Leia artigo do Acadêmico Wanderley de Souza, que discorre sobre o uso de células de mamíferos em cultivo in vitro para a experimentação biomédica e a substituição, sempre que possível, do uso de animais de laboratório.

”Cada vez mais se impõe o uso de células de mamíferos em cultivo in vitro para a experimentação biomédica. Desde sua introdução sistemática por Harrinson em 1907, manter células originárias de diferentes tecidos e órgãos em cultura tem constituído elemento fundamental para o estudo de uma série de processos biológicos que dificilmente poderiam ser estudados no animal inteiro.

Em cultivo, as células podem ser submetidas mais facilmente ao efeito de diferentes condições físicas bem como responder a interferências positivas e negativas ocasionadas por substâncias externas que são adicionadas às células em cultura.

Uma simples análise da literatura científica do sistema de arquivo de trabalhos científicos do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos mostra a existência de cerca de 150 mil artigos publicados com resultados obtidos em experimentos in vitro, utilizando células em cultura.

Os avanços metodológicos têm permitido a obtenção de cultivos de células em suspensão bem como aderidas aos mais diferentes substratos naturais ou artificiais. Técnicas têm sido descritas visando à obtenção de cultivos tridimensionais bem como, com a utilização de várias camadas de diferentes tipos celulares, propiciar a reprodução in vitro de epitélios de diferentes naturezas, mimetizando o que se passa na pele, no sistema urinário, digestório, respiratório etc.

São os chamados sistemas de ”tecidos equivalentes”, fundamentais para a utilização em testes com substâncias de ação farmacológica, cosméticos, etc., permitindo a redução do uso de animais de experimentação.

Para que os experimentos in vitro se aproximem melhor do que efetivamente ocorre no animal, é fundamental que as células utilizadas sejam da mais alta qualidade. Muitas vezes as células em cultura são contaminadas por vírus e/ou micoplasmas, um microrganismo procarionte, provenientes seja de material utilizado no meio de cultivo seja por contaminação através do pesquisador ou do técnico que manipula estas células.

Há ainda a possibilidade de contaminação do cultivo por células de diferentes origens, fato este que ocorre com alguma frequência em serviços que manipulam um elevado número de linhagens celulares. Assim, uma cultura de células considerada como de origem humana pode ser contaminada por células de camundongo ou vice-versa. De qualquer maneira, este cultivo celular não pode ser utilizado para experimentos científicos sob pena de se obter resultados irreprodutíveis.

À medida que cresce a utilização de células em cultura, substituindo sempre que possível o uso de animais de laboratório, é fundamental que se estabeleçam condições que assegurem a qualidade dessas células.

É por este motivo que consideramos altamente relevante a iniciativa do Inmetro, instituição responsável por assegurar a conformidade de vários produtos utilizados pela sociedade brasileira, de oferecer à comunidade científica um serviço gratuito de avaliação da qualidade das células sob dois aspectos.

Primeiro, utilizando diferentes técnicas morfológicas e moleculares, pode-se assegurar se o cultivo está ou não contaminado por micoplasmas. É plenamente conhecido que a presença destes microrganismos, que em geral se associam à superfície das células em cultivo, altera completamente o comportamento da célula, tornando-a inadequada para experimentação científica.

O segundo, também lança mão de técnicas moleculares para assegurar a autenticidade celular tanto no que se refere ao animal como ao tecido ou órgão de origem. Certamente estes dois serviços representam um avanço importante no sentido de prover aos pesquisadores brasileiros células em cultura de qualidade para a experimentação científica.”

 

Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ e diretor do Inmetro, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.