Se, no plano político, as negociações de paz entre Israel e Palestina encontram inúmeros obstáculos para se concretizarem, no âmbito científico a relação é pacífica – ou pelo menos tenta ser, na maior parte das vezes. O químico e pesquisador palestino Hasan Dweik e o historiador israelense Dan Bitan dirigem, juntos, a Organização Israelense-Palestina para a Ciência (IPSO, na sigla em inglês), fundada em 2004, cujo foco é desenvolver a ciência e educação nessas duas comunidades, promovendo o diálogo e a diplomacia.
Mais do que parceiros profissionais, os dois são amigos, mesmo discordando um do outro em vários assuntos. Ainda assim, Dweik e Bitan encaram as diferenças com bom humor e de forma respeitosa, mostrando que, apesar dos desacordos, a convivência é possível, e servindo de exemplo para seus respectivos povos. “Nós somos como um casal, brigamos o tempo todo”, brinca Dan Bitan (na foto à esquerda), censurado diversas vezes durante a entrevista pelo colega, que alega que ele está falando demais. “Esse é o problema de historiador, não consegue focar. Nós, cientistas, vamos direto ao ponto”, provoca Dweik. Além do IPSO, os dois têm um projeto de educação científica que visa a capacitação de recursos humanos nessa área, de modo a melhorar a qualidade do ensino de ciências. “Faltam especialistas em educação científica na Palestina”, afirma o químico. “O que acontece é que, ou se ensina educação, ou se ensina ciência, e nós queremos mesclar os dois.” O projeto inclui um museu interativo de ciência que utiliza o método “mão na massa”, instalado em 2003 na Universidade palestina de Al-Quds, em Jerusalém.
A cooperação acadêmica entre Israel e Palestina sempre esteve ligada à situação política da região. Segundo Dan Bitan, ela surgiu após as negociações de paz de 1991, mediadas pelos Estados Unidos. Essas relações, no entanto, se limitavam ao campo político, econômico e de saúde. Somente entre 1994 e 1995, após o acordo de Oslo, assinado em 1993, é que a cooperação científica começou a se estabelecer. Um dos líderes dessa nova interação foi o professor palestino Sari Nusseibeh, atual presidente da Universidade de Al-Quds. “Foi aí que surgiu a relação entre Israel e Palestina no sentido de ciência pela ciência, e não ciência pela política”, conta Bitan.
Ainda assim, a resistência é forte, principalmente entre os palestinos. “Eles só querem trabalhar juntos se a ocupação israelense na Palestina acabar”, explica Bitan, que apoia a causa da comunidade de seu colega. Tanto o historiador quanto Dweik acreditam que uma grande parte dos acadêmicos continuará relutante enquanto uma solução de paz não for estabelecida entre as duas comunidades.
Limitações territoriais
As barreiras para uma cooperação científica eficaz também são territoriais. Israel limita a entrada de palestinos no país e, se um cientista da Palestina quiser atravessar a fronteira para ir a uma universidade em Jerusalém, por exemplo, uma permissão deve ser requerida por um israelense. “Se ele pretende ficar 12 horas em Israel é um processo, se quer passar a noite, é outro”, relata Bitan. “O ministro da Educação israelense defende que, se os palestinos tiverem livre circulação, não haverá mais resistência”, completa Dweik (na foto à direita).
A complicada situação territorial da região é um dos pontos de maior discordância entre os dois colegas. Em 1967, Israel ocupou os territórios não contíguos da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental, reivindicados pela Palestina, provocando divisões na região. Dweik, por exemplo, mora na parte leste de Jerusalém e não tem limitações de circulação, mas não participa das votações para o Parlamento de Israel.
O compromisso de mais uma negociação de paz, estabelecido com os Estados Unidos, termina em abril de 2014, e Dweik e Bitan estão incertos sobre sua conclusão. “Eu sou otimista e meu amigo é pessimista. Geralmente ele está certo”, disse o israelense, que também reconheceu as complicações: “Israel considera Jerusalém sua capital, e a Palestina também. Se você pergunta a um israelense se ele confia em um palestino, ele dirá que não. Eles querem uma solução pacífica com os palestinos atrás do muro.” Dweik encara a situação de forma realista. “O acordo de paz de Oslo deveria durar cinco anos, mas estamos há 20 ainda tentando negociar.”
A água da região, que já é escassa, também é um problema, uma vez que é controlada por Israel. Por isso, esse é um tema trabalhado pelos diretores do IPSO, que agora estão preparando uma proposta de um grande projeto sobre hidrologia. “Estamos tentando levantar fundos – não recebemos recursos governamentais para não sofrer interferência -, mas já temos metade do dinheiro”, informa Bitan. “Não temos dinheiro nenhum”, contradiz Dweik. E, enquanto Israel e Palestina não avançam nas negociações, seus dois representantes científicos já chegaram a um acordo de paz – porém turbulento.