As recordações de infância de Yraima Moura Lopes Cordeiro são felizes. Sua mãe era fisioterapeuta e seu pai trabalhava em uma multinacional. Como a maioria das meninas, Yraima gostava de bonecas e brincava na rua com os irmãose amigos da vila em que morava. No sítio da avó, fazia expedições pelo terreno com a irmã gêmea e o caçula, em busca de tesouros – bolinhas de gude, canetas e tudo mais que era jogado no terreno pelos vizinhos.

Os pais tiveram o cuidado de matricular as gêmeas em escolas diferentes, para que cada uma tivesse sua individualidade preservada. Yraima estudou numa escola montessoriana e, desde que foi alfabetizada, apaixonou-se pelos livros. Por influência dos pais, fez da leitura um hábito. Sua aula predileta era a de artes, mas outras matérias também lhe pareciam agradáveis, já que a metodologia da escola incluía salas-ambiente para cada uma das disciplinas, o que era bastante estimulante.

O interesse pela ciência

Hoje, Yraima é professora adjunta do Departamento de Fármacos da Faculdade de Farmácia da UFRJ, universidade pela qual se graduou em ciências biológicas / modalidade médica e obteve os títulos de mestre e doutora em química biológica. Especialista na área de bioquímica e biofísica de macromoléculas, recebeu, no ano de 2006, o Prêmio para Mulheres na Ciência da ABC-LOréal-Unesco.

Ela recorda que seu gosto pela ciência surgiu quando ingressou, no ensino médio, na antiga Escola Técnica Federal de Química (ETFQ), atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). “O contato com professores que estavam diretamente inseridos no ambiente acadêmico me encantou e estimulou profundamente”, conta a pesquisadora. Apaixonada por bioquímica, Yraima já sabia que desejava se aprofundar no tema. Cumprindo o estágio obrigatório do final do curso, ela entrou no Laboratório de Termodinâmica de Proteínas e Estruturas Virais da UFRJ – coordenado pelo Acadêmico Jerson Lima- ao lado da então aluna de doutorado Leila Pontes, que hoje é coordenadora de Biotecnologia do IFRJ e assessora científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ). “Eu trabalhava com a Leila no estudo do efeito de altas pressões hidrostáticas sobre a infecciosidade e estrutura do Rotavírus, que é um vírus responsável por diarréia infantil. Ela e o Jerson foram grandes referências para minha vida profissional.”

O mergulho na iniciação científica desde o ensino médio assegurou sua escolha por um futuro que envolvesse pesquisa. Na graduação, Yraima foi aprovada em biomedicina na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), mas seu real desejo era cursar farmácia na UFRJ. Continuou então sua iniciação científica nesta instituição, apenas interrompendo o estágio no terceiro período para realizar um curso de alemão em Freiburg, na Alemanha. “Meu avô sempre pagou meu curso de alemão no Instituto Goethe e depois minha ida à Alemanha, pois acreditava que o aprendizado de uma segunda língua estrangeira, uma vez que eu já era fluente em inglês, era essencial para minha formação.”
Seu mestrado e doutorado foram orientados pelo professor Jerson Lima, sendo que no último ela contou com a co-orientação do professor Luís Maurício Lima, presença fundamental em sua trajetória. Ela também valoriza a participação de sua aluna de iniciação científica, Mariana Gomes, a quem orientou diretamente e que atualmente é bolsista de pós-doutorado no laboratório coordenado por Yraima.

Proteína Príon (PrP): o alvo de suas indagações

Yraima trabalha, desde o mestrado, com o estudo da proteína príon (PrP), presente na membrana dos neurônios, envolvida em certas doenças neurodegenerativas que acometem humanos e outros animais, e sobre a qual ainda não se conhece muito. “Não é clara sua função exata, mas sabe-se que essa proteína pode sofrer mudanças em sua forma tridimensional, por motivos ainda desconhecidos”, ressalta a pesquisadora. “Uma vez assumindo essa forma errada, ela se torna capaz de torcer as demais proteínas príon ao seu alcance, em uma reação em cadeia, conferindo a todas a mesma forma errada.” Quando torcidas, elas se agregam umas às outras no interior do cérebro, matando neurônios e causando doenças como o Mal da Vaca Louca ou Encefalopatia Espongiforme Bovina, forma mais conhecida de doença por príons.

Ela investiga como se dá essa mudança na forma da proteína e que moléculas, além da PrP, participam do que ela chama de reação em cadeia. “É importante ressaltar que essas doenças apresentam uma revolução no conceito de patógeno, pois têm, como agente infeccioso, somente uma proteína, com ausência de material genético – DNA ou RNA – como é o caso dos vírus, bactérias e fungos, por exemplo. Não se pode matar a PrP envolvida na doença através de fervura ou radiação ionizante, por exemplo.” Segundo a cientista, as doenças desse tipo envolvem demência progressiva de desfecho fatal e não possuem terapia curativa ou sintomática até o momento.

O amor pela ciência

Além de frutos científicos, suas escolhas profissionais levaram-na a conhecer seu marido, atualmente pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). “Desde que nos conhecemos. ele vem apoiando minhas escolhas, sugerindo novos experimentos e fazendo críticas construtivas ao meu trabalho. Flávio sempre me estimula a seguir adiante e também me lembra de quando devo relaxar!”, diz ela.

Segundo Yraima, o que é encantador na ciência é perceber que “nada nessa vida é imutável. O conhecimento faz parte de um processo extremamente dinâmico: ele é constantemente adquirido, modificado e aprimorado”. A um jovem interessado em ser cientista – cujas possibilidades ela avalia pela curiosidade, criatividade, perseverança e foco – aconselharia: “Experimente! Pense em questões que te interessem, leia revistas como a Super Interessante e Ciência Hoje, faça perguntas e verifique se elas já foram respondidas, procure por respostas e busque orientadores com expertise suficiente para auxiliá-lo nessa tarefa”.

Para ela, receber o título de membro afiliado da ABC é um enorme reconhecimento do seu trabalho científico, além de trazer maior visibilidade ao seu grupo de pesquisa. “É excelente saber que meu trabalho está sendo valorizado por meus pares. Pretendo contribuir para a ABC participando e auxiliando na divulgação de todos os eventos por ela organizados, propondo temas para palestras, simpósios, reuniões e apresentando meu trabalho quando for convidada”.