristovam Buarque avaliou que se o País não conseguir dar um salto na área de ciência, tecnologia e inovação nos próximos 20 ou 30 anos, a dependência externa brasileira pelos importados será “um desastre”. “Hoje só vivemos se lá de fora mandarem remédios e equipamentos médicos. Só falamos ao telefone porque alguém inventou lá fora. E pelo ritmo que está, isso vai continuar assim”, analisou.