Para o físico mineiro Luiz Gustavo de Oliveira Lopes Cançado, o fascínio pela ciência reside no vínculo entre beleza e realidade. É aí que ela se diferencia da arte. Quando um compositor cria uma música, ou quando um escritor escreve um livro, o objetivo é a beleza da obra, em sua opinião. Mas uma obra científica deve, antes de tudo, descrever a natureza dentro da sua realidade. “A criatividade passa a ser o exercício da descrição de fenômenos naturais através de um ponto de vista até então inexplorado. A beleza nesse caso é ditada pela natureza, e o papel do pesquisador é o de observar e interpretar.”
E é justamente isso que atrai Cançado para o estudo da interação da luz com a matéria em escala nanométrica: a busca em superar dificuldades impostas pela natureza através do desenvolvimento tecnológico e conhecimento científico. “Os melhores desafios são aqueles que parecem impossíveis de ser solucionados. Se uma face da natureza parece jogar contra um certo objetivo, sempre haverá uma outra que poderá jogar a favor. Encontrar a face que joga a favor é o grande desafio”, exalta.
Ele explica melhor sua pesquisa no campo da espectroscopia: quando a luz incide sobre um material, ela é absorvida por ele. A maior parte dessa luz é espalhada de volta, e isso faz com que enxerguemos os objetos. Essa luz espalhada traz uma enorme quantidade de informação sobre o material, e o trabalho de um espectroscopista é extrair e interpretar essa informação. “Ou seja, utilizamos a luz como uma sonda”, compara o novo membro afiliado da ABC, eleito para o período 2014-2018.
Falta de informação profissional e vocacional no ensino básico
A escolha da carreira, no entanto, não foi tão simples. O interesse de Calçado pela área científica nasceu dentro da universidade, e isso porque, antes, ele nem mesmo sabia que se fazia ciência no Brasil. “Nunca me foi dito durante o ensino básico que existe pesquisa no país, e os meios de comunicação geralmente mostram cientistas estrangeiros em matérias compradas de agências internacionais.”
Ele ingressou inicialmente no curso de engenharia mecânica, já que, no ensino médio, havia feito um curso técnico de eletromecânica. Mas o curso de engenharia se mostrou muito similar ao técnico, em um nível mais profundo. “No meio do curso, minha vontade de explorar uma outra área venceu a barreira do conforto, e eu resolvi mudar para o curso de física. O meu entendimento de que haviam cientistas brasileiros só aconteceu quando eu já estava dentro da universidade. Isso mostra como o nosso sistema de ensino não propicia ao jovem o entendimento de sua própria vocação.”
Boa orientação na universidade fez a diferença
Assim que entrou no curso de física, Calçado começou a fazer iniciação científica com o Acadêmico Marcos Pimenta, seu orientador do mestrado e doutorado. Nessa época, o jovem cientista já pensava em seguir a carreira de professor universitário, mas não via com clareza a possibilidade de se tornar pesquisador. “O incentivo do professor Marcos Pimenta foi muito importante para a minha escolha de carreira, pois ele conseguiu identificar a minha vocação para a ciência. Sempre gostei muito de óptica e me identifiquei com a área de espalhamento de luz. Trabalho com isso até hoje e sou muito feliz com a minha escolha”, comenta.
Durante a graduação, mestrado e doutorado, Cançado trabalhou na área de espectroscopia Raman de nanomateriais de carbono. Além de Marcos Pimenta, outro membro da ABC que também o ajudou foi o Acadêmico Ado Jório Vasconcelos: “Ele contribuiu muito para a minha tese”, diz. O físico também fez um estágio de doutorado de um ano no Japão, no Instituto de Tecnologia de Tóquio. “Este foi um período extremamente interessante, onde eu tive a minha primeira experiência internacional. Meu orientador no Japão foi o professor Toshiaki Enoki, um dos pesquisadores mais influentes do mundo na área de nanomateriais de carbono.”
Por insistência de Pimenta, Cançado se envolveu com o estudo dos nanografites. “Pimenta entendeu que essa era uma lacuna interessante e com um futuro promissor. E o tempo rapidamente mostrou que ele estava certo”, conta o afiliado. Ele lembra que, logo no final do seu doutorado, um grupo da Universidade de Manchester conseguiu isolar um único plano de grafite, a que deram o nome de grafeno. “Apesar de o grafeno ter surgido com status de um novo material, grande parte dos nossos estudos em nanografites se aplicavam a ele, e nosso trabalho foi amplamente reconhecido pela comunidade internacional.” Eles acabaram recebendo o Prêmio Capes de Teses da área de Física e Astronomia do ano de 2006, cujo título era “Espectroscopia Raman de Nanografites”.
Movido a paixões
Cançado teve uma infância tranquila no subúrbio de Belo Horizonte, em uma época onde as casas não tinham as portas trancadas e a vizinhança toda se conhecia. Era uma criança curiosa, que gostava muito de ler. Hoje, com um filho de cinco anos e uma esposa “adorável”, ele gosta de passar o tempo livre com a família. E é à sua companheira que o mineiro dedica o título conferido pela ABC: “Ela sempre me apoiou com extrema dedicação e companheirismo”.
Para o físico, o título representa um prêmio à sua dedicação e paixão pela ciência. “Acho muito louvável a atitude da ABC em criar a classe de membro afiliado no intuito de incentivar os pesquisadores jovens”, reconhece. “Sinto que estes possuem poucas chances de exercer influência sobre a estrutura que compõe o desenvolvimento científico no Brasil. Espero levar à ABC a visão desses jovens pesquisadores.”