Os problemas enfrentados pelos usuários e profissionais do sistema de saúde pública no Brasil são conhecidos. Existe uma grande defasagem entre o desenvolvimento da pesquisa nas universidades e a prática médica nos hospitais e postos de saúde e são muitos os fatores econômicos e políticos a serem enfrentados para mudar esta realidade. Para debater os caminhos que podem acelerar esse processo, a Academia Brasileira de Ciências e a Academia Nacional de Medicina realizaram um simpósio sobre medicina translacional no dia 29 de novembro na sede da ABC no Rio de Janeiro.
De acordo com os Acadêmicos Eduardo Moacyr Krieger e Marcello André Barcinski, que coordenaram o simpósio, a medicina translacional é um novo paradigma para acelerar a transferência do conhecimento gerado na bancada para a prática médica. “Ela envolve o conjunto dos conhecimentos concebidos nos laboratórios biomédicos, associado àqueles produzidos por outras ciências, em busca da melhoria dos serviços de saúde”, explicou Krieger.
A proposta do simpósio foi estimular a divulgação deste novo paradigma, avaliar a experiência brasileira e o engajamento das comunidades científica e médica no esforço de superar, com medidas concretas, a grave posição que se encontra o país nesse campo. Por isso, os palestrantes dedicaram parte de suas apresentações a explicar a urgência de se discutir a medicina translacional no país, seja entre os pares, seja na divulgação para a sociedade.

Reengenharias na saúde

O Acadêmico Mario José Abdalla Saad afirmou que a medicina translacional envolve ciência básica, passando pelo esclarecimento dos mecanismos das doenças até o desenvolvimento de novas drogas, sua aplicação, a disseminação deste conhecimento e novos protocolos que beneficiarão os pacientes e toda a sociedade. “As faculdades de medicina precisam aproveitar a oportunidade e rever suas estruturas para acompanhar esta transformação. O curso de medicina deve se tornar transdisciplinar, desenvolvendo parceria com a química no que diz respeito a novas terapias; com a física, visando a criação de novos equipamentos; com a matemática, em função da estatística; e com outras disciplinas que possam contribuir para a inovação nas abordagens clínicas e o aprimoramento da medicina”, explicou.

O Acadêmico José Eduardo Krieger acredita que a medicina translacional é o melhor meio de se alcançar a reengenharia do sistema de saúde, porque ela concilia as demandas dos médicos, pesquisadores, gestores e pacientes. A meta principal é encurtar o tempo gasto entre produzir um conhecimento novo e este se tornar um novo produto, seja um diagnóstico ou uma nova forma terapêutica. “Ela é parte de uma evolução da medicina, em busca de um cumprimento mais efetivo de seus objetivos da bancada e da clínica. Haverá quem diga que é passageiro, mas pela forma como agrega setores sociais distintos, creio que seja mais do que isto”, afirmou.

Medicina Translacional em teste

O acadêmico Rubens Belfort Mattos Junior também enfatiza que a medicina translacional envolve médicos, clínicos, pesquisadores e profissionais de outras áreas no cuidado com a saúde: “É uma evolução da forma anteriormente praticada, de forma processual, baseada em evidências, mas desenvolvendo as pesquisas de uma maneira menos especializada ou de maneira mais abrangente, se preferir ver desta forma.” Para isto, do ponto de vista do palestrante, será necessário vencer o desafio de implementação pública, para realmente atender a toda população, aplicando suas vantagens no Sistema Único de Saúde.

O Acadêmico Manoel Barral Netto estende os desafios atuais da medicina translacional no país: reunir um número maior de profissionais engajados, aumentar os investimentos na área, estabelecer uma rede de parcerias e de trocas de informação mais apuradas. Para superá-los, será necessária a criação de estratégias para obtenção de recursos dentro das formas regulares de apoio, como o CNPq. “A presença da medicina translacional ainda é pequena, se tomarmos como referência, por exemplo, os projetos que são enviados ao CNPq. Além disso, precisamos fazer um plano que tenha objetivos e metas bem definidos, incluindo áreas prioritárias para estímulo, metas físicas a serem alcançadas, indicadores de adequação dos mecanismos de apoio, tanto logístico quanto financeiro, para a criação de grupos de trabalho”, afirmou.

Ao final do evento, o Acadêmico Marcello Barcinski apontou a principal ação a ser encaminhada, decidida pelo grupo: organizar um comitê integrado das duas Academias para redigir um projeto nacional em Medicina Translacional, usando a força de ambas. “Isso significa demonstrar que as duas pontas da área – a ciência básica e a medicina – estão unindo suas maiores instituições para consolidar a medicina translacional no Brasil.”

Para Krieger, ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências, os objetivos da medicina translacional justificam os esforços das duas Academias em aumentar o conhecimento sobre a área e o engajamento na obtenção de mais espaço. “Nossos objetivos envolvem aumentar a capacidade de pesquisa em saúde; estimular o desenvolvimento de abordagens inovadoras, acelerando a transferência do conhecimento; e formar uma nova geração de pesquisadores interdisciplinares. A ciência no Brasil é jovem e vem evoluindo muito. É o caso de continuarmos trabalhando”, concluiu.